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No sábado aconteceu outro convívio. Uma ocasião mais calma que juntou num jantar a família do lado da Carmen, uma irmã de Jean-Marie e uns amigos chegados. Conheci os primos das meninas, mantive uma conversa agradável com um homem que era professor universitário que também escrevia poesia. Ele ficou a saber que eu pensava tornar-me numa escritora e quis saber tudo sobre os meus projetos literários. Elaborei a minha ideia do romance sobre Pompeia e ele foi muito simpático, incentivando-me com um entusiasmo delicioso. Sempre que encontrava jovens que gostavam de livros, confessou-me, alegrava-se como se renascesse. E depois esteve a declamar-me algumas poesias, em francês e em flamengo. Pelo canto do olho captava uns olhares desconfiados de Jean-Marie que se mostrava enciumado por eu estar a ser monopolizada pelo professor.

Ajudei a Carmen a levantar a mesa, a arrumar a loiça, a servir as sobremesas. Fui elogiada por ser uma rapariga bem-comportada e acanhei-me com o apreço que me demonstraram, porque estava ansiosa por ir-me embora. A minha viagem estava marcada para o dia seguinte, à noite, e eu antecipava um domingo preguiçoso a fazer malas, um último passeio e ficava livre. Escapulia-me daquela semana que se tinha passado relativamente rápido, como eu comprovava com um indesmentível sentimento de alívio.

Após a refeição, juntaram-se todos na sala, de volta de digestivos e de salgadinhos. A aparelhagem de som debitava uma música ambiente estilo Jazz que não interferia na conversa amena que se desenrolava entre eles. As crianças tinham saído para o jardim das traseiras para jogos e eu vi-me, de repente, sem conseguir enquadrar-me em nenhum dos grupos. Não me apeteceu ir para a sala, onde se falava maioritariamente flamengo que eu não entendia, nem ir para o jardim servir de árbitro às brincadeiras dos miúdos.

Meti-me na casa-de-banho a lavar as mãos e a olhar-me ao espelho. Conversava em surdina comigo mesma para me convencer a ir para um ou para outro lado, esgrimindo argumentos positivos e negativos sobre qualquer um dos ambientes. Com os mais velhos ou com os mais novos? Vá lá, Cristina, não te podes esconder para sempre. Acabei por decidir afastar-me durante alguns minutos até que a escolha se me afigurasse como definitiva.

Reparei na porta entreaberta de uma sala que a Carmen gostava de utilizar para ler e para relaxar. Era uma espécie de refúgio onde tinha alguns minutos para si. Tinha-mo mostrado depois da festa de aniversário da Kelly. À minha cara de espanto respondeu que era um recanto novo que exigira a Jean-Marie no início do ano. Fizeram algumas obras na casa e, durante a remodelação, criaram aquela sala. Havia um sofá, uma estante cheia de livros, um móvel baixo equipado com uma televisão e um gravador de vídeo, algumas cassetes guardadas na gaveta desse móvel, material de escrita, um bloco de notas, lápis e esferográficas numa mesa que acompanhava o sofá. As cortinas da janela eram brancas e a decoração fazia-se em tons claros.

Acendi o candeeiro que estava sobre o móvel, acendi também a televisão. Agarrei no comando e pus-me a navegar pelos canais, que eram bastantes mais do que aqueles que eu tinha em casa, que juntava a emissão da televisão portuguesa e da espanhola, um privilégio que quase ninguém usufruía, as minhas amigas só podiam ver o par de canais disponibilizados pela televisão pública portuguesa. A maioria dos canais ali estava em flamengo, apanhei alguns em alemão, um em inglês e outro em francês. Os filmes e as séries eram todos dobrados e tornavam-se incompreensíveis para mim. Mesmo assim demorava-me na programação de cada canal, a ver se reconhecia o que estava a ser transmitido.

Detive-me nas notícias. Achava piada aos jornalistas, aos cenários, à forma séria como apresentavam cada peça e bloco informativo. O estilo não era muito diferente daquele que eu via em Portugal, embora por detrás houvesse mais cores e se usasse roupas que me pareciam caras e vistosas. Os jornalistas portugueses eram mais sóbrios a vestir. Devia ser característica do país, cogitei olhando para mim. Sempre me achava malvestida quando vinha à casa de Jean-Marie. Estive a acompanhar declarações de políticos e um desfilar de imagens que mostravam searas, portos e aviões, a ver se identificava alguma coisa reconhecível. Os meus esforços foram infrutíferos.

Aqueles Dias de MaravilhaМесто, где живут истории. Откройте их для себя