Anjo da morte, venha me buscar - 104

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          De algum lugar do galpão de depósito, começa a ecoar um tipo de cântico triste e melancólico.

          — Que música é essa? De onde está vindo? — Questionou o Tenente.

          — É um canto indígena, está vindo do nosso companheiro de viagem: Mondanês, eu conheço esse canto, é uma canção de guerra, na verdade é mais do que só isso, é um mantra para a morte em guerra, ou para batalhas que são impossíveis de serem ganhas, mas que precisam ser travadas. — Jow esclarece a dúvida e começa a acompanhar o velho índio na sua canção.

"Rainhe culdre run'e ana;

Raime sunse rur'mue xanta;

          Rainhe culdre run'e ana;

          Raime sunse rur'mue xanta;

Rainhe aranua in urug'ietua;

Q'ueit iemei unde xenxei;

Urum xua einetua xindau etun;

Mueiki vita s'rei anma num i q'uinxei;

          Rainhe culdre run'e ana;

          Raime sunse rur'mue xanta;

Rainhe culdre run'e ana;

Raime sunse rur'mue xanta."

          — E o que quer dizer? Por que é um canto para a morte? — Melissa indaga.

          — Na cultura dos índios Mondaneses e de algumas outras tribos do entorno, quando vão se preparar para a batalha, eles cantam uma canção... de motivação, de bravura... que é bem diferente dessa: ela é animada, motivadora e vibrante, para dar mais determinação a ir ao combate. Mas quando um grupo ou indivíduo vê que vai perder, ou qualquer outra situação em que a morte é certa... como enfrentar feras na caçada, ou ser capturado por brancos, ele canta essa canção. O significado dela pode fazer parecer que estão se entregando a morte, mas na verdade, quer dizer que eles abrem mão do zelo a vida, e a partir daquele momento estão prontos pra tomar qualquer atitude, até mesmo avançar somente com as mãos contra um homem branco armado, ou contra um tigre, por exemplo, pois já entregaram suas almas aos espíritos sagrados e estão prontos pra morrer se for preciso.

          Deste momento em diante, se tornam imprevisíveis, podendo atacar na primeira oportunidade que tiverem, eles nunca se rendem, mesmo estando em menor número, pois na cultura deles, os prisioneiros de combate viram escravos da tribo vencedora pro resto de suas vidas, por isso, todos que são pegos vivos, sempre possuem sequelas graves do combate, alguma ferida suficiente pra incapacitar, mas sem matar. Nunca se verá um escravo perfeito em uma tribo, e ele não poderá retornar a sua casa nunca mais, pois já não é mais aceito por ter sido fraco de não ter conseguido vencer, nem mesmo garantir uma morte honrosa.

          Se quer saber a tradução do que ele está cantando eu lhe digo. — Jow faz uma pequena pausa para esperar o índio recomeçar seu canto e ele então traduzir o que diz:

"Anjo da morte venha me buscar; 

Espírito que guarda a passagem das almas, eu estou pronto; 

          Anjo que proteges meu povo na batalha; 

          Quando não nos deis a vitória; 

          Não deixeis que sejamos escravos em outra terra; 

          Tirai minha vida para que o inimigo não me corrompa;"

          Assim que termina a parte principal, Mondanês recomeça o que parece ser o refrão, e Jow o acompanha, a cigana Kalitch também canta com eles. Assim que todos se calam, Melissa ainda o questiona:

          — Mas Jow, eu estou curiosa, ele falou que te pagou em arsenal militar bélico pesado, armamentos, veículos, equipamentos, fardamento... Se sua proposta pra ele era um blefe, o que você fez com tudo isso?

          Antes que ele pudesse responder, o trovão estridente de um raio caindo bem perto faz com que todas as luzes do acampamento se apaguem, deixando todos no maior breu. Eles podem ouvir os homens lá fora gritando ordens para ligarem os geradores reserva, e verificarem a causa da queda de energia. Mas, eis que de repente todo som para, ficando um total silêncio do lado de fora, e nossa equipe atenta, começa a ficar preocupada, envolta em uma total escuridão. O silêncio é interrompido por um som ensurdecedor, o raio caíra novamente, e agora parece que fora muito mais perto, pois fez estremecer todas as paredes e o teto, o clarão do relâmpago iluminou todo o espaço como a luz do dia por uma fração de segundo e revelou a todos uma visão bizarra e assustadora de dezenas de silhuetas de pé, espalhadas por todo o galpão. Algo tão medonho que assustou tanto homens quanto mulheres, alguns gritos de pavor puderam ser ouvidos.

          — O que está acontecendo aqui?! — Pergunta assustado e ofegante Bulsara.

          — Será que to ficando louco?! — Questiona Bulldog.

          — Gente, todo mundo viu o que eu vi?! — Sofia também está pasma com aquilo.

          Todos respondem em coro, que sim.

          — Pessoal, mantenham a calma. O que vocês viram foi só o nosso resgate. — Jow tranquiliza os colegas.

          Uma fagulha de chama acende uma tocha, e dessa, outra e mais outra, até que dezenas de tochas estão acesas dentro do galpão, mostrando claramente o que o relâmpago revelou apenas de relance: o galpão está repleto de indígenas e parado bem na frente de Jow está a figura serena do Cacique da tribo Kynawa.

          — Chefe Bucaraim, vocês demoraram, já estava começando a achar que não viriam mais. — Jow cumprimenta o velho índio de forma irônica.

          — Chuva muito forte, atrapalhou a viagem e a vigília. Alguém ferido?

          — Não chefe, mandem que libertem todos, não temos muito tempo, devem estar quase conseguindo quebrar os firewalls de proteção do servidor, precisamos agir rápido.

          O chefe faz um sinal com a mão e os índios começam a soltar os membros da equipe de Jow, nesse meio tempo, a luz é restaurada e eles podem ver com mais clareza.

          — Então Melissa, se você olhar ao redor verá onde está todo arsenal que o Nicholas me deu como pagamento pela suposta entrega do servidor.

          — Era pra isso que eles se aprontavam de forma tão concentrada na tribo há duas noites... — Kallitch relembra o que vira.

          Jow respira fundo para respondê-la, antes que sua voz saia ele logo é interrompido:

          — Você já sabia disso o tempo todo e não disse nada?! — Questionou furioso o Tenente.

          — Na verdade, saber, saber mesmo... eu não sabia, eu apenas presumia, tinha uma desconfiança... por via das dúvidas tinha na manga o Plano B.

          — Planejou o resgate antes mesmo da captura? Há há há. — Melissa comenta em tom de riso.

          — Eu me precavi, poderia ser a Tentáculus ou poderia ser qualquer outra organização ou grupo independente, o que importa é que receberíamos reforços.

          — Mas o reforço é só uma vez, depois que Waburaerê sair daqui com seu povo e sua máquina, missão dos Kynawa acabou, Pajé salva vocês e volta pra sua terra. — O Cacique reforça os termos do trato.

          — Sim Cacique, assim que chegarmos à estrada de volta ao nosso destino, vocês estarão livres, agradeço a ajuda.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Όπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα