Aqueles Dias de Maravilha

32.

Tinha faltado às aulas na quinta e na sexta, os dois dias logo a seguir ao Carnaval, mas não tinha perdido muita matéria. Na segunda-feira, a seguir ao fim-de-semana do meu regresso da Alemanha, passava os cadernos emprestados pela Monique nos intervalos, recolhendo os apontamentos que me pareciam mais importantes e que constituíam efetivamente novidades para mim, o resto descartava. A Monique tinha por hábito escrever tudo o que os professores ditavam e a maioria daquilo era, pura e simplesmente, palha, coisas que eu já sabia de cor e salteado.

Graças a essa tarefa hercúlea que queria despachar logo naquele dia, não participava nas conversas das minhas amigas. A Ana Luísa tinha-se juntado a nós e falava sem parar sobre as suas férias que tinha passado na Serra da Estrela, que vira neve, que comera pratos deliciosos no restaurante, que conhecera uns rapazes muito bonitos, que dançara em bailes de máscaras promovidos pelo hotel, e a Elizabeth tentava competir com a história daquelas férias maravilhosas extrapolando e exagerando o que tinha feito. Ficara em casa e fora ao Carnaval de Loulé e também havia neve a fingir e comida muito boa, engordara dois quilos, outros tantos bailes com muitos rapazes lindos à disposição, começara a namorar e rompera com o namorado na mesma noite. A Maria José, a Nélia e a Monique olhavam de uma para outra, à espera da próxima fantasia rebatida por uma fantasia maior e eu passava os cadernos, ignorando a disputa.

Se eu fosse falar sobre as minhas férias calava as duas e nem era preciso esforçar-me muito, nem empregar grandes palavras ou figuras de estilo. No início, a Monique olhava-me à espera de me ver avançar para esse terreno onde a Ana Luísa e a Elizabeth se atolavam, mas como me viu mais empenhada na tarefa de recuperar a matéria perdida, desinteressou-se. Ela sabia que eu tinha estado fora, ela sabia que eu tinha passado umas férias algures longe da casa dos meus pais e aguardava ansiosa que fizesse a revelação naquele palco, onde iria ser reconhecida como aquela que tivera umas férias mais interessantes, qual Serra da Estrela, qual Loulé.

Tinha, como dois pontos de calor, dos raios laser finíssimos, os olhos dela nas minhas costas, e fingia não reparar nessa pressão silenciosa, nessa intimação que lhe iria aplacar a curiosidade, que iria enterrar as duas que discutiam e se achavam tão especiais, que iria deslumbrar as outras amigas. E sabendo de toda essa exigência muda, reconhecendo-a como uma armadilha doce, forçava-me a manter-me firme, a não me descair, a ignorar o interesse eivado de tantas segundas intenções da Monique.

Isto passou-se na segunda-feira. Consegui transcrever todos os apontamentos, devolvi os cadernos à Monique com um milhão de agradecimentos, nessa noite esforcei-me por estudar apesar de estar a cair de sono. Recuperei a matéria, na terça-feira sentia-me muito mais preparada e confiante, voluntariei-me para responder a perguntas dos professores, acertei todas e até demonstrei que conhecia as lições mais à frente. Em suma, fiz um brilharete.

Como tinha cumprido o meu grande objetivo, o de eliminar as consequências mais nefastas das minhas férias carnavalescas, que se podiam refletir no meu rendimento escolar e isso lançaria logo um alerta para o que eu andava a esconder, na terça-feira à noite deitei-me cedo e descansei o que me faltava descansar.

Tinha chegado a casa no sábado, ao início da tarde, vinda do aeroporto, vinda de Munique. Depois do jogo da taça dos campeões, a Carmen deixou-me dormir. Fui à tarde ao supermercado com ela, abasteciam a despensa e o frigorífico às quintas, contou-me. Ajudei-a a arrumar as compras depois, organizando tudo de acordo com as suas indicações. As prateleiras e os armários ficaram com um excelente aspeto, muito asseado, muito colorido. Jean-Marie chegou dos treinos e trouxe as meninas da escola. O jantar foi animado, jogos de tabuleiro no serão, uma sessão muito curta porque as meninas tinham de se deitar cedo e eu acompanhei-as. Deixei o casal na sala a ver um filme e a beber um licor.