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O estádio Ramón Sánchez Pizjuán servia o Sevilha, o clube que ostentava o nome da cidade. Havia outro clube grande andaluz, o Bétis, mas era o primeiro, mais famoso e com um palmarés mais impressionante, que todos conheciam melhor.

À volta do estádio já se notava o ambiente efervescente que precedia os jogos importantes. O encontro entre espanhóis e argentinos reunia muita gente na praça a fazer uma festa tremenda, num ambiente típico das grandes competições internacionais, em que duas nações mediam o seu talento e a sua força no relvado com uma bola pelo meio. O alvoroço era de tal modo ruidoso que facilmente se esquecia de que se tratava de um jogo amigável, sem consequências para nenhuma das seleções.

Distraí-me alguns minutos com os adeptos espanhóis que disputavam alegremente com os adeptos argentinos servindo-se de bombos e cornetas, mostrando à parte contrária quem fazia mais barulho. Viam-se barracas a vender cachecóis e bandeiras, ao fundo alguém montara um churrasco que despedia rolos de fumo branco que enchia o ar do perfume da carne grelhada. O meu estômago contraiu-se ligeiramente porque estava cheia de fome, mas ao consultar pela quinquagésima vez o meu relógio de pulso lembrei-me aflita de que estava atrasada.

O autocarro tivera uma paragem imprevista numa das pequenas localidades que antecediam a cintura metropolitana de Sevilha. Fora um acidente, pelo que consegui perceber. Do meu lugar não avistei nada, já que viajava perto da coxia com uma senhora muito gorda no lugar da janela, que no início descerrou a cortina e levou a viagem toda a dormir, a roncar alto, a fungar e a resfolegar como uma baleia que tivesse ali encalhado. Essa pequena demora atrasou a nossa chegada numa hora, o que queria dizer que estava a encontrar-me com Valdano já passava das cinco da tarde, quando o combinado tinha sido pelas quatro horas.

Junto ao enorme recinto desportivo existia um prédio, colado a uma das paredes altas que delimitavam a bancada desse lado. Segundo as instruções de Valdano o nosso ponto de encontro aconteceria aí e rumei para a entrada envidraçada que deixava ver uma receção. Abri a porta e entrei. O espaço era muito branco, a condizer com a cor do clube do Sevilha. Nas paredes alvas espalhavam-se quadros com camisolas emolduradas que ostentavam autógrafos dos futebolistas que as usaram. Não me aproximei de nenhuma para verificar nomes e assinaturas. Temia que Valdano já não estivesse à minha espera, mas, para meu grande alívio, ele veio ter comigo. Abriu-me os braços, sorria-me e caminhava com uma elegância que me acanhou. Como habitualmente, eu estava despenteada, a roupa amarrotada, os pés a doerem-me, sedenta e esfomeada. Ainda não tinha aprendido a disfarçar ou conter os efeitos das viagens prolongadas.

Apertámos a mão. Pedi-lhe desculpas, contei-lhe brevemente sobre os motivos do atraso do autocarro. Não vamos pensar mais nisso, disse-me, não se consegue recuperar o tempo perdido e daqui temos de ir imediatamente para a zona reservada onde vais encontrar-te com os argentinos. Ou seja, não iria comer nada, nem beber. Trouxera dois lanches a conselho de Valdano, um deles já o tinha comido e que me servira mais ou menos de almoço, mas apetecia-me qualquer coisa quente. Um café, um chá, leite... Pelos vistos, teria de aplacar esse meu desejo. Ele falara-me que em Sevilha fazia calor, mas chegada ali deparei-me com um tempo nublado e um pouco fresco. Espirrei. Ele observou-me com um "hum" de desaprovação.

– Estás mal agasalhada, Cristina. Tinha-te deixado recomendações sobre o que devias vestir, lembras-te? Essa camisola é de verão. Nem os jogadores vão jogar vestidos dessa maneira, hoje.

– Não tenho outra camisola – disse e voltei a espirrar.

– Mau! Não quero que fiques doente.

– Não vou ficar doente. Dentro de casa está-se melhor – avaliei, olhando em volta. Na receção havia um balcão com uma mulher que se distraía com agendas e outra papelada, escutava vozes atrás de uma porta entreaberta. Ninguém se juntou a nós, depreendi que Valdano tinha tratado de tudo e que era só seguir o guião que ele predefinira.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now