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As minhas férias do Carnaval, naquele ano de 1987, iriam ser especiais e inesquecíveis. Beliscava-me de vez em quando para certificar-me de que não sonhava, de que não imaginara aquele telefonema de Jean-Marie. Iria mesmo acontecer-me! Três jogos de futebol em dois países diferentes, um deles inserido nas espetaculares competições europeias.

Fiz um ultimato em casa, lavado a lágrimas. Ou deixavam-me ir passar a semana do Carnaval fora, ou fugia dali e nunca mais me punham a vista em cima. Estava determinada em cumprir a ameaça. E o mais assustador foi que os meus pais não me deram assim tanto crédito, embora estivesse em condições de cumpri-la. Enfiava uns poucos pertences na mochila, partia à boleia e tinha casas que me podiam acolher na Alemanha e em Itália.

Bem, em relação a Itália ainda era uma grande incógnita, mas acreditava que se porventura aparecesse em Nápoles, Diego não me fecharia a porta na cara.

Estava bastante curiosa em relação ao que Jean-Marie tinha arranjado para mim com o empresário do argentino. Fizera um mistério enorme, como se fosse um assunto tabu, como se lhe custasse admitir para si mesmo que estava a entregar-me nos braços de alguém que ele temia, desconsiderava e desconfiava. Falámos mais uma vez ao telefone para me dizer que já estava tudo tratado. Partida no dia vinte e sete de fevereiro, regresso uma semana depois, no dia sete de março. Iria faltar às aulas na quinta e na sexta, mas não me importava. Era inteligente e recuperaria depressa a matéria. Perguntei-lhe em relação a Nápoles, como é que iria ser, se também iria de avião. Sim, vais de avião. E os bilhetes? Depois vemos essa questão de Nápoles e fechara-se em copas. Eu resolvi confiar nele, nem estava na posição de me pôr com exigências. Continuava uma pobretanas dependente da sua generosidade e devia mostrar-me agradecida. E foi o que fiz. Mostrei-me agradecida.

Os meus pais não cederam imediatamente. Pediram-me para parar com o drama, zangaram-se comigo, disseram que me punham de castigo o que me exasperou ainda mais. Reforcei a ameaça, eu fujo mesmo de casa! Vocês pensam que me podem impedir, mas não podem. Nessa noite não vi televisão na sala, mandaram-me para o quarto para me ir deitar a seguir ao jantar. Fui. Chorei rios de lágrimas, achando-me a rapariga mais infeliz do mundo, alguém que tinha à mão uma riqueza enorme, mas que era impedida de desfrutá-la por forças negras que me sabotavam constantemente.

Se eu não conseguisse ir a Munique e a Nápoles jurei que me atirava do prédio abaixo, tal era o meu desespero.

Passada a pequena tempestade caseira, o meu pai chamou-me e fez-me imensas perguntas. Onde é que iria e com quem iria. Falei outra vez na Monique, já a tinha colocado de sobreaviso e ela exigira-me a módica quantia de cinco mil escudos. Era uma semana inteira, havia mais dias para ser apanhada na mentira. Nem regateei o preço astronómico, que fossem os cinco contos, queria lá saber. No fim do inquérito, o meu pai calou-se. Meneou a cabeça, resmungou, voltou-me costas. Iria conferenciar com a minha mãe.

Não sei o que possam ter discutido. Creio que a situação do meu tio deve ter influenciado alguma coisa na sua decisão. O ambiente estava pesado e soturno na nossa família, a minha mãe consumia-se numa preocupação crescente. Eu não sabia como estava o meu tio porque me escondiam os diagnósticos, as esperanças e as desilusões. Mesmo que quisesse saber não podia ajudar, não queriam a minha ajuda. No fundo não tinha qualquer peso no que estava a acontecer. A minha ausência não causaria mossa. Então, autorizaram-me a passar a semana fora. E talvez para os meus pais acabasse por ser mais fácil lidar com a doença do meu tio sem uma adolescente intratável por perto.

Ao receber a notícia devia ter-me alegrado, mas não me alegrei. Limitei-me a agradecer. A minha luta para alcançar aquele resultado favorável fora demasiado árdua e conhecera momentos de dúvida tão intensos que me secou a capacidade de ficar contente com a vitória. Estava extenuada.

No último dia de aulas, na sexta-feira, vinte e sete de fevereiro, fui para a escola com a habitual mochila, desta vez mais inchada porque iria precisar de mais roupa, apesar de saber que não seria a roupa suficiente.

À medida que as horas iam avançando, a capa de gelo que me recobrira estalava e derretia, mercê de uma primavera longínqua que se aproximava cada vez mais. Sentia como se estivesse dormente num lugar escuro e que o Sol fendia lentamente a cúpula que me aprisionava. A luz amarela e quente beijava-me a pele e eu mexia os dedos que despertavam, energizados e ansiosos.

Paguei dois contos à Monique, ela arregalou os olhos.

– Onde arranjaste este dinheiro todo?

– Pedi ao meu pai – esclareci. – Disse-lhe que não podia depender somente da tua caridade, que tinha de ter dinheiro para pagar-te um lanche ou outro, para te comprar uma prenda e uma prenda para a tua mãe que vai ter todo este trabalho comigo.

Guardou o par de notas na bolsa lateral da sua mochila com um gesto brusco.

– Estás a dever-me três contos – ciciou ameaçadora.

– Pago sempre as minhas dívidas, não te preocupes.

– Vais ter outra vez com o teu namorado secreto?

Sorri.

– Sim! – confirmei. – Vou ter outra vez com o meu namorado secreto.

– Eu sabia. És uma sonsa.

– Algum dia mostro-te o meu namorado secreto.

– Deve ser alguém bastante especial, para esconderes dos teus pais e para gastares uma fortuna comigo para te safar o pelo.

– Sim, é um namorado bastante especial.

– És pior do que a Elizabeth! – censurou com uma gargalhada.

– A Elizabeth não é a minha única inspiração para a história da princesa.

– Pois.

Aqueles Dias de MaravilhaTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon