A morte caminha à luz do dia - 32

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          Morgana acorda de manhãzinha, sente um cheiro delicioso e bem conhecido, mas que há tempos havia ficado somente na memória. Ela chega na mesinha da sala e tem café quentinho e biscoitos sobre ela.

          Ela toma seu café intrigada com um barulho que a incomoda, vindo lá de fora. Um ruído forte, mecânico, como um animal feroz agonizando. Ela come, e com seu copo de café ainda na mão vai em direção a porta. Na medida que sobe os degraus da entrada do abrigo o barulho vai ficando ainda mais forte, podendo sentir no ar a pressão que esse som causa.

          Seus olhos começam a avistar pela abertura da entrada do bunker a suave luz do sol, recém-nascido, dos primeiros minutos do dia.

          Estando totalmente fora, fica por um instante paralisada com o que vê diante dela.

          Uma moto robusta, em boas condições de conservação, flutua a quase um metro de altura do chão. Jow está sentado ao seu lado, mexendo em suas entranhas e provocando seu ronco nervoso. Norffi flutua junto a Jow, auxiliando no serviço.

          — Oi Morgana, bom dia.

          — Nossa!!! Então essa é a moto para a qual você comprou as peças no mercado? Bom dia inclusive.

          — Sim, é essa mesma. Desculpa por ter te acordado tão cedo, não era intenção. Mas era impossível não fazer barulho.

          — Não, tudo bem. Não foi o barulho que me acordou, foi o delicioso cheiro de café que há tempos não sentia. Voltando a falar da moto, agora eu entendo por que você caminhou por mais de duzentos quilômetros, se arriscou na cidadela e depois caminhou tudo de volta. Jow, ela é magnífica. Eu teria feito o mesmo.

          — Ela foi presente do meu avô, quando eu tinha apenas 16. Ele era um pouco precipitado.

          — E seu pai deixava você dirigir com essa idade?

          — Ele era meio ausente. Esse era o jeito que ele via de compensar. Eu ficava mais com o meu avô, fazia o que queria praticamente. Vê essa marca aqui? É o símbolo da nossa família. É uma tríade paternal, representa avô, pai e filho... Aqui já está resolvido, a moto está consertada, Norffi também, precisamos ir logo buscar seu equipamento. Você não pode ficar ausente por muito tempo, sua mãe precisa de você.

          — Tem razão, vamos logo então.

          Jow desliga a moto e a cobre com a capa, em seguida os três descem abrigo a dentro.

          — Morgana, lá no quarto tem muitas roupas, talvez encontre algumas que te sirvam. Vou lá na cozinha pegar alguns suprimentos para levar.

          — Tudo bem, não demoro.

          Morgana retorna com um sorriso e traz consigo um tecido preto grosso, aparentemente pesado sobre os braços. Mas ao chegar na sala fica paralisada ao ver Jow vestido com algo diferente do que esteve esses dias.

          — O que é isso? Uma armadura? Você é um soldado da guarda da Corporação?

          Jow sorri.

          — Não, não mesmo. Isso é um traje, era um projeto experimental desenvolvido para soldados, preparado para diversos tipos de situações a serem enfrentadas, tiroteio, gases, incêndio... Como era muito caro devido sua estrutura foi considerado inviável e o projeto abandonado. Então, quem o projetou me deu esse de presente, pra se livrar de uma tralha. Tem me servido bastante desde então, é quase minha segunda pele. Mas me diz, o que é isso você tem aí nas mãos?

          — Ah, verdade. Eu encontrei uma coisa lá dentro, trouxe pra você ver. Acho que vai ficar bom em você.

          Jow desdobra o tecido, e estranha o que vê.

          — É um tipo de capa de caça Morgana, longa, com capuz e vai até o tornozelo.

          — Parece ser o seu tamanho. Deve ficar bacana por cima desse traje. Experimenta pra gente ver como fica.

          Jow coloca aquela veste sobre o traje.

          — Sinistro. Ficou parecendo a morte, só falta a foice.

          Jow sorri.

          — Gostei, vou ficar com ela. Vai me disfarçar um pouco.

          — Sim. Bem discreto a morte caminhando a luz do dia.

          Os dois sorriem.

          — Enquanto estava me vestindo fiquei pensando. Por que estava juntando suprimentos para levar, se a viagem vai ser rápida?

          — Por mais que você viveu entre eles e os considera seus amigos, você deve se lembrar que não faz mais parte do bando. Precisamos mais do que seu sorriso e simpatia para convencê-los a nos entregar seu equipamento.

          — Não se preocupe, Jow. Eles são legais. Não vão me negar isso.

          — Você tem um coração inocente Morgana. Os tempos mudaram. As pessoas mudaram. Precisam comer para sobreviver e a sobrevivência vem primeiro que a amizade e a caridade. Vou levar por precaução.

          — Tudo bem. Eu estou pronta. E você?

          — Também estou. A propósito, qual era mesmo o nome do seu clã?

          — Filhos da noite.

          Jow fecha o cenho. Não consegue disfarçar a sua mudança de expressão.

          "Era o que eu temia." — Pensa ele. Um calafrio percorre a sua espinha.

          — O que foi Jow? Algum problema?

          — Não. Nenhum. Temos que nos apressar se quisermos chegar logo.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Where stories live. Discover now