23.

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Acordei várias vezes durante a noite. Estranhei a cama, o travesseiro, a temperatura do compartimento. Destapei-me e tapei-me, dei voltas, nunca encontrei a posição adequada para descansar corpo e espírito. Ficava ansiosa ao pensar, num repente, que Diego estava perto de mim. Obrigava-me a deixar de me importar com isso para não passar a noite insone. Era de madrugada quando o sono me apanhou e dormi, finalmente, com tranquilidade e abandono, sem sonhos, sem interrupções, sem ânsias ou pensamentos disruptores.

Uma claridade ofuscante, menos cinzenta que a luz mortiça da Alemanha, invadia-me o quarto que estava insuportavelmente quente. Descolei as pestanas, lancei um braço à mesa-de-cabeceira improvisada. Tateei à procura do meu relógio, encontrei a ponta de uma das correias, trouxe-o até perto do nariz, estreitei os olhos para focar os ponteiros. Tive de os ler duas vezes, o meu cérebro ainda se estava a ligar e não conseguia processar conceitos como ler as horas num mostrador analógico. Faltavam cinco minutos para as onze.

– São onze da manhã?! – gritei.

Levantei-me de um salto, aflita. O que estaria a acontecer? O que teria perdido? Como é que me tinham deixado dormir até àquela hora escandalosa? Como é que ninguém viera ver se eu tinha morrido por não ter aparecido?

Vesti-me rapidamente, arrumei as roupas da noite, dobrei-as e deixei-as em cima da cadeira, puxei a coberta para compor a cama que ficou mal feita, os lençóis enrolados por debaixo, mas não me incomodei. Saí porta fora do quarto ainda a prender o cabelo num rabo-de-cavalo. Calçava apenas umas meias e escorreguei nos ladrilhos do corredor. Ao contrário da casa de Jean-Marie, em Munique, o chão não estava alcatifado e era frio.

Desci as escadas. A casa estava quase silenciosa, pelo menos estava mais quieta do que como a tinha encontrado quando chegara. Não vi ninguém nos corredores, na sala vazia, muitas portas fechadas. Escutava uma televisão ao fundo a passar notícias, música longínqua, pássaros que piavam, o motor de um automóvel ocasional.

Havia sol por todo o lado, muita luz que entrava pelas janelas grandes que mostravam um jardim interior e uma piscina. A minha aflição esmoreceu um pouco e deu lugar, lentamente, a indignação. Ter-me-iam deixado sozinha em casa e ido às suas vidas? Ter-se-iam esquecido de mim? Uma tremenda falta de consideração e de respeito. Bufei, resmunguei, tornei a bufar.

Bem, tinha fome. Fui à procura da cozinha para tentar trincar qualquer coisa. Segui uma rota completamente ao calhas, movida pelo instinto e pelo que julguei ser uma lógica. Afastei-me das janelas e do jardim, procurei um espaço mais amplo, fugi de corredores que me levariam a becos e a portas que temi abrir e descobrir que estava a ser intrusiva.

Encontrei uma porta em arco que mostrava um balcão forrado a mármore, armários castanhos, a ponta de uma mesa pintada de branco. O meu nariz também me dizia que era por ali que devia ir, cheirava a refogado. Entrei naquele compartimento que era, como intuí, a cozinha da casa. Uma televisão estava ligada com o volume do som no mínimo, a emissão tinha ido para intervalo, passava um bloco de anúncios. Assustei-me quando vi uma mulher de volta do fogão, soltei um gritinho. A mulher também se assustou, voltou-se com outro grito. Pousou a mão sobre o peito avantajado, revirou os olhos, murmurou algumas palavras apressadas.

– Tina, ainda matas a senhora Rispoli com um ataque de coração. Não me tires a minha mamã napolitana.

Novo susto. Diego estava de pé, encostado à mesa, a ler um jornal que se desdobrava sobre o tampo.

– Bom dia – acrescentou, piscando-me o olho.

– Bom dia, Diego – ofeguei.

– Dormiste bastante.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now