A DOR DA ESPERANÇA

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O cheiro exalado da clínica médica refletia fedor de amargura. Antônio jamais se sentiu à vontade em hospitais. A química, as pessoas chorando, gritando e, também, as pessoas que esperam são, em sua visão, as mais sofredoras. Não que a dor do enfermo seja pequena ou boa, menor ou maior, mas sim, que as pessoas que esperam adoecem por dentro. Pensando, imaginando se o seu amor irá retornar. Se o seu pai, mãe, esposa, marido... filho. A esperança é uma coisa corrosiva, ele refletia sentado em um banco recostado na parede, ao lado da sala em que seu filho Toni descansava após ter conhecido a maldade da visão branca para com as pessoas negras.
Antônio não tem informações precisas a cerca da morte de seis pais, e por vezes, tem a impressão que de alguma forma ele esconde a memória desses fatos para se proteger da dor da perda.
Esperança, a palavra vagava na mente do pai como um ioiô que vai até o chão, local de dor, e volta a mão, onde se tem uma falsa ideia de controle. Para Antônio, a esperança é isso, uma coisa que nos põe a baixo e, que por momentos precisos, nos permite pensar que podemos controlar o incontrolável. Na vida de Antônio, três grandes momentos de esperanças lhe marcaram. O primeiro, foi na perda dos pais. Uma pobre criança órfã desejando e rezando a Deus do fundo do coração que ele trouxesse os seus entes queridos de volta. A segunda, foi anos mais tarde quando se via perdendo a luta de sua relação com Ângela, e essa memória, ele queria e tentava apagar. Pois a recordação é humilhante: Ângela sempre fora uma pessoa que amava a sua liberdade da vida e isso, para ele, era um indício de uma pessoa que não conseguiria viver atada a uma relação concisa. Mas Ângela, no auge do seu amor, dizia que isso era bobeira, que a sua vontade de liberdade se resumia a festa, passeios e não a, como ele dizia, sumir da concretude de um casamento.
Antônio se esforçava para crer nisso, mas algo dentro dele dizia o contrário. Em conversas com amigos, concluíram que tudo era ciúmes. Que ele era inseguro e que isso estava impedindo de viver o melhor momento com a esposa. Com essa resposta, Antônio conseguiu viver bem por muito tempo, pois buscou ajuda psicológica para impedi-lo de destruir a sua relação, principalmente, por serem pais bem novos, Ângela e ele não demonstravam maturidade para gerirem uma família.
Enquanto Antônio buscava as respostas da relação perfeita, Ângela dizia que isso era bobagem, que a relação perfeita é uma ideia criada pelos poetas na busca do amor eterno. Que, em sua visão, uma relação tem que ser vivida um dia de cada vez. E principalmente, com muita intensidade; se permitindo tudo que aparecer para dar-lhe prazer. A onda de Ângela era forte e conseguiu pôr Antônio em sua crista por meses, no entanto, quando resolveram se casar, tudo mudou.
O casamento foi uma ideia conjunta na intenção da criação de uma família, já que teriam um filho juntos. Mas Ângela se via um tanto quanto relutante. Ela parecia estar forçada a ter o filho, a se casar a viver feliz para sempre. Na ânsia, ela concordou, mas ao pensar com calma, essa vontade se transformou em outra coisa. Ângela queria tirar o filho e, o jovem Antônio, além de não querer isso, não tinha dinheiro suficiente para o aborto. Pedir para os pais era fora de cogitação. Ambas as famílias eram contra o aborto, mas o maior fator era que estavam felizes por uma criança.
A família de Toni, achava Ângela uma patricinha mimada que não queria nada na vida. A família de Ângela achava Toni um vagabundo, apesar de estudante, que não teria futuro por conta de sua pobreza e cor. A notícia do bebê, foi o que uniu as famílias, por um tempo, e que fizeram esquecer as rinchas dúbias. E isso, causou mais pressão para o tal casamento que seria custeado em comunhão familiar.
Para Antônio, o casamento era a chance de mostrar que ele era um homem responsável. Para Ângela, era o fim de sua liberdade.
O namoro do casal era uma das coisas mais bonitas de se ver, pois não havia brigas, as discussões era pequenas e infantis, e eles não se viam todos os dias, o que lhes deixava com mais saudade e desejo de se tocarem. Cada um estudava em uma faculdade diferente e Antônio ainda trabalhava para pagar a sua faculdade, logo, menos tempo juntos.
Quando Toni nasceu, Antônio e Ângela, trancaram a faculdade. Mais tarde, com seu filho já com dois para três anos, Ângela retornou, pois eram seus pais que custeavam. Já Antônio nem tentou, pois pagava a casa parcelada e tudo para dentro da mesma.
- Antônio. Eu não acho que isso é vida. Você vai se morrer por essa família e não fará nada por você?
Disse Ângela quando Antônio falou sobre continuar no trabalho para pagar a casa e bancar tudo.
- Não se preocupe. Jamais irei te culpar por algo. Essa é uma escolha minha, para te dar o que merece e dar ao nosso filho o melhor.
A relação amorosa do casal entrou em um estado raro. O sexo começou a ser mecânico; o carinho apenas uma ideia súbita vista nas novelas que Ângela gostava de assistir. O tempo passava e a relação do casal se resumia em Toni. Era pra ele, por ele. Ângela se formou em relações públicas, fez mestrado, intercâmbio na Inglaterra. Enquanto Antônio ficava no mesmo emprego esperando seu casamento voltar a ser o namoro dos sonhos de outrora.
Após onze anos de relação mecânica. O casal parou de ter relação sexual. Antônio ficou mais tempo no trabalho, a casa estava paga, daí ele começou a pôr um dinheiro no banco para seu filho. Ângela estava trabalhando numa empresa e se bancava. Era nítido que não havia relação, que não precisava dos pais ou de Antônio, então, tomou a decisão de acabar com esse casamento de mentira.
Toni estava dormindo quando, as dez da noite, Ângela chamou Antônio para conversar. Ela anúncio o seu desejo, Antônio ficou em choque. Para ele, tudo não passava de uma fase, que logo, logo iriam se ajeitar e tudo melhorar. Ângela disse que não, eles estavam adoecendo nessa relação. Que ela só se sentia viva fora de casa, na empresa ou fazendo qualquer coisa que fosse longe dele. Antônio não aguentou a rejeição e, pela primeira vez na vida do casal, ele chorou e implorou para que ela não terminasse o casamento. Disse que faria o melhor, que, caso ela achasse necessário, ele diminuiria a sua carga horária de trabalho para se dedicar a família. Receosa e com um profundo aperto no peito, ela aceitou.
Antônio seguiu o que prometeu. Por três anos ele fez o que disse que faria, mas também não durou e, no quarto ano após o pedido de salvamento da relação, tudo voltou a definhar, e para pior. O casal passou a discutir, brigar, Antônio voltou a trabalhar dobrado, Ângela começou a chegar mais tarde em casa e algumas vezes bêbada. Antônio voltou a ser o cara desconfiado e inseguro.
Em uma das noites que Ângela chegara com um forte odor de bebida alcoólica, Antônio resolveu mexer no celular de Ângela. Ela estava tomando banho e deixou o celular em cima do sofá. Quando começou a checar a sua rede social, encontrou milhares de conversas com outros homens, algumas antigas, outras recentes, mas a maioria marcando para ir em algum lugar, beber após o trabalho, ir em um determinado Motel... As mensagens acabaram com Antônio, que inclusive viu mensagens de amigas que a encorajavam terminar a relação, que homem que chora é um frouxo, que ele não tem atitudes... Mas Ângela, em respostas, dizia que era melhor ficar por conta do filho, e sua relação não importava mais, já que estava tudo acabado a anos.
Quando Ângela saiu do banheiro a situação piorou. Eles discutiram por horas, brigaram e se agrediram fisicamente. E a coisa só não chegou a ser caso de polícia, por que Toni acordou e separou os pais. Envergonhado, Antônio se incumbiu a sair de casa, que depois resolveriam a papelada do divórcio, e foi aí que teve outra surpresa. Ângela já havia comprado outra casa a dois anos atrás. E aos poucos foi mobiliando, já pensando em se mudar para um lar que fosse só dela, sem ajuda de ninguém.
Dias se passaram, o casal se separou. Ângela foi para sua casa. Toni foi morar com ela, mas hora ou outra ia passar uns dias com o pai.
Eles jamais entraram na justiça pela guarda de Toni. Como o adolescente já chegara nos quinze e faltava pouco para os dezesseis anos, eles deixaram que ele escolhesse. Toni afirmou que não sabia o que fazer, mas que, por enquanto, iria morar com a mãe e ficaria dias com o pai.
Antônio nunca superou as coisas deste dia e agora sentado na clínica em que seu filho se encontra, ele tem mais uma vez um forte pedido de esperança. Pede, com clamor, que seu filho sobreviva, saia com a mente sã, que o mundo não o faça de saco de pancadas e que possa seguir seu futuro.
- Oi.
Disse uma voz feminina, enquanto Antônio está de cabeça baixa. Antônio levanta a cabeça e força um sorriso simpático. Quem o chamou foi uma enfermeira que a dois dias observa o caso do seu filho.
- Não precisa ficar tão abatido. O seu filho sairá dessa. Após alguns meses, nem ele ou você, ou sua esposa se lembrarão do ocorrido.
Antônio ouvira do doutor responsável que ele não teria sequelas, mas a visão horrenda do seu filho quebrado dizia o contrário.
- Obrigado, mas... A minha cabeça está muito cheia. Não é apenas o, ocorrido, é o peso que isso jogará nas costas de nossa família.
- Ah, entendo. A sua esposa me pareceu também bem triste e...
- Por favor, ela não é a minha esposa. Não mais.
- Perdão. Não quis ser indiscreta. Bom, eu vou para o meu horário de almoço. Coma alguma coisa. Não sei o que é a preocupação de um filho, por ser solteira e sem filhos. Mas sei que uma barriga vazia não faz nada bem.
- Eu, agradeço. Mas, a fome não é minha amiga desde o dia que o meu filho foi espancado por três racistas.
As palavras de Antônio soaram dolorosas e indignadas, mas a pitada de ódio que ele deixara escapar fez a enfermeira recuar.
- Vou deixá-lo... novamente me desculpe.

O QUE NOS FALTA ...🔞Where stories live. Discover now