UM CONVIDADO PENETRA

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Os dias passam numa velocidade nauseantes e cortava sem dó os corações da família Santos. Trabalho, não tinha sentido, escola não tinha graça, televisão não distraía... Com algumas visitas de seus pais, Maria e Gilberto negavam desde o desaparecimento do filho a possibilidade de eles ficarem em sua residência para ajudar além do que eles poderiam oferecer. Era ligação para cá, mensagem para lá, perguntas daqui, acolá... Tanto Maria quanto Gilberto já não aguentavam mais o interrogatório de seus pais. Sabia que era uma forma de mostrar preocupação, no entanto, suas mentes não aguentavam mais. Pois também tinha quem ouvir perguntas em seus trabalhos, no seu bairro, na rua, em todo e qualquer lugar que conhecesse a história do jovem desaparecido do bairro de Irajá.
Gilberto chegou a pedir no serviço para mudar o seu horário de chegada, pois no ônibus que costuma ir todas as manhãs, as pessoas já se consideravam seus amigos e colegas e o enchiam de perguntas indiscretas.
– Ei, você não é o pai do garoto desaparecido?
– Acharam o menino?
– Poxa, que pena, ele tinha um grande futuro?
– Será que ele iria jogar na seleção brasileira?
– E o vi quando era criança, lembra de mim?
– Meu pêsames, era um jovem tão bonito?
– E a policia, deu algum parecer?
– Polícia é tudo igual, dizem que trabalham, mas só querem bater em favelado!
– Meu primo também sumiu quando era criança, mas na verdade ele fugiu, tinha medo de apanhar dos pais.
– Será que o seu filho tinha medo de apanhar de vocês? Ele era levado?
– Sua boba, ele não era criança, já era um moço feito.
– Moço feito, o dona, ninguém fala mais essas palavras antigas.
– Deixa ela, ela só quer saber do paradeiro do rapaz.
– Minha mãe é cristã, ela disse que vai rezar por ele.
– Eu vi no meu pai de santo que o menino está sofrendo, precisa de ajuda e...
– Isso é coisa de se falar? Sai daí com seus santos. Esse aqui é um lugar de respeito.
– Ué, ela falar de macumba não é de respeito? E a menina ali que falou que é cristã, ela pode?
– É diferente, ela fala de Jesus, da bíblia.
– Entendi, dessa religião de um homem que não tinha religião pode, mas de matriz africana com crenças milenar não! Interessante sua colocação.
– Dona, aqui ninguém quer arrumar problemas, melhor falar do garoto que...
– Agora não quer problemas e falar do menino que desapareceu. Na verdade, nem isso e nem aquilo é da sua conta...
Assim como todos os assuntos no transporte público coletivo, os assuntos se misturavam, alguns faziam sentido, outros nem tanto. Muitas conversas se perdiam, muitos papos eram desnecessários. Gilberto já sabia disso, mas a constância de metralhadas sobre o seu filho causava-lhe um mau estar. Em suma não respondia nada, por vezes nem tinha chance de responder, pois outra pessoa o enchia de perguntas tolas, outras vinham com respostas.
Em sua família a coisa não era tão diferente do coletivo. E era até mais difícil de se esquivar ou mudar de horário para escapar das falácias.
– Estamos dando um jeito – Gilberto falava ao encontrar com seus pais próximo ao trabalho, insistência deles por não ter notícias do mesmo por três dias. – Mãe, já disse, as buscas continuam – dizia para sua mãe, no entanto, nem mesmo ele acreditava no que a policia afirmava. Seu olhar estava cansado, seu corpo sem vida, sua vontade de qualquer coisa se esvaíra.
Maria sofria também com as interrogações, não tanto porque trabalhava o dia todo e desligava o seu celular, normalmente ficava a semana toda fora, mas por conta do acontecido, pediu para ir e voltar algumas vezes para casa para ficar com a filha. Passou a ser raro os dias que ficava dois ou três dias fora. E nesses dias, os vizinhos também incomodavam, mas ignorava as chamadas no seu portão, e não fingia simpatia com quem a abordava na rua. Quando vinha uma pergunta, ela ignorava ou olhava com um olhar firme franzindo o cenho e maleficando com seus olhos negativos. Uma certa vez, se serem convidados, seus pais fingiram que estavam em casa.
– Não pai, não precisa – Maria dizia ao finalizar uma conversa pelo telefone residência. Em seguida sentiu o celular vibrar de cima do rack ao lado da tevê. Quando pegou e viu a mensagem, era sua mãe pergunta se estava tudo bem e se ela queria que eles fossem lhe visitar. – Mãe, obrigada, mas estamos bem. – Mentia ao responder a mensagem para não alarmar mais ainda suas preocupações e receios.
Poucos segundos após responder sua mãe, ouviu o chamado do seu pai no portão. Maria ficou possessa, discutiu com os mesmos que foram embora sem ao menos dar um OI, para Luna que estava no quarto.
Faltava pouco para completar dois meses do desaparecimento, quando o irmão de Gilberto ligou para ele lhe perguntando se estava tudo bem. Foi incômodo e incomum, mas Gilberto pensou ser apenas um momento solidário. Passou dois dias e, na folga do Gilberto, Gilvan apareceu em seu portão. Estava todo receptivo, tranquilo e ainda levou duas pizzas com um guaraná de dois litros. Eram dezoito horas, Maria estava fora, mas havia dito que chegaria as dez horas da noite. Gilberto não almoçou e Luna comeu algumas verduras que Joana insistiu na escola. Fora isso, ambos não comeram mais nada e tudo indicava que não jantariam. A ideia da pizza caiu como uma luva.
Conversa vai, conversa vem e já era vinte e três e trinta horas. Luna comeu seu pedaço no quarto e se limitou a dar um boa noite frio e nada. Saiu do quarto apenas para escovar os dentes e trancar a porta do quarto e não sair mais. Maria chegou e beliscou um pedaço, mas assim como a filha não ficou muito tempo na sala. Apesar de Gilvan não ficar perguntando sobre Cleiton, ela não estava afim de bater papo. Então tomou banho, escovou os dentes e foi se deitar.
Já era quase meia noite quando Gilberto foi ao quarto e pediu a sua esposa que deixasse seu irmão dormir ali, pois estava tarde e disse estar morando longe, no bairro de Cosmos, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ela, cansada e já sonolenta/dopada com o calmante que tomou, remédio que pediu a sua generosa patroa, assentiu e em seguida apagou. Gilvan dormiu na sala. Gilberto deu-lhe um edredom e ele se ajeitou no sofá, pois disse que seria recente e indiscreto dormir no quarto do seu amado sobrinho Cleiton. Gilberto concordou, pois também não se sentia a vontade em ter outra pessoa no quarto do filho, já que alimentava esperanças de o encontrar.
– Melhor assim, quando Cleiton voltar vai ficar furioso ao saber que alguém dormiu no seu quarto! – Gilberto disse na esperança de um sorriso vir com as palavras, mas não veio. 

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now