O chamado do Urutau - 117

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          Os pilotos das motos logo atrás, notam que há algo de errado, mas só entendem quando a caminhonete capota. Ela usa os corpos dos soldados que estavam ao seu lado para amortecer seu corpo no impacto, rapidamente se aproveita da pouca luz e da grande nuvem de poeira levantada e utiliza todos seus esforços para sair da caminhonete. Assim que se vê livre, dá uma ultima olhada nos soldados agonizando e diz:

          — Só tem um probleminha: eu não transo com homens mortos...— Vira as costas, se afasta sem que a vejam e se embrenha na mata à direita da estrada.

          Os soldados nas motos enfim se dão conta do que houve e se desesperam:

          — Ela fugiu, com certeza foi pra mata!

          Eles apenas vêem os vultos dela passando correndo por entre as árvores e atiram em sua direção.

          — Que merda, a gente tá fudido. O Major disse que não era pra deixar ela sair dessa caminhonete viva.

          — A gente tá muito fudido! O que aconteceu lá dentro? Os caras estão vivos?

          Um deles pega a lanterna e tenta olhar por entre as árvores. O outro vai verificar a caminhonete enquanto o garupa chama pelo rádio:

          — Major, na escuta? Houve um acidente na estrada. Temos soldados feridos, repito, soldados feridos.

          — Na escuta, prossiga. A missão foi executada? Ela foi eliminada?

          — Não sei, Senhor, estamos com 4 soldados feridos, possivelmente há mortos.

         — Não quero saber o que houve com esses incompetentes, quero saber se a mulher está morta! É isso que importa agora! O corpo dela está aí?

          — Não senhor, não encontramos vestígios dela, ela pode ter fugido pra mata, pode estar ferida.

          — Vou passar o rádio pra duas patrulhas que estão aí perto para dar reforço pra vocês. Quem não estiver ferido, entre na mata e garanta que ela seja encontrada antes que chegue no acampamento.

          — Mas senhor, tem homens ainda vivos aqui, não podemos deixá-los à mercê na estrada.

          — Você está me ouvindo, Soldado? Vocês tinham uma missão simples: eliminar ela e dar sumiço no corpo. Uma mulher desarmada contra 7 homens armados e ela ainda foge viva. Se eles morrerem é porque mereceram por tamanha incompetência. Agora deixe-os aí e vão atrás dela. Isso é uma ordem! Fui claro?

          — Sim senhor, entendido.

          Ferida, sangrando, com o ouvido zunindo e ainda zonza pelo tiro e o capotamento, Kalitch tenta se concentrar em sair dali mais que depressa. Assim como ela sabia o que iria acontecer, ela também sabe o que virá a seguir, por isso, precisa alcançar à sua terra segura o mais rápido possível.

          Por mais que ainda esteja atordoada, ela conhece aquele lugar como a palma da sua mão. Sabe os melhores atalhos pra chegar mais rápido no seu acampamento e despistar os militares.

          Ela caminha com muita dificuldade, mas procurando manter o ritmo o mais rápido que aguentar. Depois de pouco mais de duas horas caminhando, começa a ver as primeiras marcas de identificação características do seu povo. Ela imediatamente começa a imitar o triste som da ave Urutau, que é um sinal para identificar os que pertencem aquele clã, e também uma forma de pedir ajuda na floresta. Dessa forma, algum vigia do seu povo viria ao seu encontro assim que a ouvisse. Aqueles símbolos deixados na mata, de alguma forma lhe dão um pouco mais de conforto, ao mesmo tempo em que triplicam os efeitos da exaustão. Fraca, debilitada e começando a ter alucinações, ela não resiste e desmaia, nos seus últimos segundos de consciência vê vultos se aproximando e se identifica:

          — Elisa Kalitch... Terceira filha de Rigon Kalitch. — Ela diz isso e apaga.

          Quando retoma a consciência, consegue ver a sua volta um ambiente mais familiar: rostos conhecidos, decoração conhecida no quarto... Está em casa. Ela tem a cabeça envolta em ataduras e alguns curativos pelo corpo. Sua cabeça ainda dói um pouco, mas os efeitos mais fortes já passaram, ela percebe que ainda é noite, mas ainda está desnorteada, se senta e sente o ambiente girar, respira fundo e olha ao redor:

          — Por quanto tempo eu fiquei apagada?

          — Umas três ou quatro horas mais ou menos. Mas ainda precisa descansar. — uma forte voz masculina a responde: — O que a traz de volta ao acampamento?

          Ela mexe na roupa, e pega uma pequena bolsa, de dentro dela tira um papel e entrega a ele.

          — Isso é uma carta de quitação militar... fui formalmente dispensada das minhas obrigações e compromissos com os milicos e a Natihvus, e liberada pra voltar pra casa.

          — Se as coisas foram tão belas assim, por que você me chega aqui por uma rota de fuga, baleada na cabeça, ferida no resto do corpo e quase morta de exaustão?

          — Era uma armadilha, a carta e a carona pra casa eram só pra me enganar por um tempo, se eu não tivesse a malícia que tenho, provavelmente teria sido estuprada por sete caras e já estaria morta a essa hora.

          — Tem como provar o que está dizendo?

          — Sim! Na Estrada da Divisa, no ponto da curva do Grande Carvalho, vai encontrar uma caminhonete capotada e também é possível que esbarrem com alguns soldados me procurando.

          Ele se levanta e vai até a porta. Assim que ele a abre, ela o chama:

          — Eles me traíram... os que me trouxeram até perto da fronteira tinham ordens pra me matar. Traíram também outros clãs de sobreviventes daqui de perto, e não vão parar por aqui. Nosso povo corre perigo... pai.

          — Isso nós veremos mais tarde. Neste momento, só vou me certificar que você não foi uma fraca, fugindo e quebrando um pacto, e com isso desonrando nosso povo. Deite-se, descanse um pouco mais até que os homens retornem.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora