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As aulas acabaram a dezasseis de junho, uma sexta-feira. Para a despedida marcou-se um jantar e uma ida à discoteca. O décimo primeiro ano estava terminado e eu completara-o com as habituais boas notas. Era elogiada tanto por professores, como por colegas e sentia-me feliz.

No restaurante, o convívio foi muito agradável. Soltei-me e mostrei a minha felicidade, a tal ponto que chegaram a pensar que eu tinha bebido mais do que a conta. Não tocara no álcool e mostrava triunfante o meu copo cheio de água gaseificada. Tinha aprendido aquele truque em Itália, beber água com gás ajudava à digestão, e sempre que podia solicitava a bebida com ares de sabedora. Menos em casa. Uma vez tinha cometido o erro de perguntar à minha mãe se havia água com gás e ela despachou-me dizendo que era muito cara, que continuasse a beber água da torneira, tantas viagens estão a dar-te ideias ridículas, qualquer dia ficas de castigo em casa, e eu nunca mais falei em água com gás.

A turma estava outra vez junta como acontecera durante a excursão de março e as relações estabelecidas nessa ocasião foram todas ressuscitadas. Eu fazia olhinhos ao Ricardo, apesar de saber que ele namorava com a Telma, a Maria concedia espaço ao Luís, a Monique amuava por achar que ninguém se interessava por ela, mesmo estando de namoro mais ou menos firmado com o Hélder, o Adriano arrastava-me a asa, a Marta procurava ganhar a atenção do Élio, a Lídia abanava a cabeça a censurar os comportamentos dissimulados que ia captando. Era divertido e arriscado, principalmente por causa dos arrebates de consciência e das consequências fatais que toda aquela confusão podia gerar no dia seguinte. Mas, então, estaríamos de férias, deixávamos de nos ver e podia ser que uma última noite de loucura não fizesse mal a ninguém.

Era também uma maneira de afirmar a nossa juventude, de seguir a velha máxima de viver o presente sem preocupações com o futuro. Éramos jovens e esse estatuto estava ameaçado, pelo tempo e pelo mundo. Recentemente tinha acontecido a terrível e cruel repressão das manifestações pacíficas dos estudantes a favor da liberdade e da democracia na praça Tianamen, na China. Comentáramos entre nós a brutalidade sobre os chineses que se tinham juntado nesse sítio, desde abril, numa multidão esperançosa e utópica. Eram como nós, tinham as nossas idades, seguramente que avaliavam da mesma maneira o mundo e que partilhávamos os mesmos anseios, os mesmos sonhos, os mesmos desejos de mudança, de segurança e de prosperidade. A repressão a que tinham sido sujeitos marcara-nos e agoniara-nos. Protestámos contra o maldito poder que oprimia e que odiava o que era novo. Naquele jantar, prolongávamos esse protesto com as nossas ações livres e um tanto ou quanto excessivas, ampliadas pelo facto de se tratar de um adeus. Havia colegas que iriam desistir do curso e que não seguiriam para o décimo segundo ano, como o César e o Élio, e queríamos que a noite fosse perfeita, que não ficasse nada por fazer ou dizer.

A resolução era arriscada e podia implicar decisões com resultados imprevistos, mas, mais uma vez, a nossa imaturidade dava-nos a possibilidade de sermos inconsequentes e o que nós queríamos era divertirmo-nos.

Comeu-se, bebeu-se, conversou-se e riu-se. Eu continuava a mostrar-me insolente, histérica e provocadora, a beber água gaseificada e a afirmar com uma solenidade ofendida que não tinha tocado numa única gota de vinho. Precisava de estar sóbria para dançar na discoteca, alegava com uma expressão cândida no rosto. Depois piscava o olho ao Ricardo que me sorria.

O Adriano sentou-se ao meu lado. Os lugares iniciais tinham sido todos trocados e cirandávamos pelo restaurante, provando esta e outra cadeira, mudando o nosso parceiro de mesa, gritando para nos fazermos ouvir do lado oposto de onde tínhamos saído. O dono do estabelecimento não se importava muito, pois tínhamos uma sala reservada só para nós, não incomodávamos os outros clientes com o nosso alarido e, por sermos um grupo grande, a nossa despesa compensava qualquer percalço. A Lídia tratara de tudo e conseguira um preço muito bom por cada pessoa, que incluiu aperitivos, prato principal, sobremesa, bebidas e café.

Aqueles Dias de MaravilhaUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum