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Diego Maradona em Nápoles era diferente do Diego Maradona do México, como intuíra quando conversara com a Carmen. Não necessariamente melhor ou pior – diferente. Distinto. Desigual. Podia compará-los, como naquelas imagens a preto e branco que vinham na secção dos jogos e dos passatempos, na última página do jornal, em que precisávamos de descobrir as sete diferenças entre elas, mas que aparentemente não existiam. Um cabelo fora do lugar, uma linha suprimida, um objeto em segundo plano, um dedo fletido, coisas mínimas para confundir o olho.

Ver Diego a conversar com os seus amigos, presumi que fossem seus amigos, no meio da sala, em pé, vestido com aquele fato de treino azul, calçado com sapatilhas pretas da mesma marca, Puma, gesticulando, usando as mãos para vincar as palavras, rindo-se, descontraído e feliz, com uma voz que vibrava no ar e que me vibrava na alma, lançava em mim a dúvida esquisita de reconhecer naquele Diego atual o Diego do verão. Como no jogo das sete diferenças. Elas estavam lá, dissimuladas, tínhamos de olhar com atenção e conseguiríamos descobri-las todas. Se afastássemos a página do jornal e olhássemos para os dois desenhos desatentamente nada havia a assinalar, eram iguaizinhos.

No mundial, Diego era mais intenso, concentrado, apressado. Compacto. O mundial era uma competição que não admitia erros, grandes ou pequenos. Tudo tinha de sair bem feito ou, se existisse um deslize, este tinha de ser corrigido imediatamente para não se comprometer o resultado final. Diego no México fora genial, mágico, bonito, enérgico, exemplar, motivador, fora perfeito.

Em Nápoles, Diego era mais tangível, mais solto, maleável, desconstruía-se e construía-se sem pressa, dominando a exigência com a certeza de conseguir também vencer, mas no caso tinha tempo, conhecia o terreno, dominava o cenário, era capaz de antecipar-se aos seus adversários. Ele aproveitava os espaços, aproveitava qualquer dica, atento, matreiro. Uma competição nacional de futebol durava um ano inteiro, tinha muitos jogos, muitas hipóteses para se corrigir a trajetória, aplicar uma estratégia mais arriscada, baixar a guarda ou então dar tudo por tudo, fazer experiências.

Tendo presentes essas duas maneiras de ser, não sabia dizer qual era mais agradável. Eram os dois fascinantes. O Diego arrogante que se obrigava à perfeição fanática, trabalhando sem cessar, para provar ser melhor do que os outros. Ou o Diego inteligente que procurava a estabilidade dentro de um formato que também o faria erguer-se melhor do que os demais. Qualquer que fosse a postura, densa ou aberta, a vitória seria sempre o objetivo.

Na sua casa em Nápoles, diluía-se entre os amigos, a falar com a mulher, na cozinha a ler um jornal desportivo ou a procurar uma simples caneca nos armários. No centro de estágio no América a sua presença iluminava o lugar, a sua voz fazia voltar cabeças, se lhe dessem uma bola calava o mundo em seu redor que se maravilhava ao vê-lo brincar com ela.

Uma mão puxou-me pelo braço, sobressaltei-me. Era Maria, a irmã dele. Deu-me os bons-dias, disse que sabia quem eu era, a amiga de Portugal. Espantou-se por eu ser tão jovem, és muito novinha, que idade tens? Respondi-lhe, quinze anos. Levou-me consigo com novo espanto, como se eu não pudesse, de maneira alguma, estar ali sozinha, na sala, que se enchia de mais homens. Tinha estado no mundial, quis explicar-lhe, tinha vivido durante duas semanas rodeada de homens, estava habituada, conseguia adaptar-me, mas não me deu abertura para falar e tive de me calar.

Fomos para outra sala. Claudia já se tinha levantado da cama, vestia uma roupa casual, velha até, diria, aqueles trapos típicos de andar por casa. Tinha olheiras, as faces lívidas, movia-se com lentidão. Arfava bastante, parecia mais fatigada do que na noite anterior depois de subir as escadas. Outras mulheres rodeavam-na, escutavam-na, sempre prontas para atenderem aos seus pedidos, ao mais mínimo gesto. Quando me viu saudou-me com um entusiasmo forçado, pediu-me que me sentasse ao pé dela. Obedeci. Queria-me no círculo das suas admiradoras, naquele séquito de servas. Não desdenhei do posto. Eu adorava o seu marido daquela forma, era-me perfeitamente natural estender a minha adoração por Diego a ela e à menina por nascer.

Aqueles Dias de MaravilhaUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum