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– Cristina!

Voltei-me. Jorge Valdano acenava-me. Sabia que ele iria ser o meu acompanhante, Diego tinha-me deixado essa indicação quando falámos ao telefone sobre os detalhes da minha viagem para a Argentina. No terminal, depois de levantar os bilhetes, devia procurar por Jorge Valdano e estar sempre ao seu lado. Ele ia viajar com a esposa, mas não se importava de me adotar durante aqueles dias. Teria alguém a cuidar de mim, que o faria com os mesmos escrúpulos e atenção do que Jean-Marie, outro pai emprestado, um tutor não oficial. As preocupações da minha mãe eram completamente infundadas. Os meus deslizes estariam condicionados pela vigilância de um adulto, já que ainda não atingira a maioridade. Estava a ser injusta e maldosa, sabia-o. A minha mãe ficaria certamente mais descansada se soubesse que Jorge Valdano iria proteger-me e orientar-me, mas como podia explicar-lhe isso sem admitir a minha ligação com Diego e que o conhecia ao ponto de ser convidada para o seu casamento mediático? Quando estivera no cabeleireiro topara com algumas referências ao matrimónio do futebolista na página das notícias curtas das revistas de mexericos.

Esqueci esses dilemas, apaguei-os resolutamente como quem passava uma esponja por uma ardósia riscada de giz branco. A minha mãe não iria perder o sono por causa de mim e eu também contava dormir sem pesadelos nas minhas noites argentinas.

Juntei-me a Valdano, cumprimentámo-nos com um aperto de mão. Perguntou-me se já tinha o bilhete, mostrei-lhe o envelope retangular. Levantara-o no balcão de apoio e informações. Seguia-se a alfândega. Ele pediu-me que estivesse sempre consigo. Evitei revirar os olhos, as suas cautelas pareceram-me ligeiramente exageradas.

Diego tinha fretado um avião comercial, um Boeing 747, para transportar os seus convidados europeus. O presidente do Napoli, companheiros de equipa do clube, outros amigos argentinos da seleção que se encontravam a jogar na Europa, pessoas que ele desejava ter na sua festa. No fim da lista... eu. O avião partira de Itália, depois de fazer duas escalas em Nápoles e em Milão, acabava de aterrar em Madrid para recolher os últimos passageiros. A sua última paragem seria em Buenos Aires.

Perguntei:

– Fiquei com uma pequena dúvida... Diego vai connosco?

– Não. Diego só parte amanhã de Nápoles, no avião particular – esclareceu Valdano. – Precisa de acertar algumas coisas antes... Cá para mim, é só uma desculpa. Ele está nervoso com o casamento e quer fazer as coisas ao seu ritmo para não se enervar mais.

– Oh! É normal, Jorge. Se eu me fosse casar também estaria uma pilha de nervos. Tu não estavas, quando te casaste?

Sorriu-me.

– Admito que estava nervoso, sim. E o meu casamento nem foi um quinto do festival que este vai ser. Prepara-te para um espetáculo exagerado, a roçar o concurso de televisão.

– Ah... a sério? Quando me casar quero uma festa discreta. Meia dúzia de convidados.

– Maradona não se pode casar discretamente, mesmo que quisesse.

– Tens razão.

Passada a alfândega, fomos para uma sala de espera ampla, um tanto ou quanto impessoal, decorada com as habituais cadeiras de plástico desconfortáveis dispostas em ilhas. Talvez esperasse um lugar exclusivo que fosse acolher pessoas tão ilustres, famosas e extraordinárias. Para mim os jogadores de futebol eram as estrelas mais brilhantes do céu ocupado pelas constelações de artistas de qualquer sorte. Não escondi o meu desapontamento ao verificar que na sala até estava frio. Fechei o casaco.

Circunvagava o olhar pelo espaço, observando casualmente quem entrava na sala. Deduzi que seriam só aqueles que iriam apanhar o avião em Espanha. A parte italiana já estaria a bordo. Então, passei a achar a sala demasiado grande, um lugar arranjado à pressa sem qualquer cuidado para com o gabarito dos seus frequentadores. Semicerrei os olhos e pus-me a remoer insultos mais ou menos inofensivos contra os espanhóis, que eram os adversários históricos dos portugueses, que continuavam a ser desleixados e arrogantes. Se o avião fizesse escala em Portugal até música haveria nos altifalantes calados, uma mesa com canapés, sorrisos de açafatas contratadas. E tudo isso não seria pago com o dinheiro de Diego, atenção! A direção do aeroporto faria o agrado por simples cordialidade, para demonstrar como se sentiam honrados por fazerem parte da festa matrimonial do maior jogador de futebol do mundo. Os espanhóis precisavam, definitivamente, de umas boas lições sobre como receber bem... Lembrei-me que a passagem de Diego por Barcelona não fora das mais gloriosas e cogitei que qualquer pretexto servia para castigá-lo com uma sobranceria estudada que tinha como último objetivo o espezinhamento com requinte. Quem visse de fora, não percebia nada de mal. Só quem estivesse por dentro da questão é que se apercebia das minúsculas atitudes mesquinhas que magoavam subtilmente sem causar um ferimento evidente.

Aqueles Dias de MaravilhaWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu