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As minhas amigas descobriram que eu gostava de escrever. Viram-me de volta do meu caderno novo onde tirava apontamentos sobre o fim-de-semana que passara em Munique. Usava a esferográfica de quatro cores que causou sensação. Menti dizendo que tinha sido a minha tia Anita a trazer-ma de Lisboa. Naquela época a capital portuguesa tinha fama de ter lojas exclusivas que não existiam em mais lado nenhum no resto do país e onde se podiam comprar coisas diferentes que toda a gente invejava. Lisboa era também inacessível à maioria das pessoas com quem eu privava, pelo que seria impossível irem até à cidade procurar por uma esferográfica semelhante e confrontar-me com a sua inexistência. Também era provável que existissem esferográficas daquelas em Lisboa, mas não me dei ao trabalho de investigar para dar mais credibilidade ao meu relato.

A Monique já tinha recebido o pagamento integral do suborno de mil escudos para se calar em relação ao meu fim-de-semana misterioso e tinha mantido a boca fechada. A verdade era que não tinha informações sumarentas para partilhar. Ainda insistira comigo na segunda-feira, mas como eu lhe disse que não havia nada para contar, inventei que tinha sido uma coisa chata como um retiro espiritual com freiras enfadonhas, desistiu. Da minha parte conseguira convencer o meu pai de que precisava de material especial para a disciplina de educação visual e ele dera-me os setecentos escudos. A minha mesada das próximas semanas estava salva, para meu alívio, porque determinei que iria comprar assiduamente os jornais desportivos para ter mais recortes e novidades sobre os jogos das ligas alemã e italiana.

Por enquanto sonhava com a possibilidade de ver esses jogos ao vivo, no estádio, de ver Jean-Marie a guardar a baliza do Bayern e Diego a marcar golos decisivos pelo Napoli. A Carina tinha-me convidado para ver os jogos do clube local, o Farense, para o campeonato nacional de futebol. Fora duas vezes, dois domingos de Sol. Achei a partida medonha, as bancadas selvagens e a emoção inexistente. Quando me voltou a convidar inventei a desculpa de que me doía a barriga e já não apareci.

Aos poucos e sem que me apercebesse totalmente de que o fazia, adotava Jean-Marie e Diego como os representantes oficiais dos meus amigos belgas e argentinos. Eles andavam todos dispersos por vários clubes de diferentes países, na Europa e fora dela. Daria em louca e abria falência se me pusesse a tentar visitá-los a todos, para além de uma empreitada desse grau de magnitude ser totalmente impossível para uma miúda como eu, dependente a todos os níveis, com o tempo tomado na íntegra pela obrigação da escola e dos estudos.

Por enquanto havia competições de clubes e focava-me nessa realidade, que abarcava apenas Jean-Marie e Diego, o Bayern de Munique e o Napoli. Quando as seleções voltassem a ser convocadas, dar-me-ia ao luxo de sonhar reencontrar os grupos com os quais convivera no mundial.

E por enquanto também escrevia no meu caderno a maravilhosa experiência do meu último fim-de-semana, no segundo intervalo da manhã daquela quarta-feira, a gravar em cada frase manuscrita a minha extraordinária felicidade por ter vivido aqueles momentos. Não tinha medo que lessem as páginas que enchia com a minha letra arredondada. Tinha encontrado uma cifra para representar Jean-Marie e Diego, com as iniciais dos seus nomes. No meu novo diário eram JMP e DAM. Se me perguntassem, como me perguntaram, quem eram esses dizia que era uma história que estava a inventar com dois príncipes em reinos distantes, situados na Alemanha e na Itália medievais.

A Elizabeth com o seu habitual descaramento pediu-me que escrevesse uma história para ela.

– Serei eu a princesa – afirmou.

– E o príncipe? – perguntou a Monique.

– Tu vais ser a minha criada e vais estar apaixonada por aquele idiota do Miguel que nem te liga nenhuma. O Miguel vai ser um príncipe. Assim temos a razão de ele não te ligar nenhuma.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora