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O meu pai atendeu o telefone ao fim do segundo toque. Acabava de entrar na sala e, antes de se sentar no seu cadeirão para ler o habitual jornal diário, resolveu calar o aparelho para ter um sossego mais completo naquela hora do fim do dia.

– Está um Diego ao telefone. Pensei que essa história do namorado mexicano já tinha terminado.

Levantei os olhos do caderno onde escrevia um pequeno texto para o jornal da escola, a ser publicado na primeira edição do ano. Tinham-me feito a encomenda e eu esforçava-me para mostrar os meus dotes de escritora. O tema era livre e eu escolhera falar sobre as perspetivas dos jovens no fim do secundário. Trabalho, universidade, formação profissional específica, uma viagem pela Europa, a falta de alternativas.

Pestanejei.

– Um... um Diego?

– Sim. Um Diego que fala espanhol e que está a ligar de longe. Vais atender e depois já explicas de quem se trata.

– Conheci-o em Lisboa, na biblioteca da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, quando lá estive em setembro – esclareci, atropelando as palavras, pondo-me de pé. Larguei o caderno e a esferográfica no sofá. – Ele ajudou-me com as pesquisas para o meu livro, foi muito simpático, trocámos números de telefone. Ele não é o meu namorado... mexicano. – Engoli a saliva que tinha na boca. – Não existe nenhum nam...

– Vai atender o telefone – cortou o meu pai, ríspido. – Depois já conversamos!

– Posso atender no quarto?

Recentemente, o meu pai tinha instalado uma segunda linha no seu quarto, para não ter de vir à sala quando recebia chamadas fora de horas dos seus colegas com problemas do trabalho que era imprescindível resolver. Servia também para que o meu irmão espiasse as minhas conversas telefónicas com a Monique ou com a Marta, mas acabava por ser útil quando eu pretendia privacidade e alongar-me no assunto. Fechava-me no quarto, encostava a porta, sentava-me na cama – o aparelho estava na mesa-de-cabeceira –, e fazia os telefonemas com outro espírito, sabendo que não estava tão exposta se estes acontecessem na sala onde se reunia a família.

O meu pai fez uma careta de desagrado.

– Se quiseres ouvir o telefonema todo usas este telefone, enquanto eu estiver no quarto – propus, ao mesmo tempo que rezava para que o meu pai recusasse a proposta. Não seria a mesma coisa falar com Diego com alguém da minha casa a ouvir-nos. Seria, para começar, uma chamada curta.

– Não, não quero ouvir nada – negou, mas notei que hesitava.

– No quarto ouve-se melhor – arrisquei a nova explicação. – E se é uma chamada de longe... de Lisboa...

– Não me parece ser de Lisboa.

– Mas é. O Diego está em Lisboa. Deve ser só impressão tua.

– Vai lá para o quarto. Mas depois quero-te aqui na sala para me contares quem é esse Diego.

– Já te disse. É um professor... melhor, é um aluno da Universidade de Lisboa que me ajudou com as pesquisas bibliográficas para o meu livro.

– Que livro, Cristina?

– O meu primeiro romance.

– Ah, essa fantasia... vai lá atender o rapaz. Mas depois voltas, que eu quero que contes melhor essa história.

Saltitei até ao quarto. Cumpri o procedimento habitual. Encostei a porta, sentei-me na cama, levantei o auscultador. Tapei o bocal e gritei ao meu pai, dizendo-lhe que podia desligar do seu lado. Ouvi o clique e foi só então que falei.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora