Saint Luna, 01 de novembro de 1991
Sexta-feira - 11:53 P.M.
Minha flecha já estava apontada na direção de Alex. Fechei os olhos e fiz o rápido encanto para transformá-la em corrente assim que tocasse o peito do rapaz. Seline tentava controlar o portal aberto perto do altar, mas parecia se esforçar e não ter resultados. Ainda tínhamos tempo, tínhamos chances e oportunidades de acabar com aquilo, dessa vez iríamos fundo até o fim.
— ALICE, NÃO ESTÁ FUNCIONANDO! — Seline gritou olhando para a garota, mas ela havia focado seu olhar na porta com a expressão aliviada.
Me virei para ver o que ela encarava e fiquei um pouco confusa ao ver Crystal parada na porta de entrada. Ela dava alguns passos até se aproximar de nós, mas Lúcifer não notou já que estava mais concentrado em liberar todos os demônios do inferno do que na gente. Ele não estava nem um pouco incomodado em termos vindo aqui para impedi-lo, o que me fez desconfiar mais do que o normal. Ele já esperava pela nossa chegada.
— Crystal? O que você está fazendo aqui? — Perguntei confusa enquanto ela se aproximava.
— Vim ajudar vocês. Descobri o porquê ele quis começar o apocalipse novamente aqui na igreja. — Disse colocando um livro que havia trago em cima de um dos bancos e apontou para Seline. — De certa forma Lúcifer continua sendo um anjo, então ele está em solo Sagrado. Já vocês fazem parte de outra cultura, então o poder dele vai ser mil vezes mais forte do que o de vocês aqui dentro. Exceto o de Seline, ela ainda tem parte do poder satânico.
Assim que terminou de falar, abriu uma bolsa presa no seu ombro e tirou diversas latas de spray vermelho. Ela correu novamente até a porta e começou a pintar um símbolo enorme de vermelho. Pintou o mesmo símbolo no chão e nas paredes, praticamente cobrindo o lugar com aquilo. Quando acabou, pegou da sua bolsa um enorme pacote e cortou a ponta, começando a deixar um pó branco cair no chão ao redor de toda a igreja. Notei que era sal, não fazia ideia do que ele estava fazendo, mas esperava que desse certo.
— Ora ora, temos companhia. — Lúcifer disse, só agora notando a presença de Crystal entre nós. Sua voz era a mesma de Alex, aquilo me deixava ainda mais insegura e com medo de acontecer algo com meu amigo.
— Jesse, agora! — Ouvi o sinal de Alice e atirei na direção de Alex.
Lúcifer segurou a flecha antes de atingi-lo, mas ela se desfez em uma grossa corrente e rodeou o corpo de Alex segurando-o por completo. A corrente foi uma arma dada por Lilith, então obviamente funcionaria mesmo em solo sagrado.
— Eu não sei o que está acontecendo! — Seline alertou enquanto mantinha uma chama escura nas suas mãos, seus cabelos flutuavam sobre o ar e ela segurava o portal com toda a energia que restava, enquanto equilibrava o poder de Hécate com o satânico.
— Deixe que saiam! Liberte os demônios! — Crystal deu um passo a frente olhando Seline, então sem questionar, Seline soltou o portal.
Algo que eu nunca havia visto antes era um buraco com uma forte fumaça saindo de dentro. Conseguia ouvir mais claramente o som de gritos, falação, súplicas agonizantes. Fiquei perplexa pelo pedido de Crystal, o que ela pensava que estava fazendo?
— Jesse, a separação! — Alice chamou a minha atenção, fazendo com que eu saísse do transe e respirasse fundo, me aproximando do corpo de Alex.
Fechei os olhos e me concentrei nos meus novos poderes. Busquei as memórias que tinha com Alex, procurei sua alma adormecida naquela casca dominada pelo mal. Lúcifer tentava impedir, sua aura maligna estava mais forte que o comum. Ele me olhava com sangue nos olhos, parecia que imaginava mil formas diferentes de me torturar.
Seu corpo estava em conflito com Lúcifer, de certa forma Alex tentava lutar mas o poder do ser demoníaco impedia isso. Tudo estava saindo do nosso controle, o plano havia ido por água abaixo e agora só nos restava o improviso e a sabedoria de Alice. Nem Hécate estava lá para nos ajudar como no treino, nem Lucy ou Anne com seu espírito elemental, nem Nantai com suas habilidades indígenas ou Josephine com seu enorme poder de aventura no inferno.
— Alex... — Comecei a falar, mas não sabia se daria certo. — Alexander, eu sei que você está me ouvindo.
— Seu amigo já está morto, Jessica. Não vai adiantar você falar ou me prender com uma coleirinha. Eu já me soltei uma vez, não vai ser tão difícil me soltar outra. — Falou, agora macabramente com sua voz real.
— Alex, eu sei que você pode me ouvir. Preste atenção, você precisa lutar contra isso, precisa voltar ao seu corpo!
— Vocês perderam, aceitem de uma vez por todas que não adianta o que fizerem, nada vai me impedir.
— Você é mais forte do que pensa, Alex. Lembre-se de quantas vezes você nos ajudou, você nos salvou. Lembre-se o quanto é importante para mim, para Seline. — Continuei olhando em seus olhos, mesmo sabendo que Lúcifer que comandava seu olhar.
— Que fofo, mas infelizmente você não está tendo bons resul... — Lúcifer foi interrompido por um momento e fechou os olhos como se estivesse sentindo dor, mas logo abriu normalmente um pouco confuso e com medo, mas não deixou transparecer.
— Lembre-se do dia em que eu te contei no hospital sobre o que realmente éramos. Lembre-se quando você entrou na frente de uma arma para me salvar e levou um tiro no meu lugar...
Ouvi uma explosão vindo da Igreja. O lugar estava infestado com aquelas sombras, Crystal falava algumas palavras em latim como uma espécie de exorcismo, o que deixava os demônios ainda mais agitados. O portal aberto libertava cada vez mais demônios em forma de fumaça, demônios que poderiam assumir outros corpos, demônios que poderiam assumir sua própria fisionomia. Alice olhava para Lúcifer de longe, ela apenas pensava em forma plena como se não estivesse havendo um conflito ao seu redor.
Tentei mais uma vez separar o corpo de Lúcifer e Alex. Meu poder estava em êxtase, ansioso para ser usado com mais frequência. Meus olhos mudaram de direção, minha visão se tornou mais ampla para o mundo sobrenatural. Sobre Alex, vi enormes chifres cobertos de sangue, uma fisionomia que lembrava um bode, garras afiadas nas mãos e cascos enormes. Aquela era a verdadeira forma de Satã quando foi expulso do céu, quando se tornou mais um demônio qualquer. Por mais que meus poderes estivessem fracos aqui dentro, eu conseguia ver. Conseguia ver que no fundo Alexander Butler ainda estava vivo.
— Alex, lembre-se que você é meu melhor amigo e que também é forte o suficiente para se libertar!
Enquanto eu falava, notei Lúcifer ficar cada vez com mais ódio. A força que eu queria que Alex tivesse, Lúcifer usou arrancando as correntes. Dei alguns passos para trás assustada ao ver que agora, Alex estava jogado no canto da Igreja inconsciente e o que tinha se levantado era o verdadeiro Lúcifer. A separação funcionou, mas isso fez com que Lúcifer voltasse ao seu verdadeiro corpo maligno e horripilante.
Olhei para as garotas em um silencioso pedido de socorro. Seline havia fechado os olhos e com as próprias mãos, criou um novo portal apenas de entrada para o inferno. Crystal, após o exorcismo, fez com que os demônios fossem enviados novamente de volta ao inferno, lugar de onde nunca deveriam ter saído. Assim que Seline fechou a passagem, olhou para Crystal e ordenou:
— Tira ele daqui e vão para o mais longe possível!
Como pedido, Crystal se aproximou de Alex e o segurou pelo ombro. Ela correu até a porta e abriu com pressa, deixando a tríade e Lúcifer finalmente sozinhos, cara a cara. Peguei outra flecha e a posicionei no arco, mas dessa vez seria diferente. Lúcifer não possuía mais demônios ou portais para o inferno, ele estava sozinho. Seline estava cansada pelo esforço que havia feito, mas tentou não demonstrar enquanto se aproximava de mim.
— Três bruxas, três amigas, três mortes diferentes. Com quem vamos começar? — Lúcifer questionou com sua voz grossa e tenebrosa, erguendo o dedo e apontando para cada uma de nós, apontando por fim para mim.
— Irmãzinha... quanto tempo! — Ouvi a voz logo atrás de mim, o que me fez travar.
Nos treinos de Hécate havia sido diferente, havia sido menos real. Agora, literalmente, eu ouvi Luke atrás de mim, tão próximo que eu conseguia sentir sua respiração no meu cabelo. Calma, Jesse. Isso é apenas uma ilusão, não deixe Lúcifer te vencer por causa disso. Luke está morto, você o matou.
— Alice, Seline, vamos começar o feitiço. — Pedi com a voz mais firme do que nunca para as duas e ambas concordaram.
— O que foi? Não vai falar comigo? Acha que eu estou... morto? — Luke perguntou passando as mãos no meu ombro, o que por impulso me fez virar de costas.
Quando virei, não vi nada e nem ninguém. Meu coração estava disparado, parecia que iria sair pela boca a qualquer momento. Eu estava com medo, eu odiava ter medo. Medo de Lúcifer? De Luke? Não, eu apenas estava com medo de um fim indeterminado, uma incógnita, um futuro que só dependia de nós.
— Jessica! — Alice chamou a minha atenção. Lúcifer estava no nosso meio, estávamos cercando-o em um círculo.
— Eu avisei, mas vocês não me ouviram! — Lúcifer falou fazendo a igreja pegar fogo por inteiro.
Esse não era o fogo natural elemental. Eu já o conhecia, já havia presenciado ele antes. Era o fogo do inferno, o fogo no qual Josephine lutou para nos salvar. Senti meu corpo quente e minhas mãos paralisaram, deixando o arco cair no chão. Seline tentou correr na minha direção, mas um enorme tronco impediu sua passagem. Outro tronco de árvore começou a crescer do chão atrás de mim e contra minha vontade, minhas mãos se prenderam nas costas atrás do tronco. Era como as figuras das antigas bruxas, como foram queimadas, mas desta vez estaríamos sendo queimadas com o fogo do inferno.
O teto da Igreja caiu na frente de Alice. Ela estendeu as mãos e tentou prender Lúcifer com a corrente no chão novamente, mas ele se virou para ela e fez algo com que a deixasse sem controle. Alice não conseguia focar em um ponto, não conseguia sair do lugar.
Ela não conseguia enxergar.
— ALICE!
Tentei gritar para alertá-la, mas o fogo começou a criar um círculo ao redor dela, fechando-se cada vez mais, mas ela não podia ver. Olhei ao redor da Igreja e tentei procurar Seline. Eu estava nervosa, tensa, imaginei mil possibilidades de sair viva de lá, mas não encontrei nenhuma boa ideia o suficiente. Seline não estava por lá, eu não conseguia vê-la em lugar nenhum. Tossi algumas vezes por conta da fumaça que já ocupava a maior parte da Igreja, tentei mexer meu braço, meu corpo, mas não conseguia. Eu estava paralisada.
"Ainda não é o fim, garota!"
Ouvi novamente a voz de Hécate como um tipo de ajuda, mas não havia nada o que pudesse fazer a não ser esperar alguém nos salvar de novo. Olhei para o céu vendo a forma que a lua brilhava, mesmo sendo ofuscada pela fumaça. Aquilo já era o suficiente para recuperar as energias, então fechei os olhos e deixei com que tudo ocorresse naturalmente.
Por um momento senti minha alma sair do corpo. Conseguia me mexer, mexer meu braço, minhas pernas. Olhei para trás e me vi desacordada ainda presa enquanto as chamas se aproximavam.
— Demorou dessa vez. — Seline falou pouco atrás de mim e sorriu. Vi seu corpo jogado também no altar, um pouco no canto longe do fogo. Ela também estava em forma astral assim como eu, com um poder absoluto e no ápice.
— O que está acontecendo? Precisamos tirar Alice daqui! — Falei nervosa, mas ela ainda parecia plena.
— Daqui aonde? Aquela não é a Alice e não estamos mais na igreja.
Estranhei seu comentário e a vi fechar os olhos. Seu corpo estava vibrante, sua mente aberta e seu poder totalmente controlado. O fogo ao redor criou vida e correu apenas na direção da garota, mas ela já sabia daquilo. Seu corpo absorveu todo aquele poder, todo aquele fogo do inferno, ela usou as habilidades que Stephen ensinou a nosso favor.
Quando me dei conta, meu corpo voltou ao normal. Respirei fundo ao sentir o oxigênio voltar ao meu pulmão e olhei ao redor um pouco confusa. Agora estávamos no meio da floresta onde geralmente ocorriam os rituais, mas como havíamos parado lá?
— Gostaram do truque? — Alice questionou perversamente enquanto saía de trás de uma das árvores e se aproximava de Lúcifer.
Ele estava no chão, ajoelhado, assim como estava na praia. Notei que Alice havia criado uma realidade alternativa, uma ilusão dupla no qual um lado era a realidade e do outro era onde Lúcifer tinha a possibilidade de vencer.
— Jesse... faça as honras. — Alice pediu apontando para as correntes, então me aproximei delas e passei ao redor do corpo de Lúcifer.
— Onde está Adam? O que aconteceu com a igreja? — Questiono alternando o olhar entre Seline e Alice.
— Eu tirei ele de lá. Quanto a igreja, ela está destruída por dentro mas não há mais fogo. — Seline explicou na outra ponta ao lado de Lúcifer.
— Preparadas? — Perguntou Alice se referindo ao feitiço e eu concordei.
Estávamos ao redor de Lúcifer, finalmente preso e erguido a nós. Por um momento ele notou que havia caído em uma cilada, mas já era tarde demais. Usamos seu próprio plano a nosso favor, impedimos que uma legião de demônios viesse para a terra e que o fim do mundo acontecesse.
Agora Lúcifer não passava de um demônio ambicioso, um demônio qualquer que impedimos de trazer o apocalipse. Como estava na profecia, ele seria derrotado pela tríade mais forte de Hécate. São poderes completamente diferentes, são mundos opostos em magia e força, mas no final todos prezavam pelo mesmo. Em anos de guerra e conflito entre as bruxas, agora teria paz. Uma paz sincera e sem ameaças, apenas uma comunidade. Éramos todas bruxas e nenhuma bruxa merecia ser levada para a fogueira.
Juntas, fechamos os olhos e abrimos a passagem ao inferno com o feitiço especial que preparamos. O corpo do ser se desfez em sombras e simplesmente se foi, mas no fim ouvi um grito de derrota e um sussurro falando "isso ainda não acabou", me fazendo arrepiar por completo.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gastou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz