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O casamento de Diego e Claudia iria conhecer três momentos. O registo civil, a cerimónia religiosa e o copo d'água. Estava tudo marcado para o dia sete de novembro, terça-feira, pelo que tínhamos a segunda-feira livre. A minha ideia era descansar, não fazer nada durante um dia inteiro. Dormir, preguiçar, vegetar, todos os verbos que se utilizavam para descrever uma pachorrenta inação pululavam-me na mente e eu sorria interiormente, a antecipar os momentos de puro ócio com que esperava desgastar hora após hora, sem preocupações e sem remorsos.

Só que não me deixaram fazer o que eu queria...

Chegámos no dia seis de novembro, segunda-feira, a Buenos Aires. Quando desembarquei ia trôpega e impertinente por causa do sono muitas vezes interrompido, cumprido na posição pouco natural proporcionada por duas cadeiras de avião que, por muito que estivessem reclinadas, não se assemelhavam ao conforto de um colchão horizontal. Fazia um sol demasiado brilhante e havia um calor demasiado húmido às nove da manhã ao descer a escada do avião. Baixei a cabeça e mantive-a assim para esconder os bocejos que surgiam de cinco em cinco minutos.

Levámos cerca de duas horas e meia do aeroporto, após cumpridas as formalidades da imigração, carimbos em passaportes e verificação de documentação, até ao hotel que alojava os convidados do espetacular casamento. Na rua em frente juntava-se uma pequena multidão de curiosos vigiada por agentes da polícia para evitar abusos, que esperava ver algum famoso e obter autógrafos.

A Marta deu-me meia hora para estar despachada. Deveria encontrar-me com ela e com as outras mulheres no átrio do hotel para um curto passeio, seguido do almoço. Ela tinha a cara pisada e arrastava o discurso, mas pareceu-me mais composta do que eu. Concordei com o programa, não estava em condições para uma discussão em que deveria demonstrar uma argumentação sólida para justificar as minhas escolhas. A minha indignação revolveu-se numa onda viscosa, para se dissipar sem que a pudesse segurar e servir-me dela para demonstrar algo diferente daquela modorra que me vestia de cima a baixo.

Os trinta minutos que me foram concedidos deram apenas para um duche de água morna, mais para o frio, para ver se despertava, e para mudar de roupa. Deixei a bagagem para depois. Voltei a ser um adorno no círculo das mulheres, por vontade própria, não porque me ostracizaram. Não queria estar ali, mas escapar-lhes parecia-me de uma tremenda ingratidão. Sentia-me estúpida por aceitar obedecer e também me sentia estúpida se armasse uma cena. Naquela contradição, deixei-me levar, como uma marioneta. Houve algumas tentativas para me incluírem nas conversas, mas reagi de uma forma um pouco seca e bruta ou nem sequer respondi, ignorando-as com aquele desdém pomposo que me tornava antipática. Perceberam que a diferença horária estava a afetar-me, espantavam-se com o meu aspeto deplorável, aceitavam a minha inaptidão e o meu desajuste, pararam de insistir comigo.

O passeio levou-nos a uma rua de lojas onde algumas fizeram compras e demoraram tempos infindos para escolher uma peça de roupa, um par de sapatos, uma carteira, um frasco de perfume ou uma caixa de maquilhagem. Com tanta hesitação, ronha e vaidade acabámos por nos sentarmos para almoçar passava das duas da tarde. O restaurante estava previamente reservado para nós, uma sala discreta nos fundos para não sermos incomodadas pelos restantes clientes, que voltaram a cabeça e cochicharam quando passámos, reconhecendo os rostos de algumas das mulheres.

No fim do almoço, um sortido de carnes grelhadas perfumadas servido com saladas diversas, estava catatónica. Comi mal, saboreei menos ainda, só sonhava com uma cama e com um travesseiro. Marta comunicou-me que estava marcada uma sessão longa, que demoraria a tarde toda, no salão de beleza do hotel, que incluía massagens relaxantes, tratamentos com águas termais, banhos de imersão, cabeleireiro, manicure, pedicure, depilação, maquilhagem, revitalização do corpo e uma série de diversas atividades para que nos puséssemos tão bonitas quanto uma estrela de cinema. Pareceu-me um exagero e até uma desconsideração para com Claudia, a noiva. Ela é que devia brilhar acima de todas as outras mulheres da festa. Um zumbido persistente filtrava as palavras de Marta e não me achei capaz, mais uma vez, para seguir para uma discussão que iria perder. Entremostrei um sorriso torcido, agradeci-lhe a informação, mas queria dormir um pouco. Se o salão estava marcado, eu podia aparecer depois e era o que contava fazer. O rosto dela descontraiu-se e, naquela sua voz doce, disse-me que podia fazer como entendesse.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now