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A minha semana foi terrível, exigente, esgotante. Parecia que nunca mais terminava, que se iria arrastar indefinidamente no tempo até que eu definhasse, vencida pela torrente de obrigações que me caíram em cima numa cascata ininterrupta.

A rotina acabava por ser simples, em teoria. De manhã e à tarde frequentava as aulas dentro do horário normal. À noite regressava à escola para fazer os testes aos quais tinha faltado na semana anterior. Cinco provas formais, contabilidade, francês, português, sociologia e fiscalidade, por esta ordem, pelo que deveria comparecer no horário noturno de segunda a sexta, num pequeno gabinete. Iria ser acompanhada pelos professores das respetivas disciplinas.

Na prática, era um rolo compressor que me esmagava e que não me deixava respirar, viver, dormir. Continuei, durantes aqueles cinco dias terríveis, com a aparência de uma morta-viva. Olheirenta, desleixada na roupa, desmazelada no cabelo, vazia por dentro, pálida por fora.

Aceitei o calendário espartano semanal sem emitir um único protesto. Passei a habitar a escola de manhã à noite e fiz da minha casa uma paragem ocasional, invertendo os papéis desses lugares. Seria incoerente se me queixasse. Eu é que tinha pedido para faltar, eu é que tinha concordado em fazer os testes fora de horas. O conselho diretivo aceitou o meu requerimento sem impor qualquer condição, nem solicitou esclarecimentos adicionais ou uma justificação formal das minhas faltas, assinada pelo meu encarregado de educação. Nem eu a tinha que fosse plausível e atendível. Considerei que se não levantasse ondas ninguém se poria com perguntas e mais valia aceitar aquele chicote virtual, baixar a cabeça e fazer tudo o que me mandavam fazer, para que não me fossem exigidas explicações que eu me sentia incapaz de dar.

Vendo bem, fazer testes no horário noturno não era uma novidade para mim. Antes da minha viagem ao México com a tia Anita, dois anos antes, completara o oitavo ano recorrendo a esse expediente e fiz os últimos testes do ano letivo à noite. Nessa altura, recebera o meu prémio a seguir, uma experiência inesquecível no país dos Aztecas. Agora, pagava o prémio depois de o usar, uma visita a Nápoles recheada de surpresas e de bom futebol, com juros incluídos.

Nos pequenos intervalos de tempo, entre os dois horários diurno e noturno, estudava. Tinha-me atualizado nas matérias em Nápoles e agora via que tinha sido uma excelente decisão. Para além dos cinco testes atrasados que recuperava, ainda tive que fazer um teste na terça, de filosofia, para o qual me preparei à pressa, ansiosa e derrotada, pois sabia que essa seria a minha pior nota. Em suma, o meu pensamento nesta semana centrou-se única e exclusivamente no estudo, em decorar conceitos, em perceber os exercícios, em fazer a melhor figura possível para não baixar o meu rendimento escolar ou teria um castigo à minha espera nas férias do Natal.

Fiquei admirada por a escola ter tanto movimento à noite. Estava apreensiva quando me dirigi para lá, na segunda-feira, temendo encontrar um edifício abandonado, os pátios vazios, os corredores penumbrosos, as salas mudas. Enganei-me e foi um alívio ter-me enganado. A agitação não era tão grande como de dia, mas os alunos que frequentavam a escola naquele horário emprestavam uma energia bem-disposta aos espaços que tinham outro encanto com a sua presença. Eram mais velhos, mais contidos, mais empenhados e muito bem-educados. Todos trabalhavam e assim davam mais valor à sua formação pessoal, não estavam ali para desperdiçar a oportunidade, nem se punham com contestações estéreis ou implicâncias inúteis. No fim da semana, já havia quem me conhecesse e davam-me ânimo quando eu passava nos corredores em direção ao gabinete para fazer mais um teste. Está quase Tina – tinham-me perguntado o nome e eu respondera como me chamava – está quase, querida, vem aí o fim-de-semana e já podes dormir, força miúda, estás a ir muito bem, temos orgulho em ti, pensa nisto como uma maratona, estás a vencer quilómetro atrás de quilómetro, a meta já está à vista, vais conseguir. Aquele ambiente, em que era uma rapariga rodeada de homens e de mulheres mais velhos, mesmo os alunos que frequentavam o décimo segundo ano no regime noturno da via ensino eram mais velhos do que eu, fez-me lembrar o convívio que tivera no mundial do México. Senti-me tão bem acolhida que o sacrifício foi menos penoso.

Aqueles Dias de MaravilhaOnde histórias criam vida. Descubra agora