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Passara o primeiro teste, o mais importante. Diego gostara da minha nova aparência! O rosto livre dos óculos, um corte de cabelo atual, roupas novas e elegantes, não demasiado ousadas, mas suficientemente modernas para me dar um ar menos pesado e mais juvenil. Confiava que ele tivesse captado as minhas novas cores e brilhos, que não se tivesse ficado apenas pela superfície. Isso toda a gente via. No meu interior, havia uma Cristina bem mais interessante do que aquela que se exibia ao mundo de cara lavada.

Talvez estivesse a ser demasiado exigente com Diego, que não me devia nenhuma atenção em especial. Éramos amigos e apenas o facto de beneficiar da sua amizade já era extraordinário, sendo alguém tão mundialmente conhecido e reconhecido. Em Nápoles era adorado como divino, na Argentina como salvador, o planeta inteiro reverenciava-o como um enorme futebolista, já no estatuto de lenda e tinha menos de trinta anos. E eu queria o quê? Que ele me admirasse, me adorasse como se nunca tivesse visto mulher mais bonita em toda a sua vida? Impossível! Eu era uma mera adolescente insegura a quem, desde o ano passado, aconteciam coisas maravilhosas e que tentava, pela primeira vez, mostrar-se meritória da sua imensa sorte.

Passado esse instante de vacilação, continuava a colecioná-los pelo meio de euforias e de exageros que esticavam a minha parte emocional até ao máximo, contemplando desde o terraço uma faixa de mar e a silhueta escura do Vesúvio envolto em neblina, o que eu pretendia e tinha alcançado fora surpreender Diego. Na minha intenção subconsciente tentava apagar a impressão agridoce do nosso último encontro em Bérgamo, na final da taça de Itália. Usara o vestido de Puebla, aquele com que nos tínhamos conhecido, mas vesti-lo para uma viagem de apenas um dia e um jogo de futebol tinha mesmo sido um erro monumental de guarda-roupa. O vestido fenecera todo amarrotado e esmaecido debaixo do casaco que vestira. Perdera o poder de invocar memórias, tempos felizes, o calor mexicano, a glória do mundial. Transformara-se num trapo embaraçoso, passara despercebido. A razão, cogitei, tinha que ver comigo. Era em mim que estavam os defeitos, não naquele vestido especial. E, então, resolvi mudar. A mudança resultara porque Diego reparara em mim com olhos diferentes meses depois. A minha vaidade nutria a minha autoconfiança. Estava no caminho certo, devia continuar a percorrê-lo sem receios ou dúvidas.

Era a manhã de sábado e a casa estava miraculosamente sossegada. Os sinais da festa de aniversário viam-se por toda a parte, ninguém se dera ao trabalho de limpar nada porque a festa teria terminado de madrugada. Chão sujo, copos e pratos espalhados pelos móveis, a cozinha em estado de sítio, a casa-de-banho do primeiro piso imunda, um odor incomodativo a álcool, a humidade, até a vomitado e a urina. Todos dormiam, ou tinham saído. Não fui conferir. Saí da cama, vesti-me, fui até à cozinha buscar alguma coisa que trincar – por sorte encontrei os taralli dentro do mesmo frasco e comi dois. Bebi água da torneira e pronto, o pequeno-almoço estava tomado.

Pensei com um sorriso travesso se aquela era a noção que os argentinos tinham de uma festa de aniversário – uma multidão, comida com fartura, bebida ainda mais farta, barulho, caos, uma casa devassada. Muito provavelmente, sim. Os argentinos gostavam de convívios ruidosos. Pensei, contudo, que não seria bem essa a ideia de Valdano quando me tinha proposto celebrar o meu aniversário com os meus amigos futebolistas, que misturaria europeus e sul-americanos. Jorge Valdano era demasiado aprumado para concordar com uma festa depravada, ainda para mais quando se tratava de celebrar os dezasseis anos de uma rapariga. Imaginava-me a falar com Valdano e a pedir-lhe, avança, quero um aniversário especial, deixo a organização nas tuas mãos. Ele trataria de tudo, desde os convites aos canapés, o espaço, a disposição das mesas, a banda que tocaria só as músicas que eu escolhesse, o bolo, uma lista com presentes previamente escolhidos por mim. Uma coisa sofisticada e profissional. Era divertido fantasiar o meu aniversário tendo Diego Maradona e Jean-Marie Pfaff como principais convidados. Primeiro, dançaria com Jean-Marie, abriria a pista de dança com ele numa valsa perfeita. A seguir, escolheria Diego para o meu parceiro de um tango cheio de insinuações. O meu sorriso travesso deu lugar a um suspiro profundo.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora