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Não fui para Nápoles na sexta-feira, dia vinte de outubro. Acabei por ir apenas no domingo de manhã e foi uma viagem enervante, com muitos contratempos que me deixaram tão inquieta que chorei por duas vezes, uma de raiva, outra de desespero. Estive enganada no aeroporto o dia inteiro de sábado e quando aí regressei no domingo, já não acreditava que o jato particular fosse aparecer. Mas apareceu e pude finalmente embarcar.

Cheguei à cidade italiana no início da tarde. Comi piza frita numa das barracas que se dispunham em redor do estádio, absolutamente deliciosa. Só não repeti a dose porque o jogo estava a começar e havia muita confusão nas entradas. Tinha de me apressar para evitar ser envolvida. Os adeptos milaneses provocavam os napolitanos e tinha havido escaramuças que a polícia local debandou com algum laxismo. Dir-se-ia que desejavam que os forasteiros fossem apanhados numa emboscada e molestados para lhes dar uma lição, já que aparentemente não estavam a respeitar os anfitriões.

Vi a primeira parte do jogo do Napoli contra o Inter de Milão num estado de exaustão que resvalava para a apatia. Não ajudou o facto de não ter havido golos nesse tempo e distraía-me bastantes vezes, a pensar no que fazia ali, se tinha feito bem em ter vindo, se não devia ter desistido da viagem assim que a minha saída de Portugal fora atrasada de sexta para sábado, e a seguir para domingo.

Forcei-me a concentrar-me no jogo, porque era estúpido e bastante inútil da minha parte ignorar o que acontecia no relvado. A única razão da minha presença em Nápoles era a possibilidade de ver Diego jogar e, se não estava a vê-lo jogar, então é que aquela canseira toda não se justificava.

Pela equipa do Napoli estreava-se um rapaz chamado Marco Baroni que foi muito aplaudido durante o aquecimento e sempre que cortava as linhas de passe do Inter, pois jogava à defesa. No ataque napolitano tínhamos Carnevale e Careca que Maradona tentava servir com entregas que anulassem o muro recuado que fechava todos os caminhos até à baliza de Walter Zenga. Por parte dos visitantes, reconheci o tal rapaz loiro da final com o Estugarda, o alemão muito talentoso chamado Klinsmann. Ele tentava mostrar serviço, afinal era a sua primeira época no Inter, mas Ciro Ferrara marcava-o muito bem e não lhe concedia espaço. Também me apercebi dos outros dois alemães do Inter, o Brehme e o Matthaeus que tinham vindo transferidos do Bayern de Munique e que eu vira jogar na final do mundial pela Alemanha. Eram meus velhos conhecidos! Sorri, satisfeita, por revê-los, por estar a assistir a um jogo excecional, com tantas estrelas num e noutro lado do campo. O degelo acabou por acontecer, senti-me revigorada e aproveitei melhor a segunda parte.

Os dois golos do Napoli contribuíram para restaurar o meu entusiasmo. O primeiro por Careca, assistido por Alemão que, por sua vez, recebeu o passe de Diego que fez uns malabarismos com a bola que arrancaram um aplauso sonante das bancadas. O segundo golo aconteceu dez minutos depois e foi marcado pelo próprio Diego que jogou muito bem na partida, longe daquela imagem pálida e desencantada que me deixara naqueles infelizes vinte minutos em Alvalade. Ele acabou por ser decisivo na vitória do Napoli que mantinha, assim, a liderança na Serie A. Notei também que a equipa se mostrava mais confiante, mais firme na tática do novo treinador, nas posições que ocupavam em campo, na forma como deviam trocar o esférico entre si. Por oposição, o Inter mostrara insegurança quando o guarda-redes Zenga teve de ser substituído depois de uma lesão, no início da segunda parte. Todos esses fatores ajudaram a que o San Paolo, no final, cantasse mais uma vitória preciosa que alimentava o sonho de revalidarem o título de campeões italianos.

A seguir ao jogo não sabia muito bem o que fazer. Fui para a zona restrita junto à saída dos balneários. Assim que cheguei aí, descobri que era uma péssima ideia. Muitos adeptos napolitanos concentravam-se atrás das baias metálicas, entoando cânticos que ofendiam o Inter, o seu treinador e jogadores. Aguardavam a saída do autocarro do clube de Milão para acompanharem-no com essa humilhação que encerraria as hostilidades do domingo.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now