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Eu vi Diego, mas ele não me viu logo. Estava a conversar, entre o animado e o exasperado, com um homem que não reconheci. Pelo aspeto encolhido e algo deslumbrado, deduzi que fosse um qualquer voluntário espanhol que estava no estádio para ajudar com a logística do jogo. Diego não estava a ser particularmente simpático, precisava de alguma coisa que não lhe tinham trazido a tempo, mas o homem recebia a reprimenda naquela postura de escravo que não se importava de ser castigado por um senhor tão distinto. Depois de palavras que me pareciam brutas e secas, Diego enxotou o homem.

Ruggeri mencionou Maradona com espanto e ironia. Era por causa dele que eu tinha congelado? E riu-se. Pumpido puxou por Tata e chamou a atenção de Ruggeri com um estalar de dedos. Murmurou alguma coisa que eu não percebi, Ruggeri ainda respondeu que não se importava nada e seguiu os companheiros. Fiquei sozinha.

Diego topou-me. Aproximou-se e hesitou sobre qual a melhor abordagem. Enfeitava os lábios com um meio sorriso que, entre as sombras, resvalava enganadoramente para um esgar de impaciência. Recuei um passo, preparada para escapar-me da provável armadilha onde ele me apanharia na sua ofensa. Estávamos zangados, não estávamos? Naquele ponto do reencontro eu não tinha a certeza de nada.

Agarrou-me na mão, puxou-a, beijou-me os dedos. Demorou-se, senti-lhe o hálito contra a pele. Arrepiei-me.

– Olá, Tina.

Respondi, incerta:

– Olá... olá, Diego.

– O Valdano disse-me que tinha falado contigo. Esperava que viesses.

– Estou aqui.

– Pois estás...

O início da nossa conversa fora tenso. Eu não me expandia e ele não arriscava. Convenci-me de que o perdera e mordi os lábios, para reter as lágrimas que queriam transbordar. Ele continuava a segurar-me na mão, a usar o seu braço e o meu para criar entre nós a distância que nos fazia seguros nos respetivos redutos. Observava-me e desarmava-me. Eu fixava-lhe o rosto e queria lançar-me para cima dele num abraço, perguntar-lhe o que tinha acontecido, implorar-lhe que me perdoasse, eu não queria que as coisas tivessem mudado. O corredor do Rámon Sánchez Pizjuán criava uma nova barreira transparente entre nós que eu não sabia como derrubar. E já eram muitas barreiras acumuladas.

Ele relaxou e disse, passando brevemente os olhos pela minha figura:

– Gosto da tua camisola.

– Foste tu que ma deste... no México. Na manhã do dia em que foste campeão. Não a usei mais depois desse dia... a não ser uma vez em que resolvi armar-me em esperta e levá-la para uma aula de educação física em que jogámos futebol. Fui patética. Não sei jogar futebol. Escrevi-te isso numa carta, mas tu não gostas de cartas.

– Tu falas demais... quem te disse que não gosto de cartas? Adoro receber cartas tuas, Tina.

– Nunca me respondes.

– Estou sempre ocupado. – Pensou melhor e completou: – Já te respondi! Já te escrevi.

– Eu guardei o teu postal.

– Ah... afinal, recebeste a minha resposta.

– Sim, recebi. Eh, Diego...

– Diz.

Enchi-me de coragem e disparei:

– Quero ir a Nápoles.

– Claro – concordou de imediato.

– Preciso de ir a Nápoles – emendei, tão hirta e firme quanto uma viga de aço. – Decidi começar a escrever o meu livro de estreia e vai acontecer em Pompeia... em Nápoles. Preciso de fazer uma visita de investigação, digamos assim. Recolher informações, tirar fotografias e apontamentos, construir o enredo, definir personagens. – Respirei fundo. – É isso.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now