Saint Luna, 11 de abril de 1991
Quinta-feira - 10:15 A.M.
— Como assim você foi ao labirinto da realidade?
Jesse e eu nos olhamos confusas e surpresas, enquanto Seline contava animadamente sobre seu passeio astral.
— Foi muito apavorante, mas depois eu consegui sair. A coisa que se parecia comigo me disse que eu precisava libertar ela, mas eu não entendi bem isso.
Estavamos encostadas no corredor da escola. Parte dela havia sido fechada para as investigações do assassinato de Tyler, mas mesmo assim eles não quiseram adiar mais um período de aula. Natalie não fez nada, nem ao menos nos deixou de castigo, por sorte.
— Então, agora você acha que pela sua viagem ao labirinto, seus poderes se fortificaram? — Perguntou Jesse.
— Isso mesmo. E segundos antes de acordar, ouvi uma voz familiar dizendo "agora só faltam duas". Era a voz da deusa! — Afirmou contagiante.
— Fale baixo! — Pedi, ao ver que algumas pessoas passavam olhando para nós.
— Você acha que "essas duas" podem ser Alice e eu? — Jesse questionou e Seline confirmou com a cabeça.
— Óbvio! Vocês também precisam ir ao labirinto. Talvez assim consigam fortalecer seus poderes também!
Antes de Jesse ou eu respondermos, Natalie passou por nós fixando seu olhar desconfiado. Ficamos quietas e esperamos ela ir para longe para que não pudesse ouvir uma letra da nossa conversa.
Amanhã será sexta-feira, isso significa que vai ser o momento de pegá-la no pulo. Vai ser a coisa mais errada que mais vou gostar de fazer.
— Enfim, por qual motivo a deusa iria querer nos fortalecer? — Perguntei levemente desconfiada, pensando se poderia ou não confiar naquilo.
— Eu tenho certeza de que ela sabe de algo muito ruim que vai acontece e que vamos precisar impedir. — Jesse falou com absoluta certeza, enquanto olhava para o chão. — Ela quer nos preparar para uma guerra, meninas.
Seline e eu ficamos em silêncio. A teoria de Jesse fazia sentido, e por sermos bruxas tríades, enfrentaríamos algo que seria além dos nossos poderes atuais.
— Na cabana, hoje, às três horas em ponto. Não se atrasem. — Seline avisou após o sinal tocar.
Voltamos cada um para a sua sala de aula, apenas esperando a hora da saída. As aulas estavam interessantes, e a volta de Adam não implicava em nada, por sorte.
Quando deu meio dia, o sinal para ir embora tocou. Peguei minhas coisas e saí da escola o mais rápido possível. Ao descer os poucos degraus da entrada principal, vi um carro conhecido parado na frente.
— Jasper! — Corri animada até ele, e entrei no carro. Ele sorriu ao meu lado e logo começou a dirigir.
— Resolvi fazer uma surpresa, e te fazer uma proposta. — Falou sem tirar os olhos da estrada.
— O que? — Perguntei curiosa e animada ao mesmo tempo.
— Conhecer os meus pais. Digamos que eu tenha falado de você para eles, agora eles querem fazer um jantar só para conhecer você.
Quando fiquei sem reação quando ele disse sobre conhecer os pais dele. Eu tinha até esquecido que ele tinha pais. Na verdade, Jasper é de uma família milionária, talvez até bilionária, assim como a adotiva de Seline. Seria um grande desafio.
— Eu não sei se estou preparada. — Admiti com receio e encostei minha cabeça no banco do carro.
— Tudo bem se você não quiser. Mês que vem eu vou para Oxford, então serão poucos os dias que virei para Saint Luna. Duas vezes por mês, quem sabe. — Falou na tentativa de me convencer, e eu o encarei.
— Você venceu. Aceito conhecer seus pais, e eu vou sentir sua falta. — Falei fazendo biquinho.
— Ótimo. Que tal esse sábado à noite? — Sugeriu e eu dei de ombros.
— Por mim tudo bem.
Ao chegarmos na entrada da minha casa, nos despedimos e eu desci do carro. Entrei em casa e subi direto para o quarto da minha mãe, mas ela não estava lá.
— Mãe? — Chamei, e ouvi sua resposta vindo do meu quarto.
— Estou aqui, Alice. — Falou saindo na porta. — Seu quarto estava uma zona, então acabei dando uma arrumada nele.
— Meu quarto não estava bagunçado. — Falei me aproximando e ela cruzou os braços, com a expressão "é mesmo?". — Só um pouco.
— Me ajude a levar esses entulhos para baixo. Ao invés de guardar seus livros debaixo da cama empoeirados, vou comprar uma estante para você. Aliás, o que acha de uma pintura nova?
Minha mãe falava sem parar, pensando em cada detalhe para reorganizar meu quarto. Era algo bom de se ver, ela estava feliz e sua saúde bem melhor que antes.
— O que deu na senhora?
— Só acordei com mais disposição. Aliás, sua tia Ellie saiu há um tempo, mas já deve estar chegando. — Falou sorridente. — Acho que ela está apaixonada.
— O que? — Perguntei quase deixando minha mochila cair no chão. — Mas ela não é viúva?
— E qual é o problema nisso? Ela ainda é jovem, não precisa perder tempo cuidando de uma velha doente. Deixe-a viver um pouco, se ela está feliz, eu também estou.
— Eu também. — Falei orgulhosa e entrei no meu quarto.
Ele estava brilhando em cada canto. Joguei minha mochila na cama e tirei os sapatos, colocando-os em um canto qualquer.
— PODE GUARDANDO SUAS COISAS!
O grito da minha mãe deu para ser ouvido por Saint Luna inteiro. Me assustei e guardei as coisas na mesma hora, bom de se aproveitar o bom humor dela. Depois que a ajudei a levar os lixos para baixo, a tia Ellie finalmente chegou.
— Bom dia, criança. Como você está? Comeu lanchinho na escola hoje? — Perguntou animada e cantarolando, sem tirar o sorriso do rosto.
— Mas está de tarde. — Falei, e ela me ignorou. — Vou viajar para o labirinto da realidade.
Ellie desfez o sorriso e se aproximou aos poucos para que minha mãe não visse. Ela parou na minha frente e me encarou como se eu estivesse louca.
— O que? Quando? Você tem ideia de que pode nunca mais voltar daquele lugar?
— Você uma vez sugeriu, lembra? — Perguntei. — Seline viajou sozinha, e disse que ouviu a voz da deusa falando que só faltam duas. Jesse e eu.
— Você sabe que a Seline não bate bem da cabeça! — Falou querendo gritar, mas se controlou respirando fundo. — Eu vou acompanhar seu corpo quando você for. Não quero que nada de ruim aconteça.
— Vamos daqui a pouco, na cabana tríade. — Respondi e os olhos dela brilharam. — Mas não quero deixar minha mãe sozinha.
— Ela pode ficar com aquela sua gata que você nem cuida. Falar nisso, eu não a vejo há uns dias.
— Será que ela morreu? — Perguntei assustada, mas tia Ellie deu de ombros.
— Se morreu é culpa sua. — Falou se afastando. — Enfim, até daqui a pouco.
Depois que tomei banho e me arrumei, demos uma desculpa esfarrapada para minha mãe e saímos de casa, em direção à floresta Sweet.
— Jasper quer que eu conheça os pais dele, mas não sei se eles vão gostar de mim. — Falei enquanto caminhávamos.
— Primeiramente, quem tem que gostar de você é ele. Os pais dele vão ter que aceitar, mas não seja tão negativa. Eles podem gostar de você mesmo não sendo do mesmo nível que ele.
— Obrigada pela sinceridade. — Agradeci, e ela ficou quieta. — Minha mãe falou que você está namorando, é verdade?
— Namorando? — Questionou surpresa. — Não. Ainda não.
— Ainda? — Rio com seu comentário.
— Só conhecendo. Seu tio morreu não tem muito tempo, mas só para constar, eu não o matei.
— Aham.
— A pessoa que eu estou "conhecendo" é bem interessante. Ele não é de Saint Luna, mas quem sabe um dia eu não leve você e sua mãe para conhecê-lo.
— Por mim tudo bem. É legal ver que você está tendo a oportunidade de conhecer outras pessoas, sem envolver esse... mundo sobrenatural. — Disse e ela concordou com a cabeça. — Você tem quantos anos mesmo?
— Trinta e três. — Assumiu quando entramos na floresta. — Mas finge que eu tenho dezenove.
— Okay.
Andamos mais um pouco até chegarmos na cabana. Eu sabia que Ellie já tinha estado ali na sua época, mas não sabia que ela sentiria tanta falta. Ao nos aproximarmos, abri a porta e deixei ela entrar primeiro.
— O que sua tia faz aqui?
Seline perguntou curiosa, e vi que não éramos as únicas que estávamos ali. Nantai, a neta de Aylen, também estava.
— Ela pediu para me acompanhar. Não tem problema nenhum nisso. — Falei e ela deu de ombros.
— Vamos começar. Vai ser um pouco mais difícil do que quando foi com Seline, porque ela automaticamente foi parar no labirinto. — Disse Nantai acendendo algumas velas. — Tentem voltar o mais rápido possível.
— Não pode ser tão ruim quanto o meu. — Seline falou dando de ombros.
— Quando Jesse e eu formos, vamos continuar juntas ou vamos nos separar? — Perguntei para Nantai.
— Depende só de vocês.
Olhei para Ellie e, apenas com seu olhar, ela me encorajou a seguir em frente. Jesse e eu nos deitamos no chão, dentro de um círculo de velas que Nantai havia acendido.
Confesso que estava bastante nervosa, tinha medo de algo dar errado. Eu precisava ser corajosa, precisava seguir os desafios.
Nantai começou a falar algumas palavras, que deixaram Jesse e eu sonolentas. Como uma anestesia, eu caí no sono sem ao menos perceber.
Assim que acordei, levantei meu corpo e tentei enxergar. Eu estava em uma cama como se estivesse em uma casa normal, mas estava tudo bem escuro. Não havia janelas, apenas uma única porta para fora daquele cômodo.
— Ainda bem que você está aqui!
Suspirei aliviada quando Jesse acordou ao meu lado. Ela estranhou o lugar como eu, mas logo levantou da cama também.
— Estamos em uma casa? — Questionou olhando ao redor.
— Tudo indica que sim. — Falei me aproximando da porta. — Vamos sair daqui.
Jesse veio logo atrás de mim, e quando abri a porta, vi um extenso corredor escuro. Tentei fazer com que uma chama de fogo aparecesse na minha mão para iluminar o lugar, mas os poderes não funcionavam.
— Vamos seguir o que conseguirmos. Qualquer coisa a gente corre.
Andei pelo corredor, encostando as mãos nas paredes para não tropeçar ou cair em algo. O corredor era muito grande, mas teve uma hora que eu não senti mais a parede ao nosso lado.
— Acho que tem um caminho. — Falei tentando enxergar.
— Na verdade tem dois. Dois corredores opostos, só precisamos decidir em qual seguir. — Ela falou esperançosa.
— Não vamos nos separar. — Pedi, e quando estendi a mão na sua direção, senti outra parede. — Jesse?
— Alice? — Gritou do outro lado. — O que aconteceu? Onde você está?
— Não é possível. — Sussurrei em pânico, tocando a parede que nos impedia de ficarmos juntas.
— Tudo bem, não surte. Vamos fazer o seguinte, você segue para esse lado e eu para o daqui. Vamos tentar nos reencontrar, mas toma cuidado.
Era apavorante a ideia de que eu não pudesse voltar dali. Aquela mansão escura e enorme me deixava mais apreensiva. Pelo menos Seline conseguia enxergar na floresta macabra dela.
Okay, vamos lá.
Andei na direção em que fui posta. Respirei aliviada quando um candelabro com uma vela acesa.
Tudo parecia cenário de filmes medievais, como castelos com velas e monstros adormecidos. Aquele não era o melhor momento para se pensar aquilo.
Iluminei o caminho à minha frente e comecei o seguindo. Cheguei em uma porta de madeira, aparentemente comum. Nela, tinha um quadro escrito "você mudaria o que mais te corrompeu?"
Aquilo era um enigma, algo que eu conseguia desvendar muito bem.
Abri a porta aos poucos e me assustei com o lugar. Prendi a respiração quando vi que era a antiga sala de experimentos do meu pai, onde ele me usava de cobaia. Tudo estava exatamente no mesmo lugar como antes, cada detalhe.
Entrei aos poucos, me segurando para não virar e sair correndo. Eu precisava passar por aquilo, não só por mim. Tia Ellie confiava em mim, não iria desapontá-la.
— Alice? Que bom que chegou, preciso da sua ajuda.
Um homem com o uniforme sujo de algumas substâncias, surgiu de trás de uma das máquinas. Meus olhos vidraram nele, sem poder acreditar que era real. Meu pai estava ali, bem na minha frente, e não parecia uma alucinação.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz