...SÁBADO DE SOL

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Uma semana após o desaparecimento de Cleiton, Cintia, ou como é conhecida em seu meio profissional, Cintia Bell, recebeu um telefonema importante em tom um pouco atônito.
– Tia, buenas! Creio lá senhora já estás sabiendo do desaparecimento do Cleiton, mi amigo. Lá família estás a precisar dos seus serviços. Puedes Arrudar?
O portunhol não foi difícil de identificar. Era de sua sobrinha Julia Mendez. O seu número telefônico ainda não estava salvo na sua agenda por ser um aparelho novo, pois o antigo era de uma rede argentina.
Cintia Bell é jornalista e assessora de imprensa. Trabalha em uma rede de televisão no Rio de Janeiro, é bem conhecida por ser competente. O pedido de sua sobrinha nem precisava ser feito, pois ela já estava pensando em acionar alguns amigos da imprensa para fazer uma comoção em prol do jovem jogador. Cintia Bell não era dotada de intimidade com a família Santos. Conheceu Maria Maria na igreja nas poucas vezes que frequentou, mas sua relação com ela era um simpático "bom dia, boa tarde e boa noite". Não por não querer aproximação. Seus mundos eram muito diferentes, suas crenças ainda mais. Cintia frequentou apenas um mês da igreja e, não se identificando, saiu para procurar outras crenças; se encontrando na espiritualidade budista. Apesar da não intimidade com Maria, Cintia conhecia bem o casal de filhos dela, já que os mesmos brincavam desde crianças na famosa pracinha do Bicão, que fica na em que Luna e sua família moram. Luna e Cleiton, por estarem próximos de suas casas não precisavam que os seus pais fossem lhe buscar, um sono chamar pelos seus nomes bastava. Cintia, por morar um tanto longe, preferia não permitir que suas meninas fossem sozinhas para casa. Normalmente quando iam, um grupo de meninas e meninos as buscavam, mas o retorno, com hora marcada, era dado por Cintia. Raramente Tadeu, seu esposo, ia busca-las, mas Cintia gostava de ir para pôr a conversa em dia com as mães de outras crianças – uma mania de jornalista que queria saber das fofocas do bairro.
Ainda que não considerasse a família grande amiga, também não tinha algo contra, a falta de amizade era apenas um mero acaso. E claro, para ela, essa ajuda não era apenas por amizades e sim um direito cívico. Jamais deixaria um caso desse sair impune como muitos outros que já tentou ajudar.
– Sim, minha sobrinha! Pode deixar que já sei o que fazer. Hoje estou pegada no trabalho, mas amanhã cedo aciono meus contatos.
E assim foi. Não passou dois dias do pedido de Julia, Cintia foi a residência da família Santos, conversou com todos antes da entrevista com a emissora; falou dos prós e contras da mídia, foi cuidadosa quanto a indiscrição de certos jornalistas. Cintia queria que Maria dissesse alguma coisa, mas ela não conseguia fazer nada, estava muito abalada, com Gilberto não foi diferente. O homem de meia idade com porte física de trabalhador braçal era outro homem perante as perguntas dos jornalistas. Então a porta voz da família foi Luna que, com imponência, se prontificou a dar a entrevista.
Agora a família Santos precisava novamente dos serviços da competente Cintia Bell.
Ao saírem da delegacia, Gilberto e Luna foram direto para a casa das gêmeas Clara e Clarice. E foi Clara quem os atendeu. Luna não perdeu tempo e explicou a situação. Sua mãe, Cintia, não estava em casa, mas Clara os recebeu em sua sala de estar e ligou para Cintia no mesmo instante. Cintia, em seu trabalho, já fez suas ligações. No dia seguinte, sábado às nove horas da manhã, uma digital influencer, um jornalista de fofocas e uma repórter de uma das maiores redes de tevê do Brasil estavam batendo na porta da família Santos. Foi tudo muito rápido.
Maria ao chegar em casa ficou abalada com o que soube, ouviu apenas dois dos áudios de Diogo, passou a noite chorando e imaginando que acontecera o pior com o seu amado Cleiton. A noite parecia uma tortura, para dormir ela teve que tomar dois calmantes. Tanto Luna quanto Gilberto adormeceram na grande cama de casal do quarto de Maria. Luna de um lado, Gilberto do outro e Maria no meio, todos bem dopados de remédios para dormir.
A proporção que a história que Luna e seu pai contaram aos jornalistas foi além do esperado. Ganhando uma dimensão nacional. Graças a influência da internet, em menos de vinte e quatro horas todos em todos os cantos começaram a falar da Loira Psicopata de Nilópolis. Luna recebia por segundos mensagens em todas as suas redes sociais, professores de sua escola lhe ligando dando seus apoios; amigos e colegas de sala. Amigos e colegas de Cleiton também se prontificaram. Regidos por Muara e André que levou todo o time de futebol, um grupo decidiu fazer uma passeata em Nilópolis, que culminaria em frente a casa de Carla. Às dezoito horas Nilópolis inteiro estava na porta da família da Carla.
O rumo não poderia ser diferente para a polícia, a pressão que receberam da grande mídia os obrigou a estarem presentes na passeata tentando impedir possíveis agressões, revoltas e quebra-quebra. A intervenção da polícia não fez muito efeito. A casa foi depredada, pichações foram feitas no muro, algumas pessoas pularam o muro e picharam a varanda, quebraram as janelas. Por conta da forte agressividade, a polícia utilizou de força bruta, detendo alguns estudantes, lançando balas de borrachas e gases de efeito moral. A confusão só terminou por volta das dez da noite, com muitos feridos, inclusive entre os policiais. Neste dia, ninguém da residência foi visto. Se tinha alguém dentro da casa, não saiu para ver o que acontecia em sua calçada.
A pressão não foi apenas social, foi política. O prefeito do Rio de Janeiro foi a mídia aberta para fazer um pronunciamento, exigindo que a polícia tomasse as devidas medidas para solucionar este caso que já estava beirando os cinco meses. Então, horas depois do pronunciamento, a polícia fez uma busca minuciosa na residência – novamente ninguém na casa, que foi arrombada pela porta da frente, revirada dos pés a cabeça, e por último arrombaram a porta da cozinha, chegando no quintal dos fundos.
Após este dia de busca na casa da Carla, a hashtag Loira Psicopata de Nilópolis ganhou mais força, pois lá, onde Luna havia dito a mídia que estava localizado o seu irmão, a polícia o encontrou em estado deplorável.

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