Saint Luna, 12 de Fevereiro de 1991
Terça-feira - 12:19 P.M.
— Achei algo. — Avisou Alice na segunda prateleira da biblioteca, na sessão de mitologias. — Aqui diz sobre o Labirinto da Realidade na mitologia celta. Ele está sempre junto à presença da Deusa Tríplice e pode estar em qualquer lugar, mas só conseguimos ter acesso durante uma viagem astral.
— Isso é bem confuso. Como faremos uma viagem astral? — Perguntei passando os olhos pelos livros que falam sobre o submundo.
— Fácil. Minha tia pode ajudar, até porque ela já foi uma bruxa. A parte da viagem astral está mais relacionada com o nosso espírito, mas se algo der errado, ficaremos presas do outro lado. — Jesse completou sentada numa poltrona verde e velha.
Estávamos há alguns minutos procurando sobre o tal labirinto, submundo, Hades e essas coisas. Eu tinha acabado de comer, mas mal podia esperar até o almoço.
Passei a mão pelo bilhete que Alexander deixou comigo antes de sair e suspirei cansada. Ele pediu para encontrá-lo à noite na lanchonete em que Crystal foi sequestrada, mas não disse o motivo. Pelo visto as garotas gostaram dele, e ele delas, portanto eu o veria mais do que o normal.
— Hécate tem que aparecer uma hora ou outra. Aliás, eu esqueci de contar um detalhe importante. — As duas me olharam e se aproximaram.
— Eu percebi, mas esqueci de falar. — Disse Alice. — Mas continue.
— Durante a fuga no colégio, eu encontrei algo no chão. Era um tipo de estátua pequena de madeira com a forma estranha, como se fosse um animal amontoado no outro com expressões ferozes.
— Por acaso você viu uma borboleta antes de encontrar esse objeto? — Questionou Jesse atenta, como se soubesse exatamente do que estivesse acontecendo.
— Eu acho que tinha visto uma borboleta vermelha voando na direção, antes de eu achá-lo. — Respondi.
— Você achou um totem acompanhado de uma borboleta vermelha. E o que aconteceu em seguida? — Perguntou ansiosa como se necessitasse da resposta.
— Eu acho — Faço força para lembrar — Eu vi o assassino na escola e depois tudo em fogo.
— EU SABIA! — Gritou atraindo atenção das pessoas da biblioteca. O velho gorducho a olhou furioso e logo ignorou. — Perdão.
— O que você sabia? — Insistiu Alice esperando que Jesse continuasse a falar.
— Você encontrou o totem do perigo. — Disse, por fim.
— O que é um totem? —Alice parecia tão curiosa quanto eu.
— É um objeto antigo criado para dar alertas, mas sempre são acompanhados de borboletas. Lá em casa tem alguns, mas são apenas totens decorativos. Significa que você viu coisas que ainda podem acontecer.
— Então há chances de impedir, por isso o aviso. — Comentei cruzando os braços pensativa.
Tínhamos bastante tempo para analisarmos os detalhes, tanto do assassinato quanto do uso da magia. Talvez devêssemos praticar o que já sabemos, tanto que o que aconteceu quando o assassino conseguiu me segurar ontem foi inexplicável. Senti uma explosão de poderes que jogou ele longe.
— Minha tia está trabalhando agora, mas quando chegar ela poderá nos ajudar quanto a isso. — Jesse se sentiu na poltrona novamente.
— Eu preciso ver Mariyah. Queria falar sobre alguns assuntos pessoais com ela, então, preciso ir. — Digo juntando minhas coisas na bolsa que havia levado.
— Com a Mariyah? Nossa, fico contente que vocês tentem se ajeitar. — Alice falou parecendo surpresa.
— Obrigada, master gênio.
Peguei minha bolsa e me despedi dela e de Jesse, logo saindo da biblioteca, já que a chuva havia cessado. Peguei um táxi até em casa e desci na porta. Entrei passando por seguranças e pelo jardim, indo direto para a cozinha.
— Bom dia, o que tem de bom para hoje? — Perguntei aos empregados, me sentando na mesa.
Eu não gostava das refeições na sala de jantar, por simplesmente estar sozinha em todos os momentos. Quando eu devo comer na sala de jantar, geralmente peço aos empregados para se sentarem comigo, assim me sinto menos sozinha.
— O almoço está pronto, senhora. — Disse Kitty, uma das empregadas mais antigas daqui, há uns dois anos desde quando nos mudamos, colocando um prato de comida na minha frente.
— Obrigada! — Agradeci começando a comer.
— Senhora, seus pais mandaram avisar que você não deverá sair de casa esta noite devido a um evento que terá com os membros da alta sociedade.
Parei de mastigar na mesma hora. Como assim meus pais querem que eu participe de algo sendo que eu mal os vejo? Meus planos do dia era me encontrar com Mariyah no horário da tarde e com Alexander no início da noite.
— A senhora está bem? — Perguntou Kitty preocupada.
— Sim, estou. Obrigada pelo aviso, Kitty. — Lancei um sorriso fraco de agradecimento e voltei a comer. Hoje o dia seria longo.
Após o almoço, subi para tomar um banho demorado e troquei de roupa. Fui até o escritório do meu pai e peguei sua agenda de telefone. Corri os dedos até encontrar o número de Mariyah, e de lá mesmo usei o telefone. Levou um tempo até alguém atender, mas Mariyah logo surgiu do outro lado da linha.
— Mariyah? Sou eu, Seline. — Digo quando ela atende. Confesso que parecia que meu coração ia sair do peito, de nervoso ou ansiedade.
— Olá, Seline. Aconteceu algo que precisou ligar? — Perguntou desconfiada e eu suspirei.
— Não houve nada. Eu só queria saber se podemos nos encontrar para conversar e quem sabe tomar um café.
— Claro! — Ela aceita de imediato. — Que horas? Você quer sair ou prefere vir aqui em casa?
— De tarde. À noite eu tenho um compromisso, e o lugar pode ser qualquer um.
— Vou te dar o endereço da minha casa e você vem em uma hora. Fico feliz com sua ligação, Seline!
Anotei o endereço da sua casa e guardei o papel no bolso. Fui até meu quarto e deitei na cama, pensativa e esperando o tempo passar.
Saint Luna, 12 de Fevereiro de 1991
Terça-feira, 04:20 P.M.
Charlie me deixou em frente à casa de Mariyah e foi embora. A casa era simples, rodeada de árvores finas e com um enorme portão de madeira, adicionando um toque rústico ao ambiente.
Me aproximei e toquei a campainha. Esperei um tempo até Mariyah me atender e me convidar para entrar.
— Bem-vinda, Seline! Fico contente em vê-la. — Falou sorrindo e me guiando para dentro da casa.
Ela estava com um vestido longo e com os longos cabelos ondulados soltos. Pela primeira vez estava sem óculos, e ela era linda.
— Bela casa. — Comentei entrando na sua sala de estar. Ela me deu espaço para sentar no sofá e eu sentei.
— Obrigada. Comprei há pouco tempo. — Comentou se sentando na minha frente, me analisando de cima até baixo.
— Desde quando você é a diretora? — Perguntei.
— Já faz uns sete anos. Antigamente eu era apenas uma professora de língua inglesa, mas a antiga diretora teve que partir e deixou seu cargo comigo, já que éramos grandes amigas.
— Por que você nunca voltou para me procurar? — Questionei baixo sentir seu olhar de arrependimento.
— Eu procurei por anos, mas você já tinha ido para a Espanha e foi registrada como espanhola. Eu vi sobre o desenvolvimento da empresa da sua família e vi que você tinha ótimas condições. Não quis mudar sua vida do nada, então resolvi esquecer.
Ela se levantou e sentou ao meu lado, provavelmente porque viu que eu estava segurando as lágrimas. Era o assunto mais delicado que eu poderia tocar, mas eu precisava do afeto materno.
— Eva e Julian me colocaram na Everest High School e sabiam que poderíamos nos encontrar. Por quê?
Ela suspirou como se cada detalhe a contar fosse como uma faca perfurando seu estômago.
— Eles sabiam que você descobriria uma hora ou outra, e eu pedi que nos aproximassemos quando você começasse a entender.
— Mariyah? — Chamei. — Eles sabem sobre sermos de tríades de bruxas?
— Não! De forma alguma! Você falou alguma coisa?
Neguei com a cabeça e respirei fundo. Eu queria perguntar tanta coisa, dizer tanta coisa que estava entalado, mas eu precisava analisar o que havia acabado de descobrir.
— Mais uma coisa. Se Jesse é adotada e não é parente biológica de Elizabeth, como ela pode ser uma fase da lua também?
— Podem não ser tia e sobrinha de sangue, mas há uma forte ligação emocional entre elas. Por isso Jesse adquiriu sua linhagem, assim como você comigo, mesmo que você não saiba, e Alice com Ellie. — Sorri com suas palavras. — Vamos contar de coisas boas. O que você pretende para a sua vida?
Aquela era uma pergunta que eu não saberia responder a ninguém. Eu não sei o que gostaria de seguir, não fazia ideia. Eva e Julian queriam que eu seguisse com a empresa, mas eu não levava o menor jeito para administração ou empreendimento. Eu queria fazer algo que todos pudessem me ver, teatro talvez, ou até mesmo ser atriz, mas meus planos podem ser interrompidos se afundarmos nossas vidas na magia.
— Sinceramente? Eu não sei.
Mariyah levantou do sofá e me olhou com os olhos brilhando.
— Tudo vem com um tempo. Você gosta de bolo? — Certamente ela não sabia o quanto eu era viciada em doces.
— Eu adoro.
— Então venha. Vou fazer algo para comermos.
Me levantei ao seu lado e caminhei até sua cozinha. Era lindo cada detalhe dessa casa, me fazia sentir aconchegada. Me sentei na mesa do balcão enquanto Mariyah pegava as coisas e colocava em cima da mesa.
— E os namoradinhos? — Perguntou, mas sei que foi por pura brincadeira.
— Eu não tenho namoradinhos nem no singular e nem no plural. — Digo ajudando-a a colocar os ingredientes do bolo em uma forma.
— Ah, é? — Ela sorriu tentando me provocar. — E aquele bonitão que salvou você do afogamento?
Por que diabos todo mundo sempre se referia à Alexander? Parece que uma mosca vai no ouvido de cada um e sussurra "vai, fale dele para a Seline". Revirei os olhos com seu comentário, pegando uma colher de pau mexendo forte a massa do bolo.
— Ele só me salvou. Só isso.
— Só isso. — Repetiu como afirmação enquanto segurava o riso. — Vou colocar no forno. Pode fazer a cobertura?
Afirmei com a cabeça e pego uma panela pequena, colocando-a perto do fogo. Coloquei os ingredientes e peguei uma colher limpa, vendo Mariyah colocar a forma do bolo no forno.
— Mariyah, sobre o assassinato. — Comecei olhando fixamente para a calda de chocolate no qual eu mexia. — Você sabe quem foi?
— Eu não faço a menor ideia. — Admitiu com sinceridade. — Eu espero deixar que a polícia resolva isso e espero também que você e suas amigas não estejam planejando algo. — Me olhou como indireta.
— Nós? Claro que não! Somos dedicadas apenas aos estudos. — Desliguei o fogo e me sentei na bancada de novo, esperando o bolo terminar de assar. — Quando as aulas voltarem, bem que você poderia dar uma festa ou um baile.
— Você acha? — Perguntou analisando minha sugestão. — Vou pensar nisso mais tarde.
O bolo ficou pronto cerca de quarenta minutos depois, e eu coloquei a calda por cima. Mariyah preparou um chá e nos sentamos para comer com o fim da tarde. Já não sabia que horas eram, mas eu ainda precisava encontrar Alexander.
— Seline, quero que saiba que quando precisar de algo, pode falar comigo. Se quiser passar até mesmo um tempo aqui em casa, as portas estarão sempre abertas.
Mariyah era mais incrível do que eu podia imaginar. Ela merecia sua explicação, ela queria uma filha, e eu queria uma mãe. Me aproximei e a abracei sem nem hesitar, e Mariyah retribuiu ao mesmo tempo.
— Obrigada, — Dei uma pausa antes da última palavra. — mãe.
Depois de ajudar Mariyah a lavar a louça que sejamos, corri para a lanchonete que Alexander marcou. Ele já estava lá, parado do outro lado da rua e encostado numa moto preta do estilo que sairia pela Califórnia com homens fortes de jaqueta andando em bando.
Mas Alexander era diferente.
Ele transmitia certa confiança, não era ignorante como os tais e tinha ótimo senso de humor. Ele estava distraído, usando a mesma jaqueta de couro preta do dia em que fui afogada e estava com os cabelos bagunçados como o normal.
— AI! — Gritei ao perceber que havia tropeçado na calçada. Algumas pessoas pararam para olhar, inclusive Alexander. Ele desencosta da sua moto e caminha em minha direção.
— Você está bem? — Perguntou preocupado me ajudando a levantar. Pelo menos ele não parou para rir, e as pessoas ignoraram e continuaram suas vidas.
— Sim. — Digo constrangida limpando a roupa. — Finge que não viu nada, não toque no assunto. Por favor.
— Vamos, vou te levar em um lugar. — Ele segura minha mão e me guia até sua moto. Alex entrega um capacete e eu aceito, subindo na sua garupa.
Há dois anos, meu ex namorado disse que iria me levar em um lugar, mas não disse aonde. Acabou que fui sequestrada, e esperava que a história não se repetisse agora.
— A última pessoa que tentou alguma coisa comigo, eu o matei, só para deixar claro. — Sussurro perto do seu ouvido e ele levanta uma das sobrancelhas provavelmente pensando se acreditaria ou não.
— Está falando sério?
— Claro que não! — Menti sorrindo. Uma bela mentirosa.
Ele começou a pilotar até sei lá aonde, isso porque o dia só havia começado.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz