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No domingo antes da final da taça dos campeões, o Farense recebia o Futebol Clube do Porto, mas como tinha o estádio interditado devido a escaramuças que aconteceram com os seus adeptos, o jogo iria acontecer no campo do Portimonense, a sessenta quilómetros de distância. Portimão ficava pertíssimo de Lagoa e foi com espanto que recebi o convite da minha tia Anita para ir ver o jogo juntamente com o seu namorado Joaquim. Mais tarde soube que fora ele que conseguira os bilhetes. Ela lembrara-se de mim por causa do mundial, uma espécie de compensação por não me ter acompanhado nos estádios mexicanos. Deixei-a acreditar que me estava realmente a compensar quando não havia comparação possível entre um jogo entre seleções de países e clubes do campeonato nacional de futebol, nem com outros campeonatos nacionais, já agora. Depois do que me tinha acontecido, achava providencial que ela me tivesse deixado livre para a minha grande aventura no México.

Os meus pais concordaram em ir para Lagoa nesse fim-de-semana. Almoçámos excecionalmente na casa dos meus avós paternos e às três e qualquer coisa da tarde fui com a tia Anita e o Joaquim para Portimão no carro dele. Fez-me perguntas sobre futebol, sobre as minhas preferências clubísticas, falei com entusiasmo, tentando não me descair e revelar as minhas experiências na Alemanha e em Itália. A minha tia estava calada e não entrou na conversa. Ficara aborrecida com as pressões sobre o seu casamento, que foi o tema quente do almoço. Ela riu-se e divergiu todos os ataques, que ninguém se preocupasse porque iriam ser todos convidados, dissera a certa altura, espirituosa e com um sacudir elegante dos ombros, agira de uma maneira imperial como se não se importasse. Mas importou-se. Ficara especialmente incomodada com as piadas do meu pai, que até eu achara despropositadas. Trazia um livro consigo para ler que fora buscar ao escritório antes de ter entrado no carro. Fizera-nos esperar e eu achei que iríamos perder o início do jogo.

O meu receio revelou-se infundado. Entrámos no estádio a tempo e horas, não encontrámos nenhuma dificuldade em escolher um lugar. Os jogadores já tinham aquecido e faltava qualquer coisa como dez minutos para as quatro da tarde.

Estava habituada a grandes enchentes, os últimos jogos a que assistira tinham tido casa cheia, multidões, colorido, festa e foi uma pequena desilusão ver as bancadas quase vazias. Para começar, o Farense jogava em campo alheio e os seus adeptos não estiveram para se deslocar até Portimão. Depois, o treinador do Porto, Artur Jorge, iria poupar os titulares habituais para a final da próxima quarta-feira e apresentava uma equipa de segunda linha, com muitos jovens e outros suplentes, que não chamou gente para os ver.

A minha tia não chegou a abrir o livro. Na maior parte do tempo acabou por ver o jogo com o Joaquim e comigo, mantendo o manual no colo. Era uma distração diferente. Creio que a acalmou depois das provocações a que fora sujeita durante o almoço.

O dia estava muito bonito e quente, eu já usava manga curta. Fingi mais entusiasmo do que sentia, porque o embate entre farenses e portistas foi francamente mau. O Porto não estava interessado no resultado, apresentara-se para cumprir calendário – de resto o campeão daquela época estava mais ou menos decidido e seria o meu Benfica – e o Farense não tinha armas para contrariar o esquema tático do adversário.

No intervalo o Joaquim propôs ir buscar umas bebidas para nos refrescarmos e deixou-nos sozinhas. A tia Anita quis saber como estava a escola, as notas, se já sabia que área iria escolher para o secundário. Respondi-lhe que o ano correu bem, iria manter as boas notas, faltava menos de um mês para o fim das aulas, contava continuar na área da economia e da gestão. Ficou desapontada. E a História? A História será a minha paixão, o meu estudo paralelo.

De repente, perguntou-me:

– Trocaste moradas com o teu namorado mexicano? Vocês escrevem-se?

– Não... Sim!

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora