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No dia do seu vigésimo nono aniversário decidi que já não estava zangada com Diego Maradona. Não queria estar, para começar. Era inútil que mantivesse uma zanga que seria incapaz de tornar credível. Tentei amuar para o castigar, mas o projétil fizera ricochete e era eu que sofria terrivelmente com a distância que criara.

Mas não lhe telefonei nesse dia. Sabia que ele estava demasiado ocupado e que não iria conseguir falar com ele. Custou-me muito. Parecia que o estava a penalizar com o meu silêncio, com mais uma extensão daquele espaço vazio que abrira entre nós, uma terra de ninguém estéril que determinava uma larga fronteira que matava quem a tentasse atravessar. Tinha de esperar para o dia depois do feriado de novembro, o mais adequado e com possibilidades de maior sucesso.

Acabei por festejar o aniversário de Diego com os posters do meu quarto. Comprei um pastel de nata no supermercado da minha rua, espetei-lhe uma vela azul que fui desencantar nas coisas da minha mãe, uma sobra dos anos do meu irmão. Acendi a vela. Cantei os parabéns com uma alegria relutante, a ciciar as palavras que me doíam a passar na garganta. Apaguei a vela, comi o pastel de nata. Depois coloquei música, vesti a camisola da Argentina e dancei com a boneca mexicana numa mão. Acabou por ser uma celebração bonita. Solitária, mas honesta, e isso deu-lhe toda a beleza.

No dia anterior, a vinte e nove de outubro, o Napoli jogara em Génova com o clube local. Foi um empate suado e difícil. Diego marcara o golo que equilibrou o marcador de grande penalidade e os partenopei seguraram a liderança no campeonato.

Um dia depois aconteceu a segunda mão das competições europeias. O Napoli eliminou os suíços do Wettingen com um dois a um no seu estádio, depois de um empate a zero na primeira mão, e soube pelas notícias desportivas de Portugal, que adoravam espezinhar o argentino e inculcar-lhe os piores defeitos que se podiam encontrar num homem e mais ainda num futebolista, que Diego não tinha jogado porque fizera uma cena antes do jogo e acabou castigado pelo clube, que incluiu o pagamento de uma multa.

A minha primeira reação foi explodir contra a televisão. Na verdade, não foi bem contra a televisão, foi contra Diego e usei-a como uma janela, um portal que pudesse utilizar para chegar até ele e gritar-lhe, de braços estendidos, o sangue a ferver, a cuspir saliva e palavras duras:

– Mas porquê, Diego?! Porquê isto agora? Precisamente quando estava disposta a perdoar-te definitivamente?! Tornas sempre tudo tão difícil!! Tão difícil... Merda! Vai à merda!

Saí da cozinha tempestuosamente. A minha mãe chamou-me indignada, mas que bicho me tinha mordido, aquilo não eram modos e não me tinha dado autorização para sair da mesa. De repente, caí em mim. A minha reação à notícia tivera assistência, mais concretamente a minha mãe e o meu irmão. Fechei os olhos, sentindo-me atacada por uma inércia que me deixava gelada. A sorte era que o meu pai não almoçava em casa naquele dia, senão já estava a ser castigada e a ver a minha liberdade condicionada. Regressei à cozinha cabisbaixa e submissa. Recebi a reprimenda da minha mãe rezando para não ser proibida de sair de casa durante um mês, ou qualquer imposição que me destruísse os planos de poder visitar a Argentina proximamente. Felizmente, a minha mãe só me criticou a atitude despropositada, chamou-me criançola e meteu-me a lavar a loiça.

No feriado chorei sem parar. Depois passou-me tudo. A tranquilidade apareceu e eu achei que estava mais do que na hora de esquecer definitivamente os arrufos arrogantes de Diego. Se era para perdoá-lo, tinha de ser a sério, sem guardar rancores latentes que irrompiam como uma erupção vulcânica quando qualquer minudência destruía o frágil equilíbrio de um perdão coxo.

Por causa das avaliações intercalares não havia aulas na quinta e na sexta, pelo que podia aproveitar umas saborosas miniférias de cinco dias no início de novembro, juntando o feriado a começar e o fim-de-semana a terminar. Aproveitei que os meus pais tinham saído para irem às compras e que o meu irmão estava na escola para ligar para Diego. Estava determinada em fazer as pazes definitivas com ele e enterrar, de uma vez por todas, os últimos acontecimentos que vinham desde maio, que se estenderam pelo verão e que se prolongavam por aquele outono ameno. Antes, porém, precisava de ser esclarecida, de trancar as coisas feias numa caixa inviolável e lançá-la para o fundo do oceano.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now