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Ao ser readmitida no círculo feminino, integrada no cortejo que acompanhava, ajudava e mimava Claudia, experimentei um misto de resignação e de repulsa. Aquele era o meu lugar, mas não pude evitar uma ligeira impressão de contrariedade, de vontade de evasão do que me queriam impor por uma simples mania de me mostrar caprichosa e rebelde.

Acatei, contudo, o que me ofereciam e resolvi tirar o melhor proveito da situação. Como era uma rapariga incomodavam-me pouco e não me tinham em consideração para prestar uma ajuda mais direta ou dar um conselho mais específico. A Marta trouxera-me, mas depois largara-me num canto que achou seguro para mim e foi aos seus afazeres. Agradeci a invisibilidade. Não me apetecia fazer parte do corrupio que criava contornos de furacão. Descobri que, à medida que as horas passavam e o casamento na igreja se aproximava, ia ficando cada vez mais ansiosa, tão nervosa quanto Claudia que estava completamente alterada, muito diferente da mulher composta e serena que vislumbrara na sala de madeira envernizada do tribunal, debruçada sobre uma enorme mesa, a assinar folha atrás de folha com um meneio de mão ligeiro e fluido, a fazer soar a pulseira de ouro que usava no pulso direito. E era por causa do estado periclitante da noiva que as mulheres se agitavam e se afadigavam, tentando aliviá-la das penas, das preocupações e também das dúvidas.

Claudia fazia corridas mais ou menos desesperadas para a casa-de-banho onde chorava e vomitava, lamentando-se, resmungando e gemendo. As suas palavras eram ininteligíveis. Tentei perceber-lhe os queixumes entrecortados, mas foi impossível, porque eram abafados pela porta fechada e pelo alento das amigas, da irmã, da mãe que estavam com ela. Também não cheguei a perceber o que a apoquentava. Fiquei chocada por estar a fazer todo aquele escândalo quando devia estar feliz e radiosa, como sempre imaginei as noivas, como vira tantas vezes nos filmes românticos ou lera nos contos de fadas em que as princesas casavam com o seu príncipe encantado e viviam felizes para sempre.

As minhas tias tinham todas casado quando eu era criança e, na minha inocência, não tinha reparado que estivessem a sofrer no que era, em teoria, o dia mais feliz das suas vidas. Desses casamentos recordava-me sobretudo da comida abundante, da música alta, das brincadeiras com as outras meninas, das bebedeiras dos homens, dos pequenos rituais obrigatórios que tinham no lançamento do ramo de flores o seu ponto alto. Por isso, via com alguma estranheza e um certo ceticismo os achaques de Claudia e os exageros das outras mulheres que, numa espécie de pânico mais ou menos controlado, lhe acudiam com palavras e gestos impregnados de bonomia e de paciência, tentando que se acalmasse.

Deduzi que a Claudia, de alguma maneira, se tinha arrependido de casar com Diego e percebera que, naquela fase, com a parte civil terminada, o contrato assinado e legalmente reconhecido como válido, não podia voltar atrás. Imaginei uma série de hipóteses que podiam ter levado àquele medo paralisante, porque se tratava de puro pânico, tal como descrito nos piores livros de terror, que podiam incluir revelações impúdicas sobre os deslizes do seu futuro marido. Acabei a descartar todas, incomodada com o meu deleite em ver o casamento adiado ou mesmo anulado. Estava a ser maldosa e uma completa idiota, se pensava que essa atitude sabotadora me levaria a ganhar alguma coisa.

Mantive-me a observar o que sucedia à minha volta. Não me voluntariei para ajudar e, desde que não atrapalhasse ou fosse indiscreta, já contribuía para não agravar a barafunda. Para além de assistir ao que a Claudia fazia, também vigiava os passos de Marta, pois se tinha vindo com ela, haveria de sair com ela para a igreja. Tentava que a mulher de Valdano não se esquecesse de mim e me deixasse pendurada, dependente da boleia de estranhas.

Fui até à cozinha beber um copo de água. O dia estava quente e precisava de me refrescar. Também tinha fome. Havia uma mesa posta com algumas iguarias numa sala decorada com flores e grinaldas de tule branco, mas não me atrevi a comer, temendo ficar enjoada e não aproveitar a festa da melhor maneira.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now