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Os professores resolveram aproveitar a pequena pausa nas atividades letivas de três dias do Carnaval para fazerem as reuniões habituais da avaliação intercalar e deram-nos mais dois dias suplementares. Assim, as férias iriam durar uma semana e era perfeito para poder descansar e estudar, pois tinha agendados dois testes, para a quinta e sexta, logo a seguir ao fim das férias. Um de filosofia, outro de documentação e legislação comercial, aquele que me assustava mais por ser uma matéria maçuda e complicada cheia de detalhes técnicos.

No dia onze de fevereiro, pela manhã, estava eu ainda de pijama a preguiçar no quarto, recebi um telefonema. Pensei na Monique. Ela tinha-me prometido que me convidaria para ir assistir ao corso carnavalesco de Loulé, mas quando colei o auscultador ao ouvido escutei a voz alegre de Jean-Marie. Anunciou-me que tinha comprado a passagem aérea para que eu fosse a Munique no fim-de-semana, ida na sexta-feira dia doze, volta na quarta-feira dezassete. Deu-me horários, instruções, ordens. Pedi-lhe calma. O que estava ele a dizer? Achava que tinha percebido bem, mas era demasiada informação repentina para que eu a processasse de imediato. Ele explicou:

"Vens ver o jogo de domingo no Olímpico. Vamos jogar para a taça da Alemanha e arranjei tudo para estarmos juntos. As meninas estão a pedir-me muito que venhas, Tina, já não as consigo ouvir. Tivemos a pausa de inverno, mas estive lesionado e, bom, também a tratar de uns assuntos aborrecidos, foi-me impossível falar contigo e convidar-te. Espero que não tenhas estado à espera em vão do meu convite... Se estiveste, peço desculpa. Compenso agora com umas excelentes férias. Até te arranjei um desfile de Carnaval e uma festa parecida àquela a que deves estar habituada nestes dias feriados, com música brasileira. Hum? Excelente surpresa, ma petite! O que me dizes?"

– Digo sim, claro! – respondi num grito.

Tinha prometido nunca mais usar a minha amiga Monique para justificar as minhas saídas clandestinas, mas não resisti e liguei-lhe depois de terminar a chamada com Jean-Marie. Perguntei-lhe se ainda estava de pé a combinação de irmos assistir ao Carnaval de Loulé. Ela hesitou um pouco. Tinha de estudar. Eu também tinha. Propôs-me estudarmos juntas, foi a minha vez de hesitar. Não posso e expliquei-lhe que iria passear. Ela ficou confusa, então qual a razão de me teres telefonado? Calei-me. Desisti de lhe pedir ajuda. Inventei que pensei que ela pudesse vir comigo, mas se tinha de estudar não podia ser. Atrapalhei-me na mentira, ela achou estranho, desatou a fazer perguntas de rajada. É novamente aquele teu namorado secreto, não é? Aquele italiano... Vais ter com ele no fim-de-semana e precisas de mim para mentir por ti. Há muito tempo que não falavas nele. Até pensei que já tinhas terminado tudo. Afinal, não. Diz-me como se chama. Diz-me para onde vais. E pedidos sem fim que me pressionavam, que me irritavam, que me apoquentavam. Cerrei os olhos com força, arrependida por ter cedido à minha necessidade de usar a Monique. Resolvi ser honesta e disse:

– Não vou para Itália, vou para a Alemanha. Será amanhã. Se me quiseres ajudar, tudo bem. Se não me quiseres ajudar, tudo bem também. Vou dizer aos meus pais que irei para a tua casa, para vermos o Carnaval de Loulé e para estudarmos, como já tínhamos combinado. Será uma meia mentira, porque terei os livros de filosofia e os apontamentos sobre documentação comigo, vão na minha bagagem. Portanto, Monique, tu decides se me vais denunciar ou não. Pouco me importa, sabes? Também não ficarei zangada contigo se me denunciares. Prometo que te tratei uma prenda da Alemanha.

"Estás mesmo apanhadinha, não estás?"

– Apanhadinha...

"Sim, caidinha por esse tipo."

– Talvez.

"Confessa lá, Cristina Velez. Eu não te vou censurar..."

– Sim, Mónica. Sim... É uma situação muito complicada e não quero que se saiba. Está bem? Por mim, mas também e principalmente por eles... por ele, quero dizer.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now