CAPÍTULO 103: Fracos... Mas Perfeitos.

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[Narrado por Luka]




Assim que descemos do ringue, Juan passou pelos alunos empurrando todo mundo e foi embora, sumindo da minha visão. Nem pensei, fui atrás dele. Não esperei Marcelo fazer toda a cerimônia pra me nomear vencedor da partida.
 
Joaquim: — Ei, Luka! Cara, o que foi aquilo?! — o ignorei. Apenas levantei a mão, pedindo pra que ele ficasse quieto
 
Eu: — Agora não, Joaquim. — passei direto. Empurrei todos à minha frente e fui atrás do Juan. Vi-o passar pela área principal e ir dentre as cabanas. Corri até lá e segui o cheiro dele. Apesar de eu não enxergá-lo mais, eu sei exatamente onde ele está. O cheiro do Juan é forte, ele tem cheiro de... não sei, de... ele tem um cheiro específico dele. Não sei explicar. É forte.
 
Ao entrar na minha cabana, vi ele pegando todas suas coisas espalhadas pelo quarto e guardando-as.
 
Eu: — Que porra foi aquilo, Juan??? — entrei na cabana e fechei a porta. Juan me ignorou, e continuou enfiando suas coisas em sua mochila.
 
Juan: — Me deixe em paz.
 
Me aproximei dele e segurei seus braços, tentando forçá-lo a parar de juntar suas coisas. Ele empurrou meus braços com agressividade. Naquele momento eu notei um cara completamente diferente do que eu tinha visto antes. Ele estava acuado e aparentemente se defendendo.
 
Juan: — Me deixe em paz... me deixe em paz... — sussurrou para si mesmo. Tentei me aproximar de novo, mas ele se virou e levantou os braços, evitando que eu o tocasse. — Não encoste em mim!
 
Eu: — Você não é humano... você nunca foi humano.
 
Juan: — Olha que surpresa, você também não. Agora me deixe em paz! — pegou sua mochila lotada e a colocou nas costas.
 
Eu: — O-o que está fazendo?
 
Juan: — Eu vou embora daqui... — ao se virar em direção à porta, rapidamente entrei na frente dele e... não usei minha velocidade nivelada aos humanos. Só zarpei e ele parecia ter ficado surpreso quando surgi à sua frente. Seus olhos se arregalaram.
 
Eu: — Não! Você não pode sair do acampamento assim! Não depois de... — ao perceber que eu estava gritando, fechei os olhos e respirei fundo. — Solte essa mochila, Juan.
 
Juan: — Eu não me importo com esse acampamento, e nem com esse povo aqui. Eu vou pra outro lugar, outra cidade, outro país, sei lá! Saia da minha frente! — ele iria me empurrar, mas segurei seu punho.
 
Eu: — Você não é maligno... o que você é? — ele olhou em meus olhos. Ele estava... assustado? Não, aquilo não era medo. Ele estava apenas receoso comigo. — Eu não vou te machucar, se é isso o que está pensando...
 
Juan: — Não importa o que eu sou. — disse baixinho.
 
Eu: — Pra mim importa. Se você me contar o que você é, eu te conto quem eu sou... — ele riu, mas uma risada debochada.
 
Juan: — Eu não me importo com quem você seja! — gritou, chegando a cuspir suas palavras contra mim. — Eu tô pouco me fodendo pro que você é!!! Saia da minha frente e me deixe sair dessa merda de lugar!!!
 
Eu: — Não!!! — me excedi outra vez. As janelas fecharam com força, nos deixando na escuridão dentro da cabana. Juan olhou ao redor e deu um passo pra trás. Respirei fundo e as janelas abriram de novo, clareando o ambiente. Juan me empurrou pro lado e passou por mim rapidamente, em passos firmes.
 
Juan: — Você não me dá medo. — saiu pela porta. Toquei minhas têmporas, sentindo minha cabeça doer um pouco, mas me recuperei e o segui. Ele adentrou a mata e desapareceu rapidamente dentre as árvores. Fui atrás. Segui seu rastro e... ele é extremamente rápido! Não sei como ele conseguiu passar por um terreno tão estreito, cheio de galhos altos, de árvores caídas, de poças... e sem trilha. Mas aumentei a velocidade e consegui alcançá-lo. Agarrei sua blusa e o puxei com força, me colocando à sua frente outra vez. Ao me ver, ele revirou os olhos.
 
Eu: — Por quê você me forçou a... a libertar minha energia? Você já sabia???
 
Juan: — Eu não forcei ninguém! Você quem me forçou! Eu abandonei essa porra, eu quero uma vida normal, mas... — olhou pra baixo. — Me deixe ir embora. Agora que sabem sobre mim, eu... eu preciso ir. — tentou passar por mim de novo, mas segurei em seus ombros. Ele parecia temer algo, e eu ainda não sei o que é. Obviamente ele não é mau, até porque se fosse, eu já estaria encrencado.
 
Eu: — Eu não fiz nada... só me excedi, e parece que você também. Vamos deixar isso pra lá, okay? — o soltei e me afastei com as mãos rendidas no ar. — Não vou te machucar... não pretendo contar pra ninguém. Isso é apenas entre você e eu, beleza?
 
Juan: — Não, não está beleza. Você vai sair contando pros seus amigos, pra sei lá quem que estiver com você e... — olhou para o chão. — me deixe ir embora... por favor. É a melhor coisa que eu faço. Você nunca mais vai ouvir falar de mim. Nunca mais ouvirá meu nome, eu juro.
 
Eu: — Não, Juan! Não!
 
Juan: — Eu não me importo com o que você é, não é da minha conta, e você também não deve se importar comigo.
 
Eu: — Mas... somos amigos... — ele riu.
 
Juan: — Amigos?! Eu não tenho amigos! Eu odeio todos vocês, todos eles, eu odeio todo mundo! — dei um passo em sua direção, mas ele ergueu ambas as mãos. — Não se aproxime de mim!
 
Eu: — Eu não vou contar pra ninguém, eu te prometo.
 
Juan: — Promessas são quebradas.
 
Eu: — Não as minhas. Juramentos e promessas são sagrados, e pra ti eu dou minha palavra. Ninguém vai saber, só você, Diogo e eu.
 
Juan: — Você já contou pro... uau! Você é rápido! — passou por mim e me empurrou com força pro lado. Caí sentado nas folhas secas e ele passou direto, chegando finalmente nos limites do acampamento... a cerca estava logo à sua frente. Fui atrás dele, e quando ele iria começar a escalá-la, o chamei.
 
Eu: — Não, eu não contei. Diogo provavelmente viu a circulação da sua energia, e viu sua aura. — ele parou e olhou pra trás. Tirou a mochila e a jogou no chão. — Eu ainda sou eu. Eu sempre fui eu e vou ser eu até mesmo se soubermos sobre... isso.
 
Juan: — Humanos são traiçoeiros. Eu os odeio, eu repudio todos. Se você se aproxima deles da forma que você faz, você deve ser igual.
 
Eu: — Eu não tenho melhores amigos humanos, ô anta. Acha mesmo que o povo que mora na minha casa é diferente de mim? — ele franziu as sobrancelhas. — Só pra você saber, eu tô cagando pros humanos, não desgosto e nem gosto. Eu até namorei um, se quer saber. Mas Nathalie, Guilherme, Luigi, Joaquim, Diogo, minha irmã...
 
Juan: — Vocês também... estão escondidos. Mas escondidos de quê? — ele se aproximou. Então ele está... se escondendo? Mas se escondendo do quê?
 
Eu: — Eu não estou escondido. Eu...
 
Juan: — Quer saber? Isso não me interessa. Vai se foder! Saia de perto de mim e me deixe em paz! — voltou para perto da grade, pegou a mochila e começou a escalar para fugir.
 
Eu: — Beleza então. Se você está se escondendo de algo e acha que ficar fugindo assim como um covarde vai te salvar, então boa sorte. Vá embora! Seja a porra de um covarde! — gritei contra ele. — Você se escondeu bem o suficiente durante quase um ano... e eu te ajudaria a se esconder por mais tempo, caso quisesse. Mas você prefere fugir ao encarar seus medos e ser livre de... de seja lá o que você tem medo. — ele parou de escalar... ficou alguns segundos parado, mas logo continuou, e... ao chegar no topo da grade, ele nem olhou pra trás, só saltou pro outro lado. — Ah... não sei por que estou gastando tempo aqui. Santo Abooh.
 
Me virei e... voltei para a cabana. Estranhamente me senti muito mal por ter deixado Juan fugir assim, e até queria agarrar-lhe pelo pescoço e obrigá-lo a ficar, mas não posso fazer isso. Seria suicídio, afinal eu nem sei do se trata, e eu não quero estar encrencado com mais uma coisa. O que tenho até aqui já é o suficiente. Juan é apenas mais um covarde no qual eu não preciso mais lidar.
 
Voltei para a cabana e... me joguei na minha cama. Fiquei um tempo ali pensando e... como eu nunca notei que Juan não é humano? Parando agora pra pensar, ele é da mesma forma que Marcus me falou que um provável não-humano seria. Juan sempre foi completamente indiferente aos humanos, evitando qualquer papo. Sempre foi na dele, quieto, super esperto e ignorava a idiotice de todo mundo. Ele não gosta de conviver nesse mundo, mas convive, então quer dizer que, apesar de não gostar, ele só... precisa. Ele deve ser um lobo solitário. Se for de alguma espécie específica, deve ter se afastado de seu grupo, de sua família, por algum motivo. E ele se sente seguro se passando por humano... afinal quem vai se interessar pelo valor sobrenatural de um humano comum?
 
Depois de pensar um pouco e minha dor de cabeça passar, voltei para perto dos outros. Eu estava cansado... muito cansado, aliás.
 
Joaquim: — O que aconteceu? Por que essa cara? — sentei ao lado dele. — Está bravo comigo? Me perdoe...
 
Eu: — Não, não é contigo. Tá tudo bem, só estou... — suspirei. — cansado.
 
Fiquei assistindo os outros competidores por um tempo, até que meu cansaço foi aumentando, a ponto de eu me sentir sonolento demais ali. Eu estava com meu grupo, e ninguém sairia até que a diversão acabasse, mas eu... eu queria muito sair.
 
Diogo: — Ei, tá tudo bem, relaxa. — ficou à minha frente. Ele sinalizou para Sandra à minha esquerda e ela deu espaço para que ele sentasse ao meu lado. Logo se aproximou do meu ouvido. — Boca fechada. Não contei... cê sabe. Não é da minha conta.
 
Eu: — Nós brigamos. — falei e ele se calou. — Ele pegou as coisas dele e fugiu pela mata. É um covarde com medo de nós.
 
Diogo: — Deixa ele. Vamos focar aqui, tá bom? Eu vejo que você está fraco, e sua carga de energia está baixa. Vá dormir, eu falo com o Miguel.
 
Eu: — Não, não... — bocejei. — Estou bem.
 
Continuamos assistindo, mas teve um momento em que não consegui me suportar sentado. Me inclinei pro lado e deitei a cabeça no ombro do Diogo. Respirei fundo e... fiquei cochilando. Ele parecia não ligar, e eu nem tive como me desculpar.
 
Diogo: — Vamos. Eu vou te levar pra cabana.
 
Eu: — Não precisa, eu... eu... — me sentei de novo, tentando focar minha visão.
 
Diogo: — Estou indo. — se levantou rapidamente... estendeu as mãos e eu as peguei. Ele me ajudou a levantar e me guiou dentre os outros.
 
Thomas: — Ei! Estão indo aonde? — segurou meu braço. Por um momento quase perdi o equilíbrio. Ele me segurou com firmeza, e seu toque era tão... gelado.
 
Diogo: — Vamos descansar. — olhou para o punho do Thomas me segurando. — Se Miguel perguntar, estaremos na cabana, beleza? — agarrou os dedos do Tommy e os tirou da minha pele. Eu estava muito lerdo por causa do cansaço, mas vi os dedos dele ficarem marcados em meu antebraço. Diogo me empurrou pra longe dele e parecia... sei lá, desconfiado. Mas não liguei. Apenas o acompanhei até nossa cabana.
 
Eu: — Mais um covarde... nunca vi uma concentração tão grande de covardes num lugar só. — Diogo riu. Sentamos na minha cama e ele me forçou a deitar.
 
Diogo: — Não estou nessa lista, né?
 
Eu: — Não, de jeito nenhum. Nem você e nem o Joca. Eu quero ir pra casa. — me levantei de novo, mas ele segurou meus ombros.
 
Diogo: — Ei, ei, calma! Faltam dois ou três dias, relaxa. Durma agora. Se começar a dormir agora, você terá um descanso de... — fez uma careta pra pensar. — umas dezoito horas antes de irmos pra cachoeira amanhã.
 
Eu: — Pra mim é pouco. — ele riu.
 
Diogo: — Mas é o suficiente pra uma boa carga. O passeio vai ser só depois do lanche matinal. — bocejou. Agarrei seu colarinho e o fiz deitar também. Ele riu e passou o braço por baixo da minha cabeça. Relaxei um pouco no braço dele e... sei lá, apaguei rapidamente.
 
Esperava não sonhar com nada, até porque eu dormi muuuuito cansado, mas... eu me lembro de algumas coisas bem vagas. No longo sonho, eu vi cenas que... que eu tenho certeza de que conheço, mas não me lembro. Me vi conversando com o Gui em casa, nós dois deitados na cama e brincando com nossos dedos cruzados. Estávamos rindo e tudo parecia bem. Me vi também com o Cássio... eu não me lembro bem de estar numa caverna com o Cássio, mas eu vi isso naquele sonho. As coisas pareciam meio desconexas e... tão esquisitas.
 
— Está assim por qual motivo?
 
Eu estava sentado na calçada à frente de casa, olhando as nuvens naquele céu bem claro. Ao olhar para minha esquerda, um cara com cabelo vermelho alaranjado sentou-se próximo a mim. Parecia jovem, com um porte atlético e um belo sorriso, e... cheirava a flores. Eu não sei quem ele é, mas no sonho me lembro de sorrir ao vê-lo, sentindo o extremo conforto que ele me passava.
 
Eu: — Ah, oi. Só estava olhando o dia.
 
— Hum... — sentou-se mais próximo ainda, e... estava perto demais, mas não me incomodei. — Gosto do que você representava pra mim antes, e gosto ainda mais do que você representa pra mim hoje. Cumpriu sua missão, e...
 
Eu: — Não cumpri. Ainda não completei todos os passos, cê sabe.
 
— Não importa. Um deles está no caminho certo. Eu tenho visitado o Daniel, e notei o quanto ele está crescendo. Seus subordinados o ensinam bastante, e estão disfarçados como professores particulares.
 
Eu: — É, Aldey e Hantai são bons mesmo. Mas vem cá... o que faz aqui? Eu nem te conheço. — ri e olhei pra baixo. — Não sei por que estou conversando contigo. Meu tio... meu... quero dizer... Marcus me disse que você é apenas uma projeção da minha mais profunda consciência, que se manifestou para me proteger. — Ao olhar pra ele, vi um sorrisinho fofo em seu rosto. Ele não estava com as orelhas pontudas, apenas... vestido casualmente como um jovem universitário completamente casual, e nada fantasioso. Ele parecia tão único, tão... nunca vi alguém como ele antes, com essas características.
 
— Eu serei o que tu quiseres que eu seja, meu Príncipe dos olhos oceânicos.
 
Eu: — É uma pena... não lembrar de você. Parece importante.
 
— Não se preocupe. Em breve não se lembrará mais de mim, mas... talvez se lembre o suficiente quando for preciso.
 
Eu: — Por que está aqui? O perigo já passou, o que mais você quer me alertar? — ele deu de ombros.
 
— Há tanto perigo ao seu redor, você não tem noção. Mas de uma coisa eu posso te alertar. Viva o que você tem em suas mãos. Não dependa de ego, nem seja indiferente. A sua capacidade de se envolver e se entregar de corpo e alma a quem você se conecta, te torna especial o suficiente para evoluir. O seu nascimento aconteceu para que haja um desenrolar fluido nas cordas inextricáveis. Quando a missão dos Jinni acabar, não se isole, não os afaste, encare o que precisar, enfrente o que tiver que enfrentar, e mantenha sua postura até o fim, mas apenas quando sentir que ainda estás com a razão. Há quem possui a capacidade de te amar independente de qualquer ponto singular nesse universo, e eu... eu temo isso. Eu sei de coisas que eu não deveria saber, mas... enfim, daqui pra frente é hora de crescer. Não seja apenas o Luka da Terra, amigo compreensivo e amável. Seja o indomável Príncipe Luka de Kroath. — ele se levantou e... foi embora. Me deu as costas e se afastou, caminhando calmamente pela calçada com as mãos no bolso.
 
As coisas mudaram de novo. As cenas mudaram tanto, que quando acabou e eu acordei, não sabia se estava na realidade ou era apenas outro sonho dentro do meu sonho esquisito. Me sentei na cama e vi meus amigos arrumando as coisas, ajeitando roupas de banho, dentre outras coisas. Miguel estava os guiando do que pegar, e vi que... Diogo e Joaquim já tinham preparado minha bolsa.
 
Miguel: — Bom dia, Luka. Estamos indo comer alguma coisa antes de irmos pra cachoeira. Você vem?
 
Eu: — Ah... é, sim, eu vou. Só vou... tomar um banho, e algo do tipo. — me levantei e rapidamente fui pro banheiro. Tomei um banho rápido. Ao retornar, eles ainda estavam ali sentados conversando, me esperando. — Não precisam me esperar. Não quero que se atrasem por minha causa.
 
Sandra: — Shiu, quietinho. Grupo bom anda unido. — ri.
 
Eu: — Do que estão falando?
 
Thomas: — De como ontem foi legal, da sua briga com o Juan... de onde Juan está que não dormiu aqui, e tals.
 
Sandra: — Mentira, estávamos falando de como o Diih e você dormiram bonitinhos ontem.
 
Diogo: — Ah, cale a boca, mocréia! — ri. Diogo ficou corado e tentou bater nela com o travesseiro.
 
Sandra: — Eu shipparia vocês dois, se essa praga não fosse hétero. — se defendeu da travesseirada do Diogo. — Ai! Sai, hétero! Eu sou heterofóbica!
 
Eu: — Ninguém viu o Juan ainda?
 
Miguel: — Não. — todos se levantaram. Suspirei. — Eu avisei o Marcelo ontem  quando, mesmo depois do toque de recolher, ele não voltou. Até agora sem notícias, e Marcelo já procurou por ele  mas... nada. As gavetas dele estão vazias, sem roupas, sem... eu não sei o que pensar.
 
Eu: — Não se preocupem com ele. Ele está bem, tenho certeza. Estava na mata, e talvez tenha tido uma emergência e foi embora.
 
Miguel: — Não, mas mesmo assim ele não deveria ter saído sem avisar. Mesmo sendo maior de idade, está sob nossa reponsabilidade. — ele parecia mal... muito mal. Nunca vi Miguel agir daquela forma. Ele estava desconfortável e bolado com alguma coisa.
 
Eu: — Você está...
 
Miguel: — Não se preocupe, só estou preocupado. Sei que Juan cresceu na mata e sabe se virar, mas... ainda assim ele é meu aluno e está sob minha supervisão. — suspirei de novo e cruzei os braços.
 
Eu: — Por mim ele nem precisa voltar. Não passa de um covarde. — falei baixo.
 
Miguel: — Espera... vocês brigaram?
 
Eu: — Sim. No ringue. — todo mundo ficou calado. Estavam me julgando demais com aqueles olhares. — Fora também, mas quem se importa? Eu não.
 
Juan é um baita covarde, isso sim. Ninguém deveria se preocupar tanto assim com ele. Tenho certeza de ele tem noção o suficiente do que está fazendo. Eu mesmo estou preocupado, mas isso não vai ajudar em nada, só vai me prejudicar. Já que ele não quer ajuda, ele que se foda. Eu não corro atrás nem do meu futuro, imagine de macho fraco.
 
Fomos para o refeitório comer algo. Uma das cadeiras estava vazia, e... Por um lado eu senti falta dele sim. Apesar de eu ter sido ignorante ao não ter notado nada demais, eu me divertia conversando com ele também. Juan é bom nas palavras, e ele me confortava quando eu precisava. O grupo estava tão... incompleto. Comemos um pouco e eu fui obrigado a comer, mesmo sem estar com fome. Eu quero muito voltar pra casa, ver meu irmão, minha mãe... deitar na minha cama, ver um pouquinho o Anco, consolar o Marcus e o Ravick... eu não gosto de me afastar de casa assim por tanto tempo. Eu me sinto distante e frágil demais. Eu odeio me sentir frágil assim, parece que qualquer coisa vai tentar me quebrar. Eu odeio isso.
 
Marcelo: — Iremos partir em vinte minutos, então deem seus últimos retoques, peguem bastante repelente, e... óbvio, roupas de banho. Vamos conhecer um dos lugares mais bonitos da região.
 
Carlim: — Luka, está bem? — parou ao meu lado. — Dormiu cedo demais ontem.
 
Eu: — Tô sim, obrigado. Só estava cansado e... precisava dormir. — ela tocou minha cabeça e acariciou meu cabelo, o bagunçando... da mesma forma que minha mãe fazia quando eu era pequeno. Isso me fez sentir confortável, não sei por quê.
 
Carlim: — Então tá bom. Qualquer coisa, peça pra me chamar. Logo logo vamos pra casa. — assenti e sorri de canto. Ela se afastou e voltou para o grupo que ela toma conta, onde Luigi estava.
 
Miguel: — Você e sua irmã parecem próximos.
 
Eu: — Impressão sua.
 
Joaquim: — Ela me dá medo. — nós rimos, quebrando um pouco o desconforto do grupo.
 
De repente houve uma batida forte na porta. A maioria dos alunos se calaram ou apenas abaixaram o volume da voz. Até mesmo Marcelo parou de conversar. Eu não quis olhar para a porta, mas logo aquele cheiro dominou o ambiente. Juan passou ao redor da mesa e posicionou-se ao lado da cadeira onde ele sempre senta. Apontou o dedo pra mim e parecia indignado e bem estressado.
 
Juan: — Eu não sou covarde. — disse olhando nos meus olhos, apontando o dedo pra mim. Puxou a cadeira com força e sentou-se com raiva. Pela cara dele, ninguém quis comentar nada. Até mesmo Miguel ficou calado, olhando apenas de mim para Juan, de Juan para mim.
 
Marcelo: — Olha só. A Cinderela voltou pra pegar o sapatinho de cristal? — se aproximou da nossa mesa, encarando Juan, e... puto. Estava muito puto. — Onde estava, mocinho?
 
Juan: — Me deixe em paz, Marcelo. — disse em alto e bom tom, fazendo com que absolutamente todos se calassem. Juro que escutei até grilo tocar no refeitório, e o estalo das chamas crescendo no olhar do Marcelo. Mas Juan estava puto num nível muito maior e parecia não temer a raiva do professor.
 
Marcelo: — Lá fora. Agora. — Juan se levantou rapidamente e saiu. Marcelo foi atrás.
 
Miguel: — Luka, não... — não deixei com que ele terminasse. Revirei os olhos e me levantei, acompanhando os dois sem mesmo ser convidado para a discussão. Ao sair, vi Juan se dirigindo para o meio da área de passagem do acampamento, e Marcelo foi atrás em passos firmes.
 
Marcelo: — Onde você estava, Juan?!
 
Juan: — Não é da sua conta.
 
Marcelo: — Você está sob minha responsabilidade, claro que é da minha conta! Você desrespeitou a hora do recolhimento, e ainda fez com que todos os tutores tivessem insônia de preocupação por causa de você! — Juan parou de andar e voltou, indo de encontro ao professor. Juan absolutamente não teme ao Marcelo. Isso é ainda mais assustador.
 
Juan: — Primeiramente eu nem queria estar aqui. Eu nem deveria estar aqui. Não me importo com a sua opinião sobre o que eu devo ou não fazer. Quer me expulsar por causa disso? Beleza. Quer me punir? Beleza, já aturei coisa pior. Mas não ache que eu vou ficar com medinho do seu tom de voz que nem aqueles palermas sentados lá dentro. Eu não sou a porra de um covarde! — olhou por cima dos ombros do Marcelo, diretamente pra mim. Me aproximei. Acho que meu trabalho agora é acalmar esses dois.
 
Marcelo: — Olha como fala, moleque. Eu não sou seu pai.
 
Juan: — E nunca será. Eu não aceito seus sermões. Eu precisava de um tempo, mas eu voltei, sabe por quê? — Marcelo ficou calado. Um vento forte balançou as árvores com bastante força, erguendo folhas secas e poeira do chão. — Porque eu criei a porra de um vínculo inútil com esse lugar e eu não consigo me desfazer dele!
 
Eu: — Calma... vocês dois. — entrei no meio deles, tocando seus peitos e os mantendo afastados. Juan estava claramente alterado.
 
Marcelo: — Você está encrencado, garoto. — riu. — Abaixe seu tom de voz quando estiver me direcionando a palavra. Eu não aturo aluno mimado, e nem vou pegar leve com um. — revirei os olhos. Juan riu. Uma rajada forte de vento bateu contra nós, e dei um passinho pra direita, empurrando um pouco Marcelo. O tempo fechou, as nuvens pesaram.
 
Juan: — Mimado? Você sabe com quem está falando? Não. Sabe da minha vida? Não. Nem ao menos esteve presente quando eu precisei aprender a sobreviver. Então antes de me chamar de “aluno mimado”, saiba de onde meu nome saiu. Eu não sou seu filhinho, eu não dou a mínima pro que você pensa, e você não é nada pra mim além do cara que me obriga a ser um atleta toda quinta-feira e nos horários vagos.
 
Eu: — SILÊNCIO!!! — gritei. Minha cabeça doeu outra vez. Senti mais um vento forte bater contra nós, e me curvei para frente com uma forte dor. Senti a dor se estendendo da minha cabeça para meu rosto e... o gosto ruim de ferro nos meus lábios. — Ah...!
 
Juan: — Luka... — rapidamente ele me segurou com firmeza de um lado, e Marcelo me segurou do outro. Toquei rapidamente meu nariz ao sentir algo quente escorrendo. Ao olhar meus dedos, vi sangue carmesim manchando minha pele. Empurrei os dois, para que parassem de me tocar, e me afastei um pouco.
 
Eu: — Parem com essa discussão ridícula! — Não me importei em limpar o sangue que escorria do meu nariz. Ele caiu nos meus lábios e se uniu à minha saliva, me fazendo saborear o gosto forte, doce e ferroso. — Parecem duas crianças estressadas brigando por controle!
 
Marcelo: — Luka, vamos falar com o Miguel agora. — segurou meu braço.
 
Eu: — Eu não preciso de médico! Me solta! — o afastei de mim. — Você não vai punir o Juan, e Juan... pare de agir como um imbecil. Hoje é pra ser um dia legal pra todo mundo, e vocês acabaram de deixá-los desconfortáveis lá dentro. Toda essa gritaria, toda essa discussão... caralho!
 
Juan: — Eu não deveria... ter voltado. — olhou pra baixo.
 
Eu: — Então porque voltou?! Se quiser ir embora, então vá! Ninguém está te impedindo de agir como um covarde mais uma vez. E Marcelo, pare de ser tão reclamão. Juan foi um imbecil por ter te deixado preocupado, mas ele já é maior de idade. Não se preocupe com bicho velho. — ele sorriu de canto e olhou para Juan. Marcelo tirou um pano branco do bolso e veio até mim.
 
Marcelo: — Posso? — apontou para meu nariz. Assenti e ele tentou limpar o sangue que ainda escorria. Peguei o pano de suas mãos e o pressionei contra meu nariz.
 
Eu: — Eu estou cansado, não tô afim de aturar dois marmanjos discutindo por coisa boba. Calem a boca!
 
Marcelo: — Ele me desafiou.
 
Juan: — Eu não tenho medo de você.
 
Eu: — E nem deveria. Medo não é sinônimo de respeito. — olhei pro professor. — Você assusta seus alunos às vezes. Precisa se controlar. Eu gosto de você, mas você é muito agressivo às vezes. E não, eu também não tenho medo de você, mas eu te respeito muito. E Juan, pare de agir como uma criança birrenta que foge de casa e volta com o rabinho entre as pernas depois. Se decida, pelo amor dos deuses! Já acabaram?!
 
Os dois se entreolharam. Marcelo arrumou a postura e Juan suspirou. Estranhamente parece que eu estou olhando de igual pra igual. Marcelo e Juan possuem o mesmo olhar confiante e agressivo. São consideravelmente iguais em postura e no olhar sério e direto.
 
Eu: — Podemos voltar? Eu quero conhecer a cachoeira que Miguel tem falado desde que chegamos. Me deixem ficar em paz por pelo menos um dia, por favor.
 
Marcelo: — Está bem. Vamos entrar. Juan, está perdoado. Entre e sente-se. Coma um pouco e depois vá se aprontar para partirmos.
 
Juan: — Eu não preciso do seu perdão. — passou rápido entre nós e foi em direção ao refeitório. Logo ele entrou. Marcelo se aproximou de mim e examinou meu nariz. Finalmente parou de sangrar.
 
Marcelo: — Acontece muito? — neguei com a cabeça. — Qualquer sintoma, ou se isso acontecer de novo, você deve avisar diretamente a mim, ao Miguel ou à sua irmã, tudo bem? — assenti. Ele sorriu e voltamos pro refeitório.
 
Ao voltar, tive que suportar milhares de perguntas seguidas quando me viram segurando o pano ensanguentado contra o nariz. Acharam que Juan tinha me batido, e na hora Joaquim agarrou-lhe o colarinho da blusa e começou a ameaçá-lo, mas eu expliquei que não, e... tive que aturar as perguntas preocupadas do Miguel.
 
Nos preparamos e finalmente saímos, apesar do clima não parecer dos melhores. É estranho o tempo ter fechado logo na hora da discussão do Marcelo com o Juan. Eu sei e sinto que Marcelo tem um nível nuclear de energia armazenado no coração, mas... será que essa mudança climática repentina tem a ver com o Marcelo? Ou com o Juan? Ou eu tô muito paranoico?
 
Passamos pela mata e demorou um pouquinho pra completar a trilha guiada por Marcelo e Otávio. Mas chegamos, e... era incrível. O som alto da queda d'água inundava centenas de metros ao redor da cachoeira, e... nossa, a fauna e a flora era linda. Havia bastante insetos voando, e pássaros cantando, e flores diferentes. Tinha muitas pedras também, mas havia uma parte mais funda, onde a queda acontecia. Não era tããão alta assim, parecia mais um escorregador grandão, e mais pra cima havia uma queda d'água de verdade, de uns doze metros de altura, que jorrava bastante água. Me aproximei da beira com meu grupo e já senti a umidade no ar. A temperatura bateu forte contra a minha, e a água estava extremamente gelada, mas a maioria não se importou muito. Os alunos começaram a saltar sem parar na água, e alguns subiam as pedras para alcançar o topo do escorregador grandão de rochas lisas, e desciam rindo e se divertindo, mesmo com Marcelo gritando para que tomassem cuidado. Eu me sentei numa pedra e fiquei com apenas os pés na água, olhando os peixinhos nadando ao redor deles. Deixei que os outros aproveitassem mais. Eu estava melhor sentado e quietinho. Logo Guilherme sentou-se ao meu lado.
 
Guilherme: — Não está no clima? — suspirei.
 
Eu: — Não sei. — ele passou o braço ao meu redor, me abraçando.
 
Guilherme: — Qual é, se molha um pouquinho. Ser adolescente e se divertir não vai te matar.
 
Eu: — Olha quem está falando. Só tirou as botas. — apontei pra sua blusa.
 
Guilherme: — Você não resistiria ao meu charme sem camisa. — ri e o encarei.
 
Eu: — Tenta. — rapidamente ele tirou a camisa e a jogou contra meu rosto. A segurei e rimos. — Quero ir pra casa. Eu gostei daqui, mas tô me sentindo muito cansado.
 
Guilherme: — Eu também tô. Não estou conseguindo dormir direito, e nem conseguindo estocar energia. Me sinto frágil — disse baixo. passei os braços ao redor de seu dorso nu e o abracei. Ele deitou a cabeça sobre a minha e retribuiu o abraço. — Vem comigo. Tira essa roupa. — se levantou e começou a tirar a bermuda, ficando só de... só de sunga. Eu nunca tinha visto o Guilherme só de sunga. Aquele tom esmeralda com faixas pretas combinava com seus olhos. Na hora corei e ele riu.
 
Eu: — Ah... não. Me deixe aqui mesmo. — ele riu e veio pra cima de mim... segurou as laterais da minha blusa do acampamento e me forçou a tirá-la. Logo me puxou contra a água. — Gui! Vai molhar minha bermuda!
 
Guilherme: — Então tira. Eu sei que está de short por baixo. — deu de ombros. tirei calmamente a bermuda e pus em cima da pedra junto com as roupas dele. Fiquei com meus shorts branco. — Branco? — ele riu. — Que delícia.
 
Eu: — Cale a boca. — ri. ele segurou minhas mãos e me puxou calmamente para o lado mais fundo. — fica transparente, mas nem tanto.
 
Guilherme: — Se eu ficar duro, você vai ficar comigo na água. Tô falando sério.
 
Eu: — Você só pensa besteira.
 
Guilherme: — Ué, você também deu uma boa checada na minha sunga. — riu. Na hora corei um pouco. Ele tem razão. É uma ótima visão.
 
Eu: — Tá uma delicinha. — ele me levou por lado mais fundo, onde sentia apenas as pontas dos meus dedos tocando as pedrinhas no fundo. Tive que me manter concentrado pra não afundar. Segurei nos ombros dele e ficamos conversando.
 
Guilherme: — Tarde demais. Tô duro. — ri. Os alunos ao redor olharam pra cara dele e riram. O empurrei. — Qual é, não olha pra mim assim. Não consigo segurar quando me imagino te... — suspirou e desfez o sorriso por um momento. — te beijando... como fazíamos antes.
 
Eu: — É uma pena. Não vou voltar com você. — ele coçou a nuca e olhou ao redor. Veio contra mim e me abraçou na água, pondo o queixo no meu ombro direito. Senti o toque de seu pau rígido em minha cintura. Ele só suspirou e beijou meu pescoço com calma.
 
Guilherme: — Eu não sei mais o que fazer pra gente voltar. Eu quero muito, mas você não colabora.
 
Eu: — Você tem sido um grande idiota. — se afastou para olhar nos meus olhos.
 
Guilherme: — Então me ajude a mudar... da mesma forma que fez antes. — tocou suavemente meu rosto, acariciando minha bochecha esquerda e meus lábios. Olhei para sua boca vermelha e tão... tão atraente, mas resisti. Resisti o bastante para não cair em tentação. Eu gosto muito dele, muito mesmo. Acho que posso dizer que eu até o amo, mas... eu não posso voltar atrás assim. Eu não tô preparado pra lidar com mais um problema que possa surgir, ainda mais entre nós. — Eu gosto muito de você, Luka. Gosto pra caralho.
 
Eu: — Também gosto de você. Por isso que eu preciso me afastar um pouco. Preciso de um tempo só. Preciso pensar e você precisa crescer. — se aproximou outra vez e tentou me beijar  mas virei o rosto.
 
Guilherme: — Volte comigo e me ajude a crescer...
 
Eu: — Eu não posso mais te ajudar. Já fiz o possível, agora é com você. Vai me aceitar em minhas opiniões? — ele abriu a boca, mas não falou nada. — Vai me amar incondicionalmente? Vai estar disposto a correr riscos? Porque eu estou disposto. Mas não se trata apenas desses pontos.
 
Guilherme: — Conversaremos. Vamos decidir o melhor e... bom, eu só preciso que você não aceite a proposta da minha mãe. — dei uma risadinha soprosa e revirei os olhos. — Você tem que me entender, cara!
 
Eu: — Não dá pra entender esse lado, Guilherme. Você está sendo egoísta. Quem precisa entender é você. — afastei suas mãos do meu rosto. Ele tentou me beijar de novo, mas o empurrei e desviei algumas vezes. — Não, Gui, para...
 
Guilherme: — Eu sei que você quer me beijar... vem, eu também quero.
 
Eu: — Guilherme, para! — o empurrei, mas ele era insistente demais e estava mais forte que eu, mais disposto, então usar toda minha força contra ele não daria certo.
 
Thomas: — Ei, ele mandou você parar! — com um empurrão, Guilherme foi lançado quase dois metros pra longe de mim, fazendo com que ondas altas fossem formadas na água. Não tive tempo de processar, apenas me afastei e andei mais para o raso, me afastando deles.
 
Guilherme: — Ficou maluco?! Quer que eu quebre a sua cara?!
 
Thomas: — Pare de agir como um babaca. Ele falou que não quer, tá surdo?! — revirei os olhos e resolvi sair da água.
 
Guilherme: — Luka! Me desculpe! Luka! — o ignorei. Saí da água, mas ele não veio atrás. — Droga! Culpa sua, seu filho da... — iria avançar contra Thomas, mas rapidamente Igor surgiu do nada e o segurou. Diogo e Joaquim se aproximaram e o seguraram também. Thomas riu e parecia não estar nem um pouco assustado com a agressividade do Gui.
 
Eu: — Idiota. — peguei minhas roupas na pedra e fui me sentar perto de onde os tutores montavam as cabanas pros grupos acamparem próximo à cachoeira.
 
Carlim: — Está tudo bem? — indagou enquanto segurava as barras de ferro para montar as cabanas.
 
Eu: — O Guilherme é um idiota. — ela riu.
 
Fiquei sentado olhando os outros, e espantando insetos de perto de mim. É uma visão muito bonita, mas não estou mais afim de nadar. Me forcei a secar mais rápido e vesti minhas roupas de novo. Olhei ao redor e... tava procurando algo pra me distrair. Ao encontrar Juan sentado nas raízes de uma árvore, fui até lá e me sentei ao seu lado. Antes de ele abrir a boca pra falar algo, já falei antes.
 
Eu: — Não são só os humanos que são chatos e imbecis. Outras espécies compartilham os mesmos defeitos. — ele voltou a olhar para os outros e ficar calado. Suspirei e relaxei.
 
Juan: — Eu não deveria ter surtado daquela forma.
 
— Perdão... — falamos juntos. Sorri de canto e olhei pra baixo.
 
Eu: — Eu também me excedi um pouco contigo. Não devia ter descarregado minhas frustrações em você. Você não tem culpa de toda merda que está rolando na minha vida.
 
Juan: — Na sua também? — riu. — Estamos quites. Eu só queria fugir daqui, ir pra outro lugar, outra casa, mas... eu não tenho mais pra onde ir. — olhei pra ele. Seu olhar estava distante e... ele parecia cansado e um pouco melancólico.
 
Eu: — Onde você mora, Juan?
 
Juan: — Ah... por aí. Não se preocupe, eu sei me virar.
 
Eu: — Você não vai mesmo contar o que...
 
Juan: — Não é da minha conta saber sobre você, e nem você saber quem eu sou. É mais seguro dessa forma. Só... não toque no assunto. Tente esquecer que sabe disso, me deixe na minha e eu não vou me intrometer nos seus assuntos também. — assenti. Já que ele não quer, então não vamos discutir.
 
Não voltei mais para a água. Durante à tarde, todos se juntaram e cada tutor levou uma cestinha para cada grupo, para que comêssemos. Havia frutas, pedaços de tortas feitas tanto pelo Alex quanto pelo Gabriel... bolos, pães, e um monte de coisas. Depois de comermos, todos ficaram conversando esperando a autorização do Marcelo pra entrarem na água de novo. Fiquei sentado com Thomas conversando. Ele disse que também não queria muito ficar na água. Ficamos conversando e notei que ele tinha mudado muito. Estava mais divertido, com mais assuntos, e me fez rir de verdade algumas vezes. A presença dele parecia incomodar o Guilherme, então só por causa disso resolvi ficar o tempo todo falando só com o Tommy.
 
Thomas: — Eu ganhei músculos, olha. — ficou de pé na minha frente e enrijeceu os bíceps, me fazendo rir. — Tenho me exercitado mais. Gostou?
 
Eu: — Você sempre foi bonito, Tommy. Com tanquinho ou sem.
 
Thomas: — Uai, gostava de mim parrudinho?
 
Eu: — Dava pra te apertar e te morder. — ele riu e parou de tentar me mostrar seus músculos. — Não me importo com sua estrutura muscular. Mas é bom saber que está cuidando da sua saúde. — ele voltou a se sentar comigo e pegou minhas mãos, entrelaçando nossos dedos. Ele estava tão... gelado. Suas mãos pareciam estar congeladas, mas ele não tremia. Senti sua circulação sanguínea bem lenta, e estava na dúvida se ele estava com frio ou não. Por sua pressão arterial, poderia jurar que ele teria uma crise de hipotermia logo logo. Apertei seus dedos e me aproximei dele. O abracei e deixei que meu corpo o esquentasse. Ele gemeu baixinho e deitou no meu ombro.
 
Thomas: — Hum... quentinho... — ri. — Se eu pedir, você me dá um beijinho? — o soltei.
 
Eu: — Chega.
 
Thomas: — Só um beijinho! Um bem rápido, só encostar... — ri e neguei. — Tá, tá bom. Deixa pra lá. — cruzou os braços. Ao olhar em meus olhos, vi o quão atraente ele está. Seu olhar está mais forte, mais corado, mais... empoderado. Me encarou de uma forma que me fez arrepiar inteiro. Abriu um sorrisinho fofo e... logo um sorriso que eu não conhecia, mas gostei dos efeitos que me causou. Me senti corado assim que recebi aquele olhar.
 
Quando a noite caiu, Marcelo pediu que ninguém mais entrasse na água, porque era perigoso naquele horário da noite. Cada grupo se uniu em cantos diferentes, perto de suas barracas, e ficaram conversando. Kenny fez algumas fogueiras longe das árvores e a maioria se uniram pra fazerem outro lual, para conversar, comer, cantar e se divertir. Eu fui pra minha barraca, onde eu dividiria com Diogo e Joaquim. A divisão veio pelo Thomas. Ele disse que já que Diogo e Joaquim não vão muito com a cara dele, ele acha melhor ficar em outra cabana, e Diogo e Joca ficarem comigo... e levando em conta que Juan e eu estamos meio sem se falar, é bem melhor assim. Enquanto eles estavam lá, eu fiquei sozinho sentado. Logo escutei galhos quebrando do lado de fora, e algo tocou e balançou a barraca. Saí pra ver quem era, mas não era nem o Joca e nem o Diogo.
 
Miguel: — Se quiser vir comigo... os outros estão ocupados e não vão perceber nossa ausência. — sorriu. Rapidamente saí da cabana e ele estendeu as mãos para me ajudar a levantar. Não hesitei, segurei as mãos dele e deixei que ele me puxasse para dentre as árvores, evitando fazer barulho. Ri e o acompanhei na mesma velocidade, até que ele diminuiu o ritmo.
 
Eu: — Parece que estamos fazendo algo proibido. — rimos.
 
Miguel: — De certa forma estamos. Não pedi autorização pro Marcelo, e... ninguém sabe que estamos aqui. — pôs as mãos nos bolsos. o som da queda d'água estava ficando mais forte... logo chegamos na beira da cachoeira, mas ele não parou. Subimos um morro e andamos pra caramba. Mas não reclamei.
 
Eu: — Não acha perigoso estarmos nos afastando tanto deles? — estendi a mão, para que ele me ajudasse a subir na pedra enorme que ele acabou de escalar. Me segurou com firmeza e me puxou. Ao subir, segurou minha cintura e fiquei contra seu corpo, com meus punhos contra seu peito. ele me olhou com seus olhos brilhando, refletindo a luz azulada da lua, e vi os desenhos luminoso que a água refletia em seu rosto. Automaticamente meu olhar desceu para seus lábios tão... chamativos e... ah...
 
Miguel: — Relaxa. Está comigo, está com Deus. — ri e ele me soltou. — Estou cumprindo nosso encontro. Queria te levar no meu restaurante preferido, mas... acho que no meu local natural preferido já é o suficiente para... conversarmos.
 
Eu: — Conversarmos? Sobre o quê? — fiquei ao seu lado, e continuamos subindo.
 
Miguel: — Lá nós falaremos sobre. Falta pouco. — ele escalou mais uma pedra e esticou a mão para me ajudar. Subi e me agarrei a ele quando quase tombei pra trás. Rimos e mais uma vez ele passou o braço por minha cintura e me manteve bem próximo... próximo demais. Toquei seu peito e... sentir a respiração dele contra meu rosto fez com que algo despertasse em mim. Algo que eu conheço bem.
 
Ah, não, Luka... não faça isso. Deixe essa sensação passar, não... não se entregue assim... resista, da mesma forma que resistiu antes... se eu consegui resisti ao Guilherme, eu consigo resistir a qualquer um!
 
Miguel: — Sob a luz do luar, seus olhos são ainda mais hipnotizantes... — disse baixo.
 
Ah, não... a ele eu não consigo.
 
Deslizei minhas mãos por seus ombros e... as passei por trás de seu pescoço. Senti seu coração acelerando pra cacete, e o meu não estava tão diferente. Respiramos fundo e ele fechou os olhos, tentando se conter, mas não resistimos. Calmamente fechei meus olhos e deixei que rolasse. Eu escutava apenas o som da água batendo nas pedras... dos pássaros, dos grilos, das cigarras... e logo o som do coração dele tão acelerado também chegou aos meus ouvidos. Tentei recuar, abaixando a cabeça, mas uma forte atração me puxava contra ele. Suas mão calmas e quentes seguraram minha cintura, e senti seu nariz tocar minha testa, causando arrepios por todo meu corpo. Ergui a cabeça e permiti que... que rolasse, mesmo tentando evitar, afinal aquilo não deveria estar acontecendo.
 
Quando senti o toque daqueles lábios contra minha boca, um choque de energia movimentou todas as camadas áureas em mim, desde minha energia etérea e vital, até minha energia física. Me senti disposto na hora, como se ele tivesse recarregado tudo em mim. Fui dominado por um grande impulso emotivo. Abri a boca e aceitei o beijo, e dessa vez foi bem diferente da primeira vez que o beijei.  Agora tudo parecia tão mais... intenso. Seus lábios eram macios e molhados, da mesma forma que me lembro. Tinha um cheiro de shampoo de bebê, e sua boca tinha gosto doce. O puxei contra mim e o abracei enquanto trocávamos beijos calmos e hesitantes. Eu não quero me envolver muito...
 
Miguel: — Me... me desculpe... — se afastou um pouco. Ainda de olhos fechados, suspirei tão profundamente, que senti o cheiro de tudo o que estava ao nosso redor, principalmente o cheiro mais oculto dele. Involuntariamente sorri e o soltei.
 
Eu: — Uau.... uau, uau... — ri baixo e saí de seus braços, passando por ele e olhando a fraca correnteza da rasa cachoeira.
 
Miguel: — Que droga... foi mal, eu...
 
Eu: — Isso foi exponencialmente bom. — eu estava indignado olhando para a água. Como Miguel pode causar tantos efeitos no meu corpo assim? Como ele pode beijar tão... bem???
 
Miguel: — Foi? — escutei uma risadinha soprosa de nervosismo. Me virei pra ele e dei de ombros. Ele apontou pra cima do curso da água e ficou todo corado. Ele é um fofo. — É logo ali.
 
Ele continuou bem rápido e... quando chegou próximo de uma árvore imensa, parou e se escorou nela. A árvore estava bastante inclinada para a esquerda, e parecia querer cair a qualquer momento, mas quando encostei nela, percebi o quão bem fixa aquelas raízes estavam. Miguel apontou para além dela e... quando tive aquela visão, eu fiquei sem fôlego instantaneamente. Ali a cachoeira dividia-se em três caminhos... o que a gente veio, e mais dois à nossa frente. E ambos os dois caminhos eram formados por pequeninas quedas d'água e piscinas, poças naturais na diagonal que transbordavam água cristalina até nossos pés. Cada poça refletia a lua de uma forma tremida, e era tão... deslumbrante!
 
Eu: — Uau... Miguel, isso é lindo. — olhei pra ele e percebi que ele me encarava sem parar, com um breve sorriso bastante fofo. Olhei outra vez para a paisagem inacreditável e ri. Vi morcegos voando, vi insetos, e até mesmo algumas lebres bebendo água na beira das piscinas a alguns metros de nós. Fiquei boquiaberto. Me aproximei das piscinas naturais, cada uma chegando no máximo a um metro, de vários tamanhos abaixo dessa medida. Ao escutar meus passos, as lebres saíram correndo e desapareceram dentro uma parte com mato alto. Olhei pra trás e... Miguel parecia nem prestar atenção na paisagem. Seu olhar estava fixo em mim e em minha reação.
 
Miguel: — Pode entrar se quiser. É bem raso. — ele tirou as botas, colocou-as nas raízes da árvore enorme ali do lado e entrou na água, que não passava de seus tornozelos. Voltei correndo e fiz o mesmo. Tirei as botas e o acompanhei rapidamente.
 
Eu: — Pelos deuses! Isso aqui é muito lindo! — corri ao redor dele, jogando água pra tudo que é lado e o fazendo rir. Corri pro outro lado e fiquei em cima de uma pedra. Corri para uma das rotas e subi numa poça. Peguei a água cristalina com as mãos e as soltei. Olhei para a lua brilhando em seu auge e ri. Aquilo era extremamente bonito. Eu me senti renovado, com todo meu estoque de energia desperto. Era a visão que eu precisava pra conseguir sentir minha conexão com a natureza retornando pro meu corpo. Pisar descalço na terra e na água também é uma forma de me recarregar, e eu tinha me esquecido disso.
 
Miguel: — Eu sabia que iria gostar tanto quanto eu. É lindo. — olhei pra ele, com seu sorriso largo e tão belo, e voltei correndo. Segurei em suas mãos e o puxei comigo enquanto pisávamos em pedrinhas redondas. Ele riu e me acompanhou.
 
Rimos e ficamos olhando aquele fenômeno mais de perto. Sem notar direito, entrelacei meus dedos aos dele e me escorei em seu braço direito.
 
Miguel: — Luka, eu... — me virei pra ele. Não sei o que deu em mim, só quis demonstrar o que eu sentia naquele momento, mas... eu acho que fui direto demais e demonstrei de uma forma... errada. O puxei contra mim e o roubei um beijo, o forçando a se calar rapidamente. Dei passinhos pra trás, trazendo ele comigo, e caí sentado na água, com ele caindo ajoelhado por cima de mim. Rimos, mas não conseguimos nos separar. Havia algumas sensações ali, que eu não estava sendo capaz de processar direito, mas que gostei de sentir. Suas mãos tocaram meu rosto... acariciaram minha pele e meu cabelo, e me mantinham por perto. Me sentia quentinho, apesar da água gelada abaixo do meu corpo. Ele me esquentava, e parecia causar cócegas dentro de mim. Eu me sentia bem animado, e... queria muito ele ainda mais próximo a mim. Seus lábios deslizavam contra os meus, pressionavam os meus, e me mantinham ainda mais perto. Sua língua brincava com a minha, deslizava sob e sobre a minha, e me deliciava com seu sabor único e atraente. Seus dentes não me provocavam, se mantinham quietos e hesitantes. Mordi sua boca, mas ele não revidou. Estava sendo tão... gentil. Tão fofo... tão... perfeito. É o cara mais perfeito que eu já conheci, e eu sei que por trás disso ainda há muito mais. Talvez seja ele... o cara que fará  me sentir o ponto singular.


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ABOOH : Amores Sobre-Humanos Where stories live. Discover now