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– Sempre o amaste mais do que a mim. Senti ciúmes, sabias? Sempre senti uns ciúmes doidos da admiração que lhe dispensas.

A voz de Jean-Marie despertou-me. Diego continuava a brincar com a bola, a saltar e a dançar, mas de repente tornou-se em apenas mais um homem que dava chutes num esférico. Havia outras bolas a rolar pela relva, a serem trocadas entre vários jogadores que testavam a sua precisão, a sua força, que aqueciam. Pois, era só um aquecimento desengraçado...

Desviei os olhos da grande televisão que aumentava tudo, até as nossas noções sobre o mundo real. Deixara-me cegar e embalar pela fantasia do incomensurável, achara que estava a ver mais do que realmente existia. Para onde tinha eu viajado, meu Deus! Estivera a pairar sobre terras de deuses e territórios de imortais. Imaginara e cedera à minha imaginação. Quebrado o deslumbramento, senti-me estúpida. Uma idiota apaixonada, era o que eu era. Quase que apostava que mais ninguém vira o que eu vira... Santos, igrejas, os portões do paraíso abertos de par em par.

Olhei para Jean-Marie e sorri-lhe. Dei-lhe uma palmada na perna.

– Que disparate! Amo-vos aos dois de igual maneira – retorqui.

Ele abanou a cabeça, inconsolado, quase desiludido.

– Aprendeste a mentir com essa facilidade, Cristina? Não me mintas, ma petite.

Recostei-me na cadeira, o plástico rangeu.

– Não estou a mentir.

– Chiu! Até parece que não te conheço.

– Sim, uma miúda teimosa e agora intratável. Sei...

– Estás a dar-me razão, Tina.

Suspirei.

– Pronto, não quero que penses em mim como uma miúda teimosa e intratável. Estou a ser má? Sim, estou a ser má. Desculpa. Estou também a ser ingrata. Não sei o que se passa comigo. Tenho... tenho cá dentro uma grande insatisfação, Jean-Marie, que não consigo preencher com nada. Queria ter um namorado – admiti.

A minha sinceridade causou-lhe estranheza.

– Queres ter um namorado?

– Todas as minhas amigas namoram desde março e eu... eu continuo sozinha.

– Não precisas de um namorado para te sentires feliz, Cristina. Existem outras maneiras para... como foi que disseste? Para preencher a tua vida. Olha o futebol.

– Oh, estás a falar comigo como se fosses o meu pai – acusei-o, ressentida. – Não me queres dar a ninguém porque tens ciúmes. Pois é, és um enorme ciumento. E sim, sempre soube que tinhas ciúmes de Diego. Isso é ridículo!

– Pela tua reação, não é assim tão ridículo...

– O que queres de mim, Jean-Marie? Gosto de Diego Maradona mais do que gosto de ti! Pronto. Queres essa confirmação? Não é verdade. Não, não é verdade.

Ma petite, tanta raiva.

Coloquei as mãos na cabeça, despenteei-me com um par de esfregadelas. Afastei a franja da testa, tentei prender as madeixas curtas atrás das orelhas. Desisti. O meu cabelo continuava obstinadamente curto e recusava-se a crescer.

– Acabei de confessar que quero um namorado.

– Diego não pode ser o teu namorado! – exclamou o belga, zangado.

– Não quero o Diego para meu namorado. Não podíamos ser namorados, ele tem a Claudia. Não estava a pensar no Diego! Continuas ciumento.

– Nem precisas de um namorado. Precisas de outra coisa, Cristina.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora