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Sentei-me à minha secretária, com papel de carta à frente, envelopes e uma mão cheia de selos. Estava nervosa. Entrelacei e desentrelacei os dedos, tentei humedecer os lábios, mas tinha a língua seca. Tive preguiça de me levantar para ir beber água. Se saísse daquela cadeira perdia a coragem e não escrevia a carta que me predispunha a escrever. O tempo era cada vez mais escasso, era um inimigo. O prazo das duas semanas, mais outras duas, pesava sobre a minha cabeça, a minha vontade, a minha determinação. Estávamos em meados de novembro. Não, definitivamente já não tinha tempo. Perdera uma infinidade de dias, de momentos, de novas memórias e de novas alegrias. Perdera o verão que ficou lá atrás, descrito no meu caderno dentro de uma caixa.

Tentei acalmar-me. Torcia as mãos. Fechava e abria as pálpebras. Retinha a respiração para expulsar o ar com força, como se quisesse vazar os pulmões. Era uma estupidez estar tão nervosa, afinal tratava-se de uma simples carta para um amigo.

No entanto, tinha-se passado muito tempo, dias, semanas, meses. Ele já se tinha esquecido de mim, do que acontecera, do mundial. Fora apenas mais uma competição. Agora dedicava-se à competição que disputava, o campeonato alemão, a taça da Alemanha, as competições europeias.

Aos domingos, a seguir à série semanal que passava depois do telejornal, havia um programa chamado Domingo Desportivo que resumia os jogos de futebol da jornada desse dia. Ainda via alguns minutos até a minha mãe mandar-me para a cama porque segunda-feira era dia de escola. Descobri que depois de esmiuçarem os acontecimentos do campeonato nacional de futebol, de passarem entrevistas com jogadores e técnicos, depois de um curto debate sobre a tabela de classificação e o desempenho das equipas, depois de um intervalo para anúncios, havia um bloco onde falavam brevemente do futebol estrangeiro. Uma vez estava deitada com insónia, sem conseguir pregar olho, e ouvi o som baixo da televisão. A minha mãe devia estar a fazer croché ou a tricotar, para ter deixado o Domingo Desportivo no ar. A televisão servia-lhe de companhia, não estava atenta ao que passava no ecrã. E no silêncio, escutei o apresentador do programa falar no campeonato espanhol, no alemão, no inglês e até no italiano. Quis levantar-me. Jean-Marie e Diego estariam na minha televisão, mas se aparecesse na sala levava uma tareia e deixei-me ficar na cama, debaixo dos cobertores, a consumir-me até estar tão cansada que adormeci.

Assim, concluí que Jean-Marie e Diego estavam ocupados com os seus campeonatos, empenhados em ganhar o maior número de jogos possível e que já se tinham esquecido, ou pelo menos, afastado o que acontecera no México e no verão. Por mais glorioso que tivesse sido, havia outros troféus para ganhar, outros títulos para conquistar para enriquecer o seu currículo de futebolistas de fama mundial e talento inegável.

E eu tinha a ideia de reentrar para as suas vidas, incomodando-os com uma carta lamechas, com pedinchices, com dramas de adolescente, com conversa aborrecida, com assuntos desprezíveis. Apertei a cabeça entre as mãos, cotovelos sobre a secretária, postos de cada lado do papel. A minha insegurança levava a melhor...

Começaria pelo belga, começaria pela Alemanha, tinha decidido isso.

Teria de usar as melhores palavras para escrever a minha primeira mensagem a Jean-Marie. Sim, iria começar por ele. Depois logo escreveria a Diego. Primeiro porque ainda não tinha a sua morada. Naquele dia contava escrever ainda a carta para a federação italiana, depois porque temia que a minha carta nunca chegasse às mãos de Diego se a enviasse para o clube, que a iria tratar como se fosse correio de uma fã normal, com direito a uma resposta típica para admiradores genéricos. Um postal autografado e estava despachado.

À semelhança do como fora no México, iria precisar de Jean-Marie para chegar a Diego, apesar de possuir os meus trunfos que podia jogar para me impulsionar para a plataforma certa e ter acesso ao argentino que eu achava que merecia ter, por tudo o que nos unia. Mas chegar à plataforma era a parte complicada, difícil, específica, traiçoeira. Bastava um passo em falso, perdia o acesso para sempre e distanciava-me de Diego.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now