Madrid, 14 de julho de 1988
Quarta-feira - 09:00 P.M.
— Oficialmente aceito os termos de conduta para que Seline Grace Martínez seja herdeira oficial da Primer Grace.
Após o anunciado do meu pai, todos os poucos convidados aplaudiram suavemente enquanto eu sorria acenava para cada um.
— Gostaria de dizer algo, querida? — Perguntou mamãe delicadamente se pondo ao meu lado com aquele cheiro forte e horrível de perfume caro francês. Os convidados me olharam esperando que eu fosse dizer qualquer coisa útil e eu só respondi:
— Na verdade não gostaria não. Pode me dar licença? — Limpei a garganta e segurei o riso enquanto andava em direção a porta, vendo os olhares assustados com minha resposta e o olhar incrédulo do meu pai.
Na verdade eu detestava toda aquela falsidade e dez mandamentos. Era o tempo todo "Seline, sente-se com postura", "Seline, faça isso corretamente", "Seline, faça aquilo", "Seline, blá blá blá". Eu amava meus pais, mas eles só se preocupavam com eles mesmos e com a fortuna da empresa. Nunca tinham tempo para ver o quão boa eu era na natação ou no violino ou nas outras coisas que eu também era boa.
A única pessoa que se importou com isso sempre, foi minha avó, mãe do meu pai, mas infelizmente ela já não está mais entre nós. Ela dizia que quando morresse, reencarnaria numa borboleta. Eu achava bizarro e ria, mas para ela significava algo que eu nunca soube.
Depois de passar no meu quarto para mudar de roupa e botar algo mais eclético, saí de lá e comecei a andar pelo jardim. Fui até a garagem e vi Bob, o motorista, parado. Ele me olhou bem desconfiado e perguntou se eu desejava ir a algum lugar.
— Pode me emprestar o carro? — Fiz um olhar inocente e manhoso e ele me olhou perplexo.
— Seus pais não me deixam deixar a senhorita sair sozinha desde o último acontecimento. Sinto muito. — Ele voltou a olhar para frente e eu revirei os olhos.
No último verão eu dei férias sem permissão para os empregados enquanto meus pais viajaram à negócios. Aproveitei para uma festinha com meus amigos, bebi até não aguentar mais e saí com o carro, batendo ele num poste. Por sorte não me machuquei, nem ninguém que estava no carro comigo.
Fiquei sem sair de casa por uns dois meses de castigo.
— Android filho da mãe! — Sussurrei saindo da garagem indignada, caminhando de volta para a mansão. Fui até o escritório do papai e peguei um telefone, discando o número que já tinha gravado. — Matt? Pode me buscar, agora? — Perguntei com o coração acelerado de emoção. Era bobo, mas eu só tinha quinze anos.
Depois de ele responder um "já estou chegando", desliguei o telefone e desci as escadas animada para encontrar meu namorado. Antes de sair pela porta, vi meus pais parados com um olhar sério.
— Aonde pensa que vai, Seline Grace? — Perguntou minha mãe me fazendo levar um susto.
— Eu vou só dar uma volta pelo jardim. Não se preocupe. — Sorri falsa de forma que convenceria qualquer um, exceto o senhor e a senhora Grace Martínez.
— Vai sair arrumada assim? Você não me engana, tenho certeza que vai sair com Matteo de novo! Não sou burra, já tive sua idade e sei muito bem como esse assunto termina! — Disse Eva rigidamente e meu pai colocou as mãos em seu ombro pedindo-a para relaxar.
— Ela vai fazer dezesseis anos daqui a quatro meses, Eva. Acabou de assumir um grande papel na família como herdeira da empresa, ela só é adolescente. — Disse Julian olhando para minha mãe e logo depois para mim. — Querida, já sabemos o quanto de problemas Matteo causa e não queremos essa encrenca no seu nome também. Eu e sua mãe amamos você e não queremos vê-la magoada, sabemos o melhor para nossa filha. Agora, entre. Você não sairá desta casa e nem do seu quarto até amanhã de manhã.
— Isso não é justo! — Ignorei cada palavra melancólica dele e ele beija minha testa, saindo de lá com minha mãe. Quando penso na possibilidade, vejo um dos seguranças se aproximar. — Ah, não! Não, não, não, não, não! Não me digam que vai ficar de guarda para eu não sair do quarto?
— Sim, senhorita Grace. Agora vamos, recebo ordens dos seus pais. — Revirei os olhos e subi as escadas de novo com o segurança. Ele se põe na frente da minha porta como uma estátua.
— Estúpidos! — Gritei do corredor antes de entrar e bater a porta do quarto. — Preciso sair daqui, preciso sair daqui! — Digo comigo mesma pensando em algo.
Olhei a janela e pensei numa possibilidade. Poderia até tentar, mas não conseguiria sair pelo portão principal.
Pensei bastante em uma forma de sair de lá e logo comecei a minha ação. Peguei vários lençóis e comecei a amarrar um no outro como uma corda da Rapunzel em forma de tecido.
Prendi uma na ponta na cama que era bem dura e resistente e joguei a outra ponta pela janela. Okay, agora não poderia ter medo!
De uma vez só, subi na janela e segurei o tecido com força.
— Merda! O que estou fazendo? — Comecei a descer devagar sem olhar para baixo. Meu quarto era no segundo andar, portanto, não era tão alto.
Depois de descer todo aquele pano até o fim, pulei os poucos centímetros que restavam do chão e felizmente caí em pé. Comecei a andar na ponta do pé para nenhum segurança ver. Vou me aproximando do muro da parte de traz da casa e penso uma forma de pular dele sem me machucar. Olhei ao redor e notei a escada de jardinagem que o jardineiro provavelmente esqueceu lá, por sorte.
Coloquei a escada encostada na parede de forma que ficasse fácil para subir e subi com um pouco de receio. Fiquei em cima do muro já podendo ver a parte de fora. Vi o carro de Matteo mais a frente e suspirei de alívio, pulando o muro, me arrastando um pouco e me sujando de terra.
— Matteo! Achei que não viria! — Falei animada correndo em sua direção, dando um abraço rápido e entrando no carro. — Vamos sair daqui antes que meus pais vejam!
— Uau, mas já? Achei que a princesa da família e oficial herdeira da fortuna ia aproveitar sua noite. — Ele deu uma risada sarcástica e entro no carro, começando a dirigir por um caminho qualquer.
Matteo era três anos mais velho que eu, vinha de uma família problemática com o pai alcoólatra e a mãe viciada. O conheci ano passado quando numa das minhas fugas da madrugada, parei num beco sem saída e uns caras tentaram se aproveitar da situação. Matteo me defendeu e me tirou de lá sem nem saber quem eu era.
— Quero me divertir essa noite, aonde vamos? — Perguntei ligando o rádio do carro e pondo uma música qualquer do rádio.
— Surpresa, gata. Você vai ver quando chegarmos. — Era para eu ter me animado, mas estranhamente senti um arrepio passar pelo meu corpo e olhei para ele.
Seu olhar estava bem diferente do que o de costume, mas não percebia isso por estar louca de amores. Observei uma borboleta vermelha entrando no carro e voando ao nosso redor e a encarei pensando se fosse algum tipo de aviso.
— Bicho nojento! — Disse Matteo prestes a bater nela com as mãos mas eu o impedi.
— Não faz isso, ela não te fez nada! — Ele me olhou com as sobrancelhas levantadas em dúvida mas logo ignorou, voltando a atenção na estrada.
Estávamos correndo por um caminho no qual não me lembrava de já ter seguido. Era uma estrada enorme e lisa, com árvores ao redor parecendo uma floresta. Isso estava mais para cenário de filme de terror psicótico.
Depois de um tempo percebi o carro parando em frente a uma casa enorme e vazia rodeada de mato e árvores, bastante isolada da cidade ou de outros pontos.
— O que viemos fazer aqui? — Perguntei com receio de descer mas Matteo abre a porta do carro para mim.
— É surpresa, só entrando para descobrir. — Ele me olhou estranho como se pudesse ler meus pensamentos. — Oh, Seline. Você está com medo?
Desci do carro com medo e olhei ele e depois a casa. Respondi um "não" seco e comecei a andar em direção à residência. Abri a porta aos poucos e senti Matteo entrando logo atrás de mim.
— Desculpa, meu amor. Não foi por mim, me perdoe! — Senti algo gelado cobrindo meu nariz e acabei perdendo a consciência.
Quando acordei, me vi numa cadeira de madeira amarrada nas mãos e nos pés e ainda com uma fita na boca. Minha cabeça latejava como se eu tivesse levado uma paulada.
— Olha quem acordou! Matteo, sua namoradinha falsa já acordou. Vai ligar para a família dela que horas? — Uma garota loira parava na minha frente e me olhava com certo desprezo. Corri os olhos pela sala que eu estava e percebi Matteo encostado na parede.
Tentei falar, gritar, me soltar, mas não adiantava nada. A loira começou a rir esteticamente e eu senti vontade mandar ela direto para o inferno. Matteo se aproximou e me encarou alguns segundos, depois saiu, me deixando sozinha com a garota.
— Que triste, a riquinha está indefesa? Quer falar alguma coisa, princesa? — Ela voltou a rir maleficamente e arrancou a fita da minha boca.
— Por favor, me deixe ir! Eu tenho dinheiro, é isso que você quer? Quanto? Eu juro, só deixe eu ligar para o meu pai! — Falei nervosa sentindo as lágrimas saírem desesperadas e rolarem pelo meu rosto.
— Não é só isso, queridinha. Vamos pegar seu dinheiro e depois... sinto muito. — Ela suspirou em falsa tristeza e se afastou, sentando-se em outra cadeira mais na minha frente.
Não havia nada que pudesse ser feito, só aguardar e esperar a morte. Nunca me imaginei nessa situação, nem nunca me imaginei que meu namorado pudesse fazer algo desse tipo comigo.
"Seline, você é garota mais burra e imatura que conheço. Vai deixar um babaca e uma loira vadia acabarem com sua vida por nada? Você devia se sentir mais que isso, devia se sentir poderosa."
— Ah, cala a boca! — Respondi meu subconsciente e vi a loira me olhar como se eu fosse louca. Ela me ignorou e continuou a espera de Matteo enquanto mexia na própria unha.
Depois de uns cinco minutos esperando o nada, vi meu belo "namorado" se aproximando novamente com um sorriso macabro na boca.
— Rita, a família Grace Martínez aceitou o acordo. Na estação de trem você vai disfarçada buscar o dinheiro, enquanto isso eu fico aqui e dou um jeito nela. — Ele apontou para mim e eu o olhei furiosa.
— Vocês estão de brincadeira? Se queriam dinheiro era só pedir, não tem necessidade de me matar. Por favor, Matt! Me deixe ir e eu prometo não contar nada pra ninguém! — Implorei tentando me soltar da cadeira e vi a loira Rita se aproximar e me dar um tapa no rosto.
— CALA A BOCA, VAGABUNDA! — Ela cuspiu as palavras e em mim e olhou para Matteo. — Eu e Diego estaremos lá em uma hora e você dê o jeito de que realmente essa garota não saia daqui viva. — Vi ela andar até Matteo e beijá-lo, o que o deixa bastante desconfortável. Revirei os olhos com todo aquele teatro e percebi que ela já saiu dali.
— Okay. Agora é a hora que você me mata e fica com o dinheiro da minha família. Uau, estou muito contente! Acho que vou até dar um sorriso. — Usei meu tom irônico e sorri forçadamente.
— Eu não queria fazer isso, Seline, mas eu não tenho outra opção. — Ele se aproximou e desamarrou as cordas. Esse é foi o momento que tentei me soltar, mas Matteo me segurou forte e me levou até a parte de fora da casa.
— MATTEO, POR FAVOR, ME SOLTA! — Gritei em desespero me debatendo nos braços dele e ele continuou me segurando com força, deixando marcas vermelhas por todo o meu corpo.
Ele me jogou no chão e puxou uma pistola do seu casaco, logo apontando para mim, destravando o gatilho prestes a dar um tiro.
— Você não precisa fazer isso! — Afirmei tentando manter calma na voz enquanto senti meu corpo frio e nervoso. Observei borboletas vermelhas ao redor de nós e o céu já estava clareando. Há quanto tempo eu estava ali?
No momento em que Matteo pretende atirar, a arma falha e ele se assusta. Talvez fosse obra divina, mas eu nunca fui de acreditar em religiões ou seres maiores, mesmo minha família sendo toda cristã.
Tomei coragem e avancei contra o rapaz. Senti que eu já não era mais eu e provavelmente não seria por um bom tempo. Joguei ele no chão e puxei sua arma, empurrando-a para longe. Ele me segurou e me puxou para o chão também, segurando forte meu pescoço.
— Filho... da mãe! — Me debati em suas mãos e sinto como se minha cabeça fosse explodir. Comecei a ficar sem ar e a enxergar tudo turvo. Ótimo, agora sim eu morro!
"Ainda não é o fim, garota!"
Ouvi uma voz familiar na minha mente e eu tinha certeza que dessa vez não era meu subconsciente. Com dificuldades, levantei o joelho da perna direita e dou uma joelhada "lá em baixo" que estava bem próximo. Ele afrouxou as mãos e gemeu de dor, me dando oportunidade para pegar uma pedra grande do nosso lado e dar na cabeça dele. Ele começou a sangrar e eu o empurrei, levantando e saindo correndo desesperada.
Ele demorou um pouco para retomar os sentidos e levantou meio tonto, começando a correr atrás de mim rapidamente. Percebi ele se aproximar cada vez mais de mim e tentei correr mais rápido por dentro da floresta.
— ALGUÉM ME AJUDA, POR FAVOR! — Gritei enquanto corria. Às vezes caçadores viam aqui para caçar alguns animais, mas talvez hoje eu não tivesse sorte.
Ele puxou meu cabelo, me fazendo diminuir a correria. Segurei suas mãos que estavam no meu cabelo e com toda a força do mundo, torci elas, fazendo ele gritar de dor.
Eu imaginei o provável: se ele ficasse vivo, se vingaria; se ficasse morto, seria apenas mais um túmulo de ganância. Eu poderia me livrar de um assassinato, esconder das mídias e até mesmo arrumar um bom advogado.
Puxei um pedaço de galho grande e afiado e apontei para ele, que começou a rir de maneira sufocante.
— Oh, Seline. Achei que você fosse idiota, mimada e fraca. Mas vejo que estava errado. Vamos lá, me mate com esse pedaço de galho! — Seu tom era psicopata e seus olhos sangrentos de ódio, mas eu não ligava, os meus também estavam assim.
Eu deveria me sentir um lixo, indefesa, mas estranhamente eu me sentia forte. Eu não merecia aquilo mesmo sendo meio rebelde e imatura. Eu poderia mudar e ia começar essa etapa manchando minhas mãos de sangue.
— Eu nunca fui o seu brinquedo! — Sussurrei enfiando o galho diretamente em seu coração e olhei em seus olhos que começaram a ficar vermelhos. Ele começou a cair aos poucos todo sujo de sangue e segurando no galho enfiado em seu peito. Era um adeus eterno.
Depois de sair do transe comecei a correr pela floresta e vi um grupo de caçadores que me apoiou e me levou para casa.
Saint Luna, 19 de Janeiro de 1991
Sábado - 08:47 A.M.
Dois anos e meio haviam se passado desde o meu sequestro. A conclusão foi que os caçadores me reconheceram e me levaram de volta para minha família. Rita e o tal Diego foram presos por sequestro, roubo e tentativa de assassinato. O caso de Matteo corre em aberto até hoje e eu continuo dada como suspeita, mesmo meus pais tendo escondido cada detalhe.
Já havia chegado em Saint Luna, na Califórnia, há mais ou menos duas horas. Meus pais me matricularam num colégio bem famoso chamado Everest High School e eu realmente não sabia o que esperar. Seria um novo começo.
Até hoje as borboletas me seguem. Com elas me sinto mais segura.
Espero que tenham gostado. Vote no capítulo se você gostou e comente suas opiniões sobre o livro! Sz