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Empenhei-me no meu regresso às aulas que iriam começar em outubro. Nas duas últimas semanas de setembro fui tratar do material que iria usar no nono ano do ensino secundário. Compraria os livros depois de indicados pelos professores das respetivas disciplinas. Fiz por me entusiasmar com esse objetivo que defini como fundamental para me orientar nos meus dias que oscilavam entre uma alegria infantil e uma moléstia deprimente.

O início da escola significava o mais do que ansiado fim do verão e era para mim motivo de contentamento que, finalmente, tivesse conseguido forçar esse fim. Não tinha forçado nada, claro, os dias correram da mesma maneira, tiveram as normais vinte e quatro horas, o verão haveria de terminar como sempre tinha acontecido a vinte e um de setembro, mas eu sentia que tivesse participado ativamente nesse processo e que concluía tudo com o meu compromisso de me focar nos estudos.

As aulas iriam começar a seis de outubro, uma segunda-feira e eu olhava amiúde para o calendário pendurado atrás da porta da cozinha. Punha o dedo sobre o quadriculado e pulava os dias, contando-os, para verificar que faltavam dez, oito, cinco e que em breve essa segunda-feira chegaria.

Ocupei as minhas tardes a forrar diligentemente os cadernos novos com papel de embrulho, um rolo que comprei na papelaria onde me aviei ainda de esferográficas, de lápis, borrachas, afias, réguas, um compasso. Na quinta-feira antes da primeira semana de aulas fui ver o meu horário que passei no cartão oferecido pela papelaria com o esquema já impresso para onde se transcreviam as horas e as disciplinas, que haveria de nos acompanhar durante todo o ano escolar.

Estava numa turma com novos colegas, verifiquei na vitrina onde se afixava um mar de folhas de papel com listas de nomes. Não conhecia ninguém e mordi o lábio inferior, com uma impressão gelada a insinuar-se no estômago. Pois era... Tinha resolvido não seguir a tendência das minhas amigas que, para o nono ano, escolheram todas a área da saúde. Ora, eu não me estava a ver a ser médica, enfermeira ou outra profissão relacionada com hospitais. Gostava de escrever, adorava História, perseguia o sonho, mais ou menos inconfesso nesta altura, de ser arqueóloga e de ir trabalhar para Itália. Para além da área da saúde havia desporto – definitivamente outro não, era uma péssima executante de qualquer atividade física curricular, desde correr a jogar voleibol – e havia economia. Sem pensar muito escolhi economia. Era o que mais se assemelhava, no meu conceito, a uma disciplina que implicasse, mais tarde, escrita e estudo do passado humano.

O meu processo de matrícula no nono ano foi feito sem a minha presença e, em abono da verdade, nem foi preciso que estivesse lá, a ver o meu encarregado de educação a assinar os impressos. Por causa da minha viagem ao México fui dispensada das últimas semanas das aulas, os testes marcados fi-los numa sala, vigiados por um professor, fora de horas, à noite. Deixei as indicações ao diretor de turma de como seria a minha matrícula no nono ano depois de ele me explicar as opções que tinha. Preenchi antecipadamente os impressos, deixando-os com as informações gerais, o meu pai foi depois autorizar aquilo tudo porque eu era menor e estava feito.

E foi assim que eu fui parar a uma turma nova, sem conhecer um único nome daqueles que lia na folha correspondente ao meu ano. Quando no dia seis de outubro, uma segunda-feira, subia a escadaria do liceu estava nervosa, inquieta, com os músculos todos retesados de medo por iniciar uma nova etapa da minha vida em que estava completamente sozinha. Claro que podia reencontrar as minhas antigas colegas, que eu ainda considerava amigas apesar de nos termos afastado um pouco durante o verão, elas estavam no nono ano como eu, mas esses encontros ficariam resumidos agora aos corredores, ao pátio do recreio, durante os intervalos, à entrada ou à saída. A relação que tínhamos iria reduzir-se, esbater-se, ficaria cada vez mais distante até deixarmos de nos considerarmos amigas. A amizade só persistia se fosse prolongada no tempo, com intervalos controlados e reencontros frequentes.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now