O Pajé conta histórias - 79

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          Todos já comeram, a essa hora já estão fartos, a fogueira já baixou bastante sua intensidade, fazendo com que o frio da mata pudesse alcançá-los levemente, e então uma coisa chama a atenção de Jow e dos outros por ali: um bando de crianças e adolescentes da aldeia, sorridentes e barulhentos, invadem o espaço, desgovernados vão se ajeitando de forma ruidosa e desordenada no chão no grande espaço entre os visitantes e a fogueira. Com algum custo, e certo tempo eles já estão todos sentados com sorrisos em seus rostos e olhares curiosos, parecem ansiosos esperando alguma coisa.

          — O que está acontecendo? De onde surgiu tanto guri de repente? Ra ra ra ra. — Brinca Vovó Jack.

          — Eles vão ouvir uma história, hoje é uma ocasião importante na tribo, alguém deve contar uma história pra nós e eles foram chamados para participarem, e pelo que pode ver, é algo que eles adoram. — Jow explica a ela.

          Logo, o Cacique chega até perto deles, vestido com um traje robusto, imponente, diferenciado daquele que estava quando fora recebê-los, provavelmente uma vestimenta para rituais especiais.

          — Forasteiros de terras distantes, sempre que a tribo recebe visita, nosso Pajé: Maunga Ma, conta nossa história, pra vocês e pros nossos pequenos, pra que a história do nosso povo nunca morra, e mesmo que chegue o dia que não exista mais nenhum índio Kynawa, nossa lembrança ainda vai estar espalhada por onde vocês estiverem. Maunga Ma não fala vossa língua, mas eu vou traduzir pra vocês tudo que ela disser aqui.

          Assim que o Cacique fala, começa do outro lado da fogueira um som feito pela orquestra dos índios, composta por tambores, chocalhos, folhas de palha, berimbaus, instrumentos de sopro feitos de bambu e percussões vocais. Imitando sons da floresta e de bichos, embalados num ritmo agradável, pareciam anunciar alguma coisa. Quando de repente, surge uma figura mística baixinha, emborcada para frente, um pouco corcunda, caminhando lentamente segurando seu cajado, sua silhueta vai se materializando na medida que se aproxima, e todos podem ver uma senhora bem idosa, pra mais de seus 70 anos, com longas tranças brancas, sorriso murcho, já sem dentes, os olhos apertados quase fechados, mas muito bem vestida e preparada para aquele momento: roupas feitas de couro e decoradas com conchas, pedaços de madeira e ossos cobrindo seu corpo; uma pele de lobo inteira, por cima das suas costas e com a cabeça encaixada acima da sua, mas sem comprometer que seja visto claramente seu rosto pequeno. Está apoiada em um cajado muito bem feito, bem maior que ela, ornado com pequenos chocalhos de cabaças, cordões de contas e um corvo negro, empalhado assentado na ponta dele com olhar bravo de quem está sempre vigilante.

          Ela começa a falar com voz trêmula, mas forte o suficiente para que possa ser ouvida por todos:

          — Yancy haere maeneene, i haere i nga maunga, i nga ngahere me nga koraha kiatae mai kikonei. Kaore ahau e mohio ana ki hea e haere ana, engari e hiahia ana ahau ki te korero ki a koe i tetahi korero kia kawea ki a koe i roto i au kete i nga wahi katoa e haere ana koe. Engari ko nga korero e mau ana ki a matou he rite ki te taro me te wai, me uru tonu matou ki aua tangata matewai ka tutaki matou i te ara.

          — Homens brancos viajantes, que atravessaram montanhas, matas e deserto pra chegarem até aqui. Eu não sei qual o destino para onde vão, mas quero lhes contar uma história para que possam levar consigo, em sua bagagem por onde forem. Mas as histórias que carregamos conosco, são como pão e água, sempre devemos repartir com aquelas pessoas que tem sede que encontramos pelo caminho.

          — Ko te korero e korerotia ana e ahau ki a koe ko te takenga mai o to maatau iwi me o koe, a ka timata i te wa roa, kaore he mea i puta i te ao i tua atu i to papa.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora