Saint Luna, 18 de março de 1991
Segunda-feira - 03:19 P.M.
Já havia se passado um pouco mais das três da tarde. Jesse e eu caminhávamos juntas até a loja mística onde Alice trabalhava ou fazia caridade a idosos (o que parecia).
— Você acha que realmente é necessário investigar sobre aqueles delinquentes que quase estouraram a cara do Dylan? — Questionei enquanto andávamos em leves passos.
— O que mais você acha? Primeiro que eles são bem agressivos, segundo que estavam presentes no dia do assassinato da Audrey e na festa da Sharon, quando Nora morreu. — Respondeu.
Jesse colocou as mãos no bolso do seu casaco e suspirou. Era muita coisa acontecendo em tão pouco tempo, quase não sabíamos se daríamos conta de tudo isso.
— Faz sentido. — Concordo. — Mas por quais motivos eles fariam isso?
— Pelo mesmo motivo que bateram em Dylan. Porque ele sabia de algo sobre eles e eles queriam que Dylan fizesse algo que não sabemos. Tanto que no dia que invadimos a escola, o recado na parede era bem claro: Audrey sabia demais.
— Poderíamos perguntar a Dylan. Talvez ele nos contasse, sinceramente, não acho que ele seja uma má pessoa. — Sugeri e Jesse apenas deu de ombros.
— Dylan Hendrix parece ser um cara difícil. Ele sofreu bastante o suficiente pra não confiar em ninguém, e eu entenderia.
Atravessamos a rua até o outro lado, onde ficava a loja. Abri a porta de entrada e deixei Jesse entrar na frente, logo depois entrei também.
Quase não haviam pessoas ali, obviamente porque quase ninguém se interessava por artefatos místicos vendidos em lugares pequenos e empoeirados. Mas, cada símbolo, cada objeto significava algo profundo. Algo que aprenderíamos a controlar aos poucos.
— Oi, meninas. — Alice nos cumprimentou saindo de trás da bancada. — Achei que não viessem mais.
— E por que não viríamos? — Perguntei parando na sua frente.
— Sei lá. — Deu de ombros e olhou para Jesse, levemente preocupada. — Você não parece muito bem.
— Estou bem sim. Só um pouco atordoada por tudo o que aconteceu hoje cedo. — Jesse forçou um sorriso e encostou na bancada, se apoiando com o cotovelo. — Mas enfim, qual seu mirabolante plano?
— Pensei que poderíamos criar uma armadilha para atrair o assassino.
— Uma armadilha do tipo de colocar o queijo na ratoeira? — Questionei mexendo em algumas plantas que enfeitavam o local, eram ervas dos tipos que tinham na casa da Jesse.
— Exatamente! — Afirmou empolgada. — Primeiro o lugar, depois a isca.
— É bem óbvio que a isca precisa ser o próprio Dylan. Precisamos nos aproximar dele e atrair o assassino a partir disso, já que a nossa teoria é que seja de um daqueles garotos. — Jesse falou esperançosa.
— Poderia ser algum evento na escola, mas para isso precisaríamos da confiança dele. — Alice continuou com a linha de raciocínio.
— Eu posso tentar. — Jesse argumentou.
— E eu convencer minha mãe com esse tal evento. — Ofereci olhando um objeto estranho preso em uma caixa de vidro, uma faca pequena parecida com uma foice. — O que é isso?
Alice tirou a faca da caixa e nos mostrou com os olhos brilhantes. Ela já estava bem esperta quanto a símbolos e objetos de várias mitologias.
— É uma bolline. Geralmente é utilizada para cortes de substâncias utilizadas em feitiços ou encantamentos.
— Uau. — Comentei. — Aylen sabe que...
— Sim, ela sabe. Acho que também faz parte de algo assim ligado à bruxaria, mas tenho quase certeza de que é por linhagem familiar.
— E nós fomos mérito da deusa. Será que fazemos parte de um coven? — Perguntei.
— Olha, isso eu não faço a menor ideia. — Alice respondeu e guardou a faca de volta.
Jesse se desencostou da bancada e respirou fundo, como se tivesse a necessidade de nos dizer algo.
— Meninas, preciso levar vocês a um lugar. — Anunciou.
Alice e eu nos olhamos preocupadas. Esperava que não fosse nada muito grave, mas minha intuição dizia que tinha a ver com a nossa tríade.
Aylen saiu dos fundos segurando uma caixa de papelão de tamanho mediano e Alice correu para ajudá-la.
— Oi meninas! — A idosa nos cumprimentou e Jesse e eu retribuímos.
— Aylen, preciso ir em um lugar por alguns minutos. Consegue dar conta sozinha? — Alice pediu e Aylen soltou uma leve risada.
— Claro que pode. Sempre fiquei aqui sozinha a minha vida toda. — Afirmou orgulhosa de si mesma. — Qualquer coisa que precisarem levar da loja, fiquem à vontade.
— Vai ser rápido, eu prometo. — Alice tirou seu avental e colocou por cima do balcão. — Vamos logo.
Jesse foi a primeira a sair da loja, logo depois Alice e eu por último. Alice parecia estar se sentindo culpada por deixar Aylen sozinha, mas imaginei que ela pudesse entender. Aliás, também é uma bruxa. Não sei se é o termo correto a ser usado.
— Aonde quer nos levar? — Alice questionou Jesse nervosamente.
— Vocês vão ver quando chegarmos. Confiem em mim.
Jesse andava em passos rápidos, mais especificamente no caminho da sua casa. Quando chegamos lá, Alice cruzou os braços e olhou indignada para Jesse.
— Você me fez deixar Aylen sozinha só para vir na sua casa? Esse era o lugar que você queria mostrar?
— Não. Preciso pegar o grimório primeiro. — Jesse respondeu diretamente e entrou na sua casa.
Alice e eu ficamos menos de cinco minutos esperando até Jesse voltar com o grimório nas mãos. Ela começou a andar mais adentro da floresta, passando apenas por um extenso matagal.
— Tomem cuidado, os galhos aqui são afiados. — Avisou tirando algumas plantas do caminho.
— Sem problemas. Já lidei bastante com galhos afiados. — Ironizei passando por cada um deles.
Depois de uma não tão demorada caminhada, chegamos a uma parte onde haviam muitas folhas e arbustos empilhados.
Jesse se aproximou das folhas e as empurrou para o lado, revelando um muro com uma abertura grande no centro. Era um tipo de passagem, bem apertado com muitos galhos encobrindo, porém, com bastante esforço, dava para passar.
— O que é isso? — Alice perguntou curiosa, se aproximando.
— Uma passagem secreta que eu achei. Quando vim aqui, consegui ver que do outro lado tinha uma cabana e um lago enorme, achei que pudesse ser um bom lugar para praticarmos a magia abertamente. — Falou e voltou para olhar a entrada. — Vamos ver o que tem lá.
Ela foi a primeira a entrar, sem muitas dificuldades, até passar ao outro lado. Logo depois, Alice passou para o outro lado com a ajuda de Jesse e em seguida, eu.
Tirei as folhas grudadas na minha roupa e tropecei em uma pedra grande que estava na minha frente, mas não caí. Olhei ao redor e suspirei, como se não pudesse acreditar. Aquele lugar era literalmente o paraíso, até o ambiente era diferente do de costume. O clima parecia mais quente e as plantas mais vivas, e haviam pássaros voando em grupos no céu.
— Nossa. — Alice comentou impressionada. — Será que alguém vive nessa cabana?
— Não sei. Quer descobrir? — Jesse perguntou de forma traiçoeira e começou a andar na direção da cabana.
Ela começou a andar até a cabana, fazendo Alice e eu a seguir. Quando chegamos perto, Jesse se aproximou da porta e bateu várias vezes. Ninguém atendeu ou abriu a porta, então Jesse resolveu entrar.
Olhamos ao redor e vimos que estava tudo vazio, porém bastante limpo. Se realmente fosse um lugar abandonado, haveriam partes quebradas e sujas, animais já teriam entrado ou os cupins já teriam comido a madeira.
— Acho melhor irmos embora... — Sugeri apreensiva, caso alguém aparecesse aqui.
— Vamos dar mais uma olhada. — Alice insistiu e começou a andar mais pelo lugar. — Meninas, eu achei uma coisa.
Jesse e eu nos aproximamos de onde ela estava, num canto onde havia uma janela. Havia um pequeno armário com uma só gaveta, e como a curiosa que não pensa que aquilo pudesse ser uma armadilha para nós, Jesse abriu.
— O que tem aí dentro? — Perguntei desconfiada, mas um pouco distante.
— Um bilhete. — Falou tirando o pedaço de folha de caderno, com letras normais. — Aqui diz:
Querida próxima tríplice,
Como presente a cada iniciação da escolha tríade, o Coven das bruxas wiccas dedica o lar sagrado para práticas de magia e meditação. Usufruam do paraíso e decorem da forma que preferirem.
Com amor: Sua adorável Lucy
Jesse olhou confusa e revirou os olhos quando percebeu que se tratava de ninguém menos que Lucy, sua ancestral.
— Porque exatamente Lucy está presente nessas coisas? Sei que é bobagem implicar com ela, mas ela é tão... — Antes de completar, Alice a interrompeu.
— Lucy nos ajudou várias vezes. Além disso, ela já fez parte de uma tríade, escreveu o grimório que usamos e até então é a mais antiga. Sem contar que é imortal e possui um ótimo conhecimento na bruxaria.
— Talvez ela seja um tipo de líder desse "coven". — Falei fazendo aspas com as mãos, e Alice concordou com a cabeça. — Será que são apenas bruxas ou bruxos também contam?
— Vamos descobrir em três dias. — Jesse afirmou. — Agora temos mais uma coisa. Acho que o grimório revelou mais uma página.
— Então vamos abrir. — Pedi ansiosa, aliás, cada capítulo era uma nova aventura que iria nos ferrar.
Jesse colocou o grimório em cima e o abriu, pulando algumas páginas. Quando abriu na nova página, as palavras começaram a surgir uma após a outra, revelando uma curta citação.
— A divergência é necessária quando o mal retorna. A chave que liga os dois mundos foi a nossa primeira. Rainha das bruxas. Rainha do inferno. — Quando ela terminou de ler, deixou o grimório aberto e se virou para nós. — Me digam que eu não fui a única que não entendi.
Alice põe a mão no queixo e se aproxima do grimório, pensativa, lendo e relendo cada palavra.
— Acho que a divergência se refere ao uso da magia natural e da magia negra. — Começou sua interpretação. — Quando o mal retorna.
— O mal, Stephen? — Jesse perguntou.
— Creio que Stephen não teria idade o suficiente para quando Lucy escreveu o grimório. — Afirmei. — Talvez esteja se referindo daquele cara.
— O di... — Jesse começa a falar, mas eu a interrompo.
— Por favor, não fale o nome dele.
— A chave que liga os dois mundos. Pode ser uma pessoa, uma mulher. Mas quem? — Alice se questionou, praticamente falando sozinha.
O grimório sempre nos dava questões que não sabíamos como resolver, era quase como as atividades escolares. Até hoje, quase não usamos nenhuma, mesmo que o grimório revele a parte teórica quanto a parte prática dos feitiços.
— Talvez Lucy saiba, porque não perguntamos a ela? — Sugeriu Jesse, dando de ombros com sua única opção. — Isso se ela não nos enganar de novo. — Quando ela ia fechar o grimório, sem querer deixou cair no chão.
— Deixa que eu pego. — Me ofereci e abaixei para pegar o grimório, que coincidentemente estava aberto em uma página esquisita, diferente.
As folhas eram mais amareladas que o normal, e as letras diferentes das anteriores. Não era Lucy que havia escrito. Algo me disse para deixar aquilo para lá e só fechar o grimório, mas uma voz que foi trazida junto com a brisa, me incentivou a ir em frente, como se estivesse me hipnotizando.
— Seline? Está tudo bem? — Ouvi a voz das meninas de longe, mas soou como eco.
Olhei o livro aberto diretamente na minha mão e analisei cada letra de cada palavra grafada.
— Pro viribus aliquid occultum inquirendum, negans ex dimittis me ut nostra ratione.
Depois que, sem minha vontade, falei essas palavras, deixei o grimório cair no chão de novo. Quando ele caiu com a capa virada para o chão, uma enorme sombra alta e forte começou a sair de dentro dele.
Jesse e Alice ficaram assustadas e paralisadas, até a sombra sair totalmente lá de dentro e fugir pela janela da frente.
Quando o controle do meu corpo voltou para mim, olhei as duas garotas que estavam boquiabertas. Alice saiu do transe e correu para fechar o grimório, e Jesse veio preocupada para perto de mim.
— O que aconteceu? O que você fez lá? — Ela perguntou e eu toquei minha cabeça, que estava um pouco dolorida.
— Eu não sei, eu não... — Tentei explicar, mas não sabia como montar as palavras. — Não fui eu quem fez isso!
— Acho que você foi manipulada ou algo do tipo. — Falou tentando me confortar, e voltou sua atenção para Alice.
— Tinha uma página diferente. Eu não sei como... não era do grimório. Eu só... — Forcei uma explicação, mas Alice caçou cada página do grimório e me olhou confusa.
— Não tem nada de diferente. Todas as páginas continuam em branco exceto as anteriores e as de magia, que também estão normais.
Me encosto na parede e olho pela janela. Havia algo solto, algo que eu soltei lá fora. Seja lá o que fosse, eu tinha certeza de que não era nada bom, e uma hora ou outra acabaria causando um caos lá fora.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz