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Alicia

Acordo com a boca seca e um gosto amargo que me incomoda, olho pro lado e meu marido ainda dorme tranquilamente, levanto lentamente da cama pra não acordar ele, saio do quarto e vou pra cozinha pegar um copo de água, a luz está acesa, então tem alguém lá, Nico está sentado em um dos bancos com uma caneca fumegante em suas mãos, vou até ele e tiro a xícara de suas mãos e ele me olha com aquele olhar triste e distante.

- Vai se queimar assim - falo com a voz suave, a mesma voz que falava com ele em suas noites de pesadelo.

- A dor me distrai - ele dá de ombros e pega a xícara com o café quente.

- Fez café pra mim? - pergunto, quando éramos mais novos e ele tinha pesadelos meu pai sempre fazia café pra gente, nós sentavamos na mesa e conversávamos até nosso sono voltar.

- Sim - ele da um forte suspiro - não queria estragar sua noite, me desculpa.

- Você não estragou nada - falo e o abraço - somos uma família, não sou feliz quando você está triste.

- Eu sei disso, quando ouvi ele falando que não tinha nada comigo me quebrou alguma coisa aqui dentro - ele aperta seu peito com força e eu seguro em sua mão - Eu só queria não ter me apaixonado por ele, o que eu pensei? Que ele iria me amar e me assumir? Eu sou um idiota não né? Um babaca que pensa que um homem lindo, rico, cobiçado por várias mulheres gostosas, iria se apaixonar por mim. Um gay todo cheio de cicatrizes, manchado por um passado sombrio, eu só quero desistir de tudo.

- Olha pra mim - minha voz já fraca pelo choro - suas cicatrizes só mostram o quanto você é forte, você é lindo e forte, é um guerreiro que lutou pra conseguir tudo o que tem hoje, um grande homem que tem uma família que te ama mais do que tudo.

- Família Alicia? - ele da uma risada irônica - você e seus pais só me aceitaram por dó, quem realmente ama uma pessoa suja como eu? Me fala por favor? Você acha mesmo que alguém me ama? A única coisa que vocês sentem por mim é dó, não amor, eu sou só um peso na vida de vocês.

- Cala a boca Nicolas - falo brava - para e escuta o que você acabou de dizer, você acha mesmo que eu tenho dó de você? - falo alto e aponto meu dedo em seu rosto - você deveria se amar, eu, minha mãe e meu pai te amamos, nós colocamos nossa família em primeiro lugar, colocamos você e sua vida em primeiro lugar. Se não te amassemos mesmo você acha mesmo que a mamãe teria depressão quando você tentou se matar? Acha que eu daria minha cara a tapas toda vez que alguém viesse falar que você não era uma boa pessoa? Não é porque você não tem amor próprio que ninguém pode te amar também - olho com raiva pro seu rosto cheio de lágrimas, seco com força meu rosto, dou uma última encarada nele e viro as costas para subir.

- Me perdoa Lici - ele segura meu braço e me abraça, solto um soluço involuntário - Eu sou um babaca de não perceber as pessoas maravilhosas que tenho ao meu redor e só mágoa-las. Você sabe que sou um idiota.

- É mesmo - falo ainda chorando.

- Me perdoa irmã - ele pede com a voz mansa - vamos dormir? - ele pergunta e eu afirmo com a cabeça, subimos para meu quarto e ele se deita primeiro, deito atrás dele e o faço da concha menor, sempre dormimos assim.

Fico fazendo carinho em seus cabelos até sentir ele dormindo em meus braços, olho pro relógio que marca 4:27 da madrugada, sinto meus olhos pesando e logo durmo.

- Eu vou te matar seu desgraçado, você vai pagar por tudo o que me fez - acordo assustada com o Nico apertando meu pescoço, não não não, bato em seus braços mas parece inútil - Não foi bom abusar de mim quando eu era só uma criança, agora você vai ter o troco - ele aperta mais minha garganta e minha visão já começa a escurecer pela falta de ar, tento gritar mas minha voz não sai, sinto o peso do meu irmão sair de cima de mim e respiro fundo, minha garganta arde e dos meus olhos as grossas lágrimas molham o travesseiro.

- Você tá louco Nicolas - ouço o Henrique gritar em cima dele, Nico tenta se afastar mas ele apertar mais seus braços - Por que voce fez isso com ela?

- Amor para - levanto mesmo com as pernas tremendo e vou até eles - solta ele por favor - Henrique me olha e eu imploro mentalmente, ele solta os braços do Nico, ele se arrasta até a parede e abraça os joelhos, vou até ele e tento levantar sua cabeça - Não faz isso Nico, olha pra mim - imploro e ele só aperta mais os braços em volta das suas pernas - não foi culpa sua meu bem, foi só um pesadelo.

- Eu quase te matei - ele fala com a voz abafada por estar com a cabeça ainda baixa - Eu quase te matei de novo.

- Como assim de novo? - Henrique pergunta da porta do quarto onde ele estava encostado.

- Depois amor - o olho rapidamente e volto minha atenção pro meu irmão - Nico? - suspiro e me levanto - Já que você quer da maneira difícil então tá bom - pego meu celular que estava na escrivaninha e ligo pra minha mãe, coloco no viva voz e volto a me sentar do seu lado. No quarto toque meu pai atende.

- O que aconteceu querida? - ele pergunta com a voz rouca de quem acabou de acordar.

- Papai você pode vir aqui em casa? - pergunto e o Nico resmunga "não" sem levantar a cabeça.

- Vocês estão bem filha? - ele pergunta e ouço minha mãe perguntando o que aconteceu.

- Nico teve um pesadelo e não quer falar comigo - falo tentando segurar o choro, sei que pareço uma criancinha mimada, mas meus pais e o Nico sempre foram meu tudo, quando morávamos juntos e isso acontecia era eles que estavam ao nosso lado, nós dizendo que tudo iria ficar bem.

- Já estou indo, me deixe falar com seu irmão.

- Pode falar está no viva-voz.

- Filho - meu pai fala com sua voz firme, que sempre nos conforta.

- Me desculpa pai - Nico finalmente levanta a cabeça e seu rosto está vermelho e todo molhado.

- Não foi culpa sua meu menino, foi só um sonho ruim - mamãe fala com sua voz mais doce do que mel.

- Nós já estamos chegando meus amores - Papai fala e desliga, antes que o Nico se mova o abraço apertado, olho pra porta e meu marido ainda está lá, como se estivesse lendo minha mente ele vem até nós e se junta ao nosso abraço.

Destino de um pai Onde as histórias ganham vida. Descobre agora