38.

20 4 13
                                    


Andámos sempre de mãos dadas. Eu estava encantada por Diego se ter agarrado a mim assim que me viu na sala da casa da senhora Rispoli e nunca mais me ter largado, como se tivesse medo de me perder ou de que eu me afastasse. Olhava de esguelha para Massimo, sorria-lhe de través, dizendo-lhe por meio desses sinais mudos, com uma presunção ofensiva, olha, vês?, Diego veio buscar-me, Diego gosta de mim, sim, Diego é meu amigo, pensavas tu que não, estavas enganado, Diego não te liga nenhuma, liga-me mais a mim do que a ti, ó caramelo. Vingava-me do que ele me tinha feito na sexta-feira e sentia-me muito bem com isso.

Massimo percebeu a minha provocação velada, a superioridade servida fria naquela bandeja que eu ostentava com um orgulho feio e despropositado. Só que eu não conseguia parar, não queria parar. O rapaz tentou separar-me de Diego, que era quem me dava força, coragem, arrojo. Começou a falar com ele de forma insistente, repetindo a mesma pergunta sobre os bilhetes do jogo. Tinha amigos que queriam ir ao San Paolo, mas que não tinham conseguido ingressos. Diego tentava convencer a senhora Rispoli de que eu ficaria bem na sua casa, era também melhor para ele por causa da sua rotina no domingo. De repente, voltou-se para Massimo. Fez-lhe uma festa na face, duas palmadinhas e disse-lhe, estou a falar com a tua mãe, acalma-te, está bem? E continuava de mão dada comigo. Massimo insistiu. Diego fungou, desagradado. A senhora Rispoli percebeu que o filho estava a ser inconveniente e mandou-o sair da sala. Massimo e eu trocámos um olhar intenso. Ele obedeceu à mãe e foi fechar-se no seu quarto.

Diego conseguiu convencer a senhora Rispoli, ou foi ela que desistiu de me defender, não sei precisar o que aconteceu, e fui, finalmente, para Posillipo. A vivenda continuava, dos muros para dentro, de portas escancaradas, a receber gente num vaivém imparável, barulhenta e azafamada. Senti-me a ser transportada por um vendaval, a acender tudo o que estivera apagado naqueles últimos dias, a beber felicidade por todos os poros. Adorava casas cheias, casas vivas, casas alegres. A casa de Diego era, sem qualquer dúvida, cheia e viva e alegre.

Deixou-me na cozinha para comer qualquer coisa. Não tinha fome, perguntei-lhe se podia ir para o meu quarto. Ele fez uma cara tão engraçada que tive de esconder o meu sorriso nos dedos. Quarto? Eu que fosse lá acima procurar pelo quarto que ocupara da outra vez e que visse se encontrava lençóis. Estive quase para lhe dizer, perplexa, se ele esperava que eu dormisse onde, mas calei-me porque pensei que me fosse convidar para dormir com ele, para poupar espaço e trabalho, como acontecera no México, e corei.

O quarto estava igual e pareceu-me disponível, arejado, limpo. Encontrei lençóis e cobertas numa cómoda, fiz a cama, arrumei as minhas coisas. Estive algum tempo à janela a ver o bairro, os carros que passavam na rua, as copas das grandes árvores que farfalhavam mais além.

Desci para a sala. Um homem que lia um jornal desportivo de gigantescas folhas cor-de-rosa cumprimentou-me. Cumprimentei-o de volta. Considerei ir até à cozinha, mas Diego intercetou-me. Contei-lhe que estava no mesmo quarto, gracejei que era já o meu quarto na sua casa, ele fez um pequeno aceno. Ignorou claramente a minha graçola que, após aquela reação inerte, tinha perdido toda a piada. Retraí-me. Ele percebeu. Sorriu-me.

– Queres ver um carro especial? – propôs-me.

– Sim, pode ser.

– Vais ficar surpreendida! Quando o entregaram achei-o uma merda. Não tem rádio! Imaginas um carro sem rádio? Como é que nos distraímos no trânsito sem ouvir uma musiquinha, eh?

– Não tem rádio?

– Não.

– Oh... então o que tem nesse espaço do rádio? Está um buraco?

– O quê? Não! – Gargalhou da minha observação idiota. Voltei a retrair-me.

Não percebia nada de carros, era um passatempo dos rapazes que me enfastiava, mas queria estar mais tempo com Diego e estava disposta a fingir que gostava do assunto. Começara mal, dissera uma asneira, ele percebera a minha ignorância, odiei-me por ter sido desbocada. Mentalizei-me para escutar mais do que falar, assim tinha a certeza de que não voltava a meter o pé na argola e denunciar-me como uma fraude.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now