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Agora, só Diego Maradona, o seu Napoli e a sua Argentina importavam. Era essa a trindade profana que simbolizava o meu futebol no início de 1990 e que constituía o diapasão a partir do qual afinava os meus humores. No entanto, obriguei-me a deixar as notícias desportivas de lado, pois tivera uma má nota a matemática que precisava melhorar. O doze do primeiro período prejudicava-me a média final que era indispensável para entrar sem problemas na universidade que escolhesse. Já me tinha decidido a seguir um curso de gestão, muito semelhante à formação que completava no secundário que teria, recordava-me, direito a diploma e entrada direta no mundo do trabalho no fim do décimo segundo ano. Claro que eu iria continuar a estudar. Muitos dos meus colegas, porque tinham de fazer essa escolha já no segundo período, decidiram-se por terminar os seus estudos no secundário.

A minha tia Anita voltou a mostrar-se desiludida comigo. Eu tinha sido feita para a História, não para um escritório enfadonho de contabilidade a fazer contas numa máquina e a conferir uma montanha de papelada. Escutei-a ao telefone, mas não iria seguir os seus conselhos daquela vez. Não queria ser professora, queria ser arqueóloga, uma estudiosa académica que pudesse ter aventuras românticas idênticas às do Indiana Jones e não via que pudesse fazer isso em Portugal. Então, resolvera ser pragmática e escolhi um curso genérico que me dava a oportunidade de, mais tarde, perseguir os meus sonhos. Expliquei isso à minha tia. Não a convenci. Encolhi os ombros e mantive os meus planos.

Assim, Diego e o seu Napoli foram relegados para os domingos, quando, porventura, tinha acesso às notícias da Serie A. Irritava-me que os programas nacionais ignorassem ostensivamente o campeonato italiano de futebol, então passei a ver os programas da televisão espanhola. Via mais Hugo, o seu irmão que jogava no Rayo Vallecano, do que Diego. Era um Maradona, era uma parte do meu futebol amado, e acabava por moderar a minha irritação.

Subir a nota a matemática revelava-se mais difícil do que parecia. Por muito que estudasse, apercebia-me de que perdera algures o comboio da disciplina. A matéria que se interligava toda desde o que fora ensinado em setembro, e até daquilo que fora ensinado nos anos anteriores, tornara-se opaca e incompreensível. Esforçava-me e não conseguia desencriptar a linguagem hermética. Ao fim de alguns exercícios, fartava-me e uma preguiça medonha tomava conta de mim. Talvez precisasse de explicações, muitas das minhas colegas tinham aulas suplementares de matemática e de português, com professores que as recebiam nas suas casas em turmas de cinco ou seis estudantes, mas desconfiava que os meus pais não veriam com bons olhos essa despesa suplementar, ainda para mais quando me julgavam boa aluna. Se admitisse que estava a descurar a matemática iriam proibir-me as viagens, o que seria terrível. Então, calei-me e tentei sozinha dar a volta àquela nota que era como uma pedra no sapato.

Por outro lado, o professor não ajudava nada. Era um homem ruivo, de baixa estatura, de olhos pequenos e mãos brancas, que fazia gosto em nos aterrorizar na sala de aula. Explicava os exercícios muito depressa, como se todos estivéssemos no mesmo patamar, escrevia-os no quadro cantando os passos da operação, mas quando íamos para passá-los nos nossos cadernos como exemplo de solução para exercícios semelhantes no livro, apagava o quadro com gestos amplos e zombeteiros. Sentava-se na sua cadeira, unia os dedos das mãos debaixo do nariz, perscrutava os nossos rostos lívidos e perguntava, quem é que quer vir à pedra? Escolhia um de nós para subir ao estrado, agarrar no giz e resolver um exercício perante toda a turma na ardósia negra. Mais uma vez, não ensinava nada, era apenas para se deliciar com a nossa ignorância e humilhar-nos. As suas atitudes inspiraram-nos a dar-lhe uma alcunha – o professor era o Freddy Krueger, aquele homem desfigurado por um incêndio que assassinava adolescentes nos seus sonhos no infame filme de terror, Pesadelo em Elm Street, e as aulas de matemática eram o Pesadelo na Tomás Cabreira, o nome da nossa escola.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora