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Dia dezassete de maio de 1989. Segunda mão da taça UEFA. Estugarda.

Era hoje que Diego podia levantar uma nova taça.

Na Alemanha era tudo diferente do que era em Itália. Já tinha essa experiência de visitas anteriores e comprovei novamente essa impressão. Organização, decoro, sobriedade, contenção, competência. Ali movimentava-me com outra certeza, com outra altivez. Também eu me tornava distante e sofisticada, integrava-me perfeitamente naquele ambiente disciplinado, sabendo que iria arrancar a máscara com um gesto impaciente, mostrar-me apaixonada, desenfreada e fremente, assim que me reunisse aos italianos que tinham o sangue mais quente que o meu.

Apanhei um táxi no aeroporto que paguei com os marcos que levava comigo. Foi a minha única despesa naquele dia. Estava uma excelente tarde de primavera e a cidade de Estugarda mostrava, com alguma discrição, que se preparara para a grande festa do futebol. Na avenida que o carro percorria havia bandeiras penduradas nos candeeiros de iluminação pública que exibiam as cores das equipas que iriam jogar, o branco, o vermelho e o azul.

Carmando recebeu-me no átrio do hotel onde a delegação italiana tinha passado a noite. Não eram só napolitanos, também estavam presentes representantes da federação e da liga de Itália, pois a conquista da taça representava uma vitória importante para o país. Na rua oposta à entrada do hotel concentrava-se um grupo grande de adeptos do Napoli que mostrava o seu apoio com cantigas, música e bandeiras.

O massagista puxou-me para um canto discreto, para evitar que chamasse a atenção de alguém indesejável. Disse-me que Diego viria ter comigo. Uma melhoria em relação ao jogo da primeira mão. Havia mais tempo e eu podia encontrar-me com o argentino. Mostrei-lhe a boneca mexicana e o cachecol que retirei da mochila. Estava preparada, trazia os amuletos todos. Ao dizê-lo, a minha voz tremeu. Também estava muito nervosa e temerosa. Era uma final e a importância desse jogo afogava-me num mar tempestuoso que me baralhava as emoções ao ponto de se tornarem descontroladas. Era ridículo como eu ainda não me tivesse habituado a estes momentos, depois de tantos jogos que vira.

A ideia era que os acompanhasse como acontecera no mundial, explicou-me Carmando. Primeiro no autocarro, depois apanharia boleia no avião que os transportaria a Nápoles no final daquela noite. De Nápoles regressaria a Portugal, mais uma vez no avião particular que, desconfiava, seria diferente daquele que acabava de me deixar na Alemanha. O percurso não me incomodava, desde que na hora certa eu pudesse estar presente, ou seja, que estivesse no jogo que determinaria o vencedor da taça UEFA daquele ano.

Diego conversava com alguém. Reparou no sinal de Carmando e veio ter connosco. Corei quando ele me abraçou e sussurrou o meu nome ao ouvido. Também era ridículo que continuasse a corar sempre que me encontrava com ele.

Encarámo-nos. Ele tinha um aspeto saudável, fortalecido, renovado. Soubera que não tinha alinhado pelo Napoli nos últimos jogos para a Serie A. Concentrava-se para aquela final, pois se o campeonato italiano estava definitivamente perdido para o Inter de Milão, aquela temporada ainda podia ser salva com um inédito trofeu europeu. O futebol era também uma questão de escolhas, de estratégia, de colocar os nossos trunfos onde se podia colher os melhores resultados. Era, em suma, calculista, cínico e oportunista. Não me chocava desde que fosse o meu lado a ganhar. Nunca temos compaixão pelos derrotados, infelizmente, e esquecemo-nos com facilidade das vezes em que perdemos e choramos.

– Muito bem! Estás com a boneca – apontou Diego ao olhar para o que eu tinha nas mãos, que incluía também o cachecol azul.

– Sim. Trouxe a boneca. Parece que voltou a dar sorte...

– Para mim, acho que nunca deixou de dar sorte.

– Estás otimista. Isso é muito bom!

– Sim, claro que estou otimista. Se não estivesse aqui para ganhar, nem teria vindo.

Aqueles Dias de MaravilhaWhere stories live. Discover now