A quem recorrer - 21

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         Enquanto o robô sai, Jow olha para Morgana e pergunta:

         — E você, por que está aqui? Não estaria melhor em Xavi? O que te fez ficar?

          Morgana olha pra fora, através da porta, respira fundo e diz:

          — Talvez até pudesse estar mesmo. — Morgana olha em volta por um instante, como se analisasse as condições da sua casa pela primeira vez, pensa um pouco, respira fundo e continua. — Eu me formei em Bioquímica, me especializei em botânica. Estava apaixonada pela profissão. Quando aconteceu toda essa guerra, o planeta ficou contaminado com material nuclear, as pessoas precisaram ser removidas da Terra, eu vi aí uma chance, uma oportunidade de ficar e ser importante, fazer a diferença. Fazer novas pesquisas, encontrar uma cura, poder salvar nosso planeta. Deixar minha marca na história. A Natihvus permitiu a opção de escolha e mesmo com todos os riscos que eles disseram que teria, eu resolvi ficar. Achei que poderia estudar aqui, pesquisar mais, vagar livre de um canto a outro a qualquer momento, testar os níveis de radiação. Mas eles mentiram pra nós, disseram que teríamos liberdade aqui, quem ficasse. Mas não temos. Tiraram de mim meu laboratório, destruíram minhas pesquisas e me trancafiaram neste chiqueiro. Agora não podemos sair daqui, nem ir para Xavi. Hoje estão cobrando X$ 6.000,00 créditos por cada passagem pra lá. E não é fácil juntar essa grana, na verdade é quase impossível.

          — E sua mãe, por que ela ficou?

          — Estava tudo programado para que todos da família fossem menos eu, na última hora ela pediu a meu pai que fosse com os meninos e ficou pra não me deixar só.

          — Lá no mercado, na distribuição das refeições, eu te vi pegando duas cartelas, depois vi você entrando em uma loja e saiu de lá só com uma. Por quê?

          — Há pouco tempo, eu e minha mãe estávamos fora desses muros, fazíamos parte de um bando, éramos os "Filhos da noite". Íamos bem, estávamos à procura de um novo laboratório para que eu pudesse retomar minhas pesquisas, produzir medicamentos e ajudar a cuidar das pessoas. Mas a minha mãe ficou doente, o quadro de saúde dela foi se agravando, ela estava com hepatite, não sei se pela constante exposição à radiação, pela baixa qualidade da água ou pela má alimentação, mesmo assim, precisava de atendimento médico especializado e medicamentos próprios. Nós não tínhamos isso lá fora, aí deixei o bando e procurei refúgio com a minha mãe na Cidadela na tentativa de conseguir melhor atendimento, imaginava que aqui dentro as coisas fossem diferentes. Neste lugar não somos mais gente, somos como bicho ou coisa pior. Enfim, eu fui atrás da administração da Natihvus, meu pai foi uma pessoa influente dentro da Corporação, tentei me aproveitar disso e fui falar com eles. Pra ver se alguém me ouvia, ver o que poderia conseguir, mas o máximo que me deram foram alguns remédios. Me disseram que se eu quisesse mesmo atendimento especializado, ela devia ir para Xavi, pois os melhores profissionais e estruturas estavam lá. Mas para isso eu teria que comprar uma passagem, pois depois que passou a evacuação as passagens passaram a ser cobradas. Desde então, tenho feito de tudo que posso para juntar créditos pra passagem na esperança de que lá ela possa ser tratada. Por isso eu vendo uma das refeições todos os dias. Vem muita comida então a gente sempre divide uma só, até porque, comida ruim, sintética, eu também faço alguns atendimentos médicos, às vezes até dentários, faço umas pomadas com plantas medicinais. Tudo que dê pra eu ganhar alguns créditos a mais. Amo minha mãe, ela é tudo que eu tenho. Faria qualquer coisa por ela. Temo que essa história de passagem seja só uma fachada para escravizar as pessoas.

          — Está certa, concordo com você, é preciso lutar por nossos objetivos, ao menor fio de esperança que seja. Não devemos medir esforços pra isso, nem mesmo permitir que outras pessoas nos impeçam. Principalmente se é algo para salvar quem amamos.

          — Agora é você que vai me contar sua história.

          — Minha história não é assim tão interessante. Eu sou engenheiro de energia nuclear e automação robótica, tinha uma família bonita, pais, irmãos. Ajudei a desenvolver o progresso. Tinha o trabalho que amava, até que...

          Neste momento, Jow é interrompido por dois rapazes e uma moça que entram na casa, a moça parece aflita.

          — Você é a Morgana? — Pergunta um dos rapazes.

          — Isso mesmo, sou eu.

          — Nossa filhinha não está bem. Disseram que você poderia nos ajudar.

          — Eu estou preocupada, ela é só um bebê. — Fala a mulher em tom triste.

          — Eu posso ver o que eu consigo fazer por vocês. Mas, gente, eu não sou médica, mas prometo fazer tudo que puder.

          — As pessoas disseram que se há alguém que possa nos ajudar é você. Nós podemos pagar. Tivemos aqui mais cedo e você não estava.

          — Deixa eu pegar meus materiais. Só um instante, com licença.

          Ela olha para Jow e diz:

          — Me espera aqui, vou ver essa garotinha e já volto aí poderemos ver as peças que você precisa no mercado.

          — Eu não posso esperar tanto, assim eu vou acabar perdendo um tempo que eu não tenho. Vou agora. Não tem que se preocupar comigo, sei me virar bem nesse mercado. Pode ficar tranquila, vou conseguir o que preciso.

          Ela olha para Jow por um instante, o olhar de quem espera que ele fale mais alguma coisa, misto com o de quem quer dizer algo, mas lhe falta coragem. Jow entende o momento.

          — Não se preocupe, eu vou voltar para cá assim que terminar. Você ainda vai me ver hoje. Não vou embora sem me despedir de você.

          Morgana dá um leve sorriso de satisfação, pega uns itens, coloca em uma maleta e sai acompanhando as pessoas que vieram lhe buscar.

          Jow a observa até sumir entre as casas, olha pra trás e chama.

          — Norffi, vamos ao mercado.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Where stories live. Discover now