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As aulas do secundário começavam duas semanas mais cedo do que as aulas dos outros anos e isso foi uma boa notícia. Estava farta de estar em casa com pouco para fazer. Comprei os livros e os cadernos, forrei tudo com papel colorido de embrulho, mas achei uma infantilidade estar a adotar esse procedimento para o décimo ano e arranquei tudo. Chorei irritada com a minha fraqueza. Ainda procurava conforto nas mesmas coisas de sempre, quando afirmava orgulhosa que tinha mudado. Precisava de mais estabilidade e a minha base, na verdade, era frágil e esboroava-se se sofresse um abalo mínimo.

Fui apreensiva para o meu primeiro dia de aulas. Tinha de fazer um caminho diferente, a escola era outra, um edifício envelhecido que clamava por obras havia muito tempo que continuava a funcionar por não haver alternativa para realojar as centenas de alunos e as dezenas de professores. Sabia ainda que só tinha a Monique à minha espera. Continuei a dar-me com a Carina, de vez em quando via a Alexandra, por causa dos jogos do Farense, mas ela tinha ficado no liceu, a seguir a via ensino, queria ser médica e anunciava-o aos quatro ventos. As outras colegas do grupo, a Maria José, a Nélia, a Sandra, a Ana Luísa, tinham todas terminado a escola no nono ano e procuravam trabalho. Só a Elizabeth tentara continuar, mas também ficara no liceu.

A minha nova turma era muito pequena, cerca de vinte alunos, o que foi uma agradável surpresa, pois estava habituada a salas cheias com mais de trinta estudantes e uma confusão medonha. A Monique não era a única que eu conhecia, comprovei satisfeita e agradavelmente surpreendida. Estavam lá também o Ricardo, um rapaz que tinha vindo do liceu como nós, que andava noutra turma do nono ano que era amigo do Paulo, e o Jaime, por quem eu tivera um fraquinho havia dois anos. Alguns dos meus novos colegas eram dois e três anos mais velhos do que eu e do que a Monique, que tínhamos quinze, quase a fazer os dezasseis. Fiquei depois a saber que esses colegas tinham tentado a via ensino que não resultara e estavam num curso profissionalizante para terem a garantia de um diploma e mais qualificações à entrada do mercado de trabalho. Não pensavam fazer a universidade.

A primeira semana de aulas foi pacífica. Apresentações e explicação do que tratava cada disciplina, critérios de avaliação, alguma matéria, poucos trabalhos de casa. Eu e a Monique aproveitávamos os tempos livres para darmos um salto até ao liceu. Bastava subir a avenida, levávamos cerca de dez minutos a fazê-lo. Eu tinha saudades do liceu, mas não o admitia, guardava isso dentro de mim. Odiava a escola velha e escura onde estudávamos agora. O liceu tinha corredores largos, arejados e claros, os estudantes vestiam-se melhor, não tinham o aspeto desesperado e desleixado que eu encontrava nos que frequentavam a escola. Alguns dos meus colegas eram sisudos, desconfiados, antipáticos e eu tive dificuldade em fazer amizade com eles. Se não fosse a Monique já estaria arrependida de ter escolhido aquele curso.

No liceu encontrávamos a Elizabeth que também estava descontente com as aulas. Confessava-nos que não aguentava mais, que não lhe apetecia estudar, que era só uma perda de tempo, tinha outros projetos. Começara a namorar com o Eduardo e falava em trabalhar, ter a sua casa, casar-se. Chocou-me. O Eduardo era o príncipe malvado da minha história da princesa, protagonizada por ela e pelo Luís, o tal rapaz que ela namorara às escondidas dos pais e que dizia amar para todo o sempre. Sim, chocou-me que a Elizabeth fosse tão leviana nas suas convicções que, no fim de contas, não tinham grande consistência, nem se escreviam na pedra. Em abono da verdade, não devia chocar-me, já que a Elizabeth era uma rapariga de paixões fortes, mas efémeras. Espalhafatosa, brincalhona, superficial, objetiva, descomplicada. Ela já nos tinha habituado ao seu feitio explosivo, eu é que estava a inventar e a colar-lhe uma pele que não era dela. Em outubro acabou mesmo por desistir da escola e foi trabalhar nos escritórios do pai. Assim, tinha as tardes e os fins-de-semana livres para passear com o namorado que era, segundo a sua avaliação, um excelente partido, não o podia deixar fugir, ele tinha muitas moças que lhe deitavam o olho. Seria uma parva se o deixasse escapar por estar demasiado ocupada a estudar ou a fazer os inúteis trabalhos de casa. Era uma questão de prioridades.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now