O mal que habita a floresta - 81

10 8 2
                                    

          — Olá, cachorrão. Podemos lhe fazer companhia um pouco? — Melissa vem acompanhada de Zoe.

          — Olá, Senhorita Zampollo.

          — Ra ra ra. Não precisa me chamar assim, isso soa até estranho vindo de você. Pode me chamar só de Melissa.

          — Tudo bem, Melissa, como quiseres. Vocês podem nos fazer companhia, será uma honra.

          Jow termina de montar o aparato que ele usa pra descansar as noites quando está na estrada, ele se arruma sob a grama ao lado da moto e de seu robô, quando Melissa se aproxima dele.

          — Você nunca tira esse traje é? Num cheira mal não? — Melissa fala e sorri.

          — Eu tiro sim. — Jow também ri de forma simpática. — Tem um riacho um pouco abaixo, ao sul da aldeia, agora há pouco fui lá, tomei banho e lavei meu traje também, já estou com ele a tanto tempo que sinto que faz parte de mim, uma extensão da minha pele. Mas num chega a cheirar mal não, pelo menos eu acho...

          Ele estende sua cama e deita no chão olhando pra cima, ela deita ao seu lado do mesmo jeito, Zoe senta logo ao lado dos pés dela, sempre de vigia.

           — Você vive na estrada, por que não tem uma barraca?

          — Não gosto de barraca, tenho meus colchonetes que me dão o conforto que preciso, e me permitem me aprontar mais rápido, tanto pra dormir quanto pra partir.

          — Só por isso?

          — Não. Gosto de dormir olhando as estrelas. Era assim que dormíamos nas noites de aventuras na montanha, forrávamos o chão com folhas e dormíamos olhando o imenso céu estrelado acima de nós.

          — Vocês quem?

          — Eu e meu avô. Ele me ensinou muito do que eu sei.

          — Jow, quero te fazer uma pergunta pessoal.

          — Pode fazer, Melissa.

          — Alguma vez, depois que tudo acabou por aqui, você já pensou em constituir família? Ter esposa, filhos...? Ao menos por um instante?

          — Eu acho que ninguém que tenha ficado aqui, se tiver sã consciência não pensaria em colocar uma criança neste mundo, as possibilidades de não chegar nem até o dia do parto já são grandes, e a cada ano que se passar, dobram a chances de que não faça mais um aniversário.

          — É mesmo, que pergunta ridícula a minha...

          — Mas por outro lado, ter uma família te faz mais humano. Você passa a ter algo a perder e te dá um motivo a mais pra continuar a lutar pra viver. Eu passei minha infância com meu avô, e a forma com que ele vivia... não é muito diferente do que vivemos hoje, tirando a parte que ele não era perseguido por nenhuma corporação opressora, era basicamente isso mesmo, ele e minha avó viviam isolados, em contato com a natureza, tirando da mesma tudo que precisavam pra sobreviver. E ele me ensinou tudo que sabia, admito que sinto falta de ter alguém que eu pudesse passar adiante esse ensinamento, são tantas coisas que ele teve toda a paciência de me ensinar que eu sinto que eu estaria falhando com ele se deixasse tudo isso morrer comigo.

          — E de amar? Não sente falta de ter alguém pra amar? Ter uma companhia pras noites frias, para os dias solitários?

          — Esse mundo não é mais nosso como já foi um dia. Esse mundo agora é deles, e aqui, eles pintam e bordam, não se pode ter paz, perdi a conta de quantas pessoas que amava eu perdi, não dá pra garantir a própria segurança e a de outra pessoa sendo sempre caçado, perseguido. Pensei em fugir para o oeste, onde o terreno é tão hostil que nem eles o querem, pra poder assim ter paz, e talvez pensar em poder ter alguma companhia. Mas fui pego antes que conseguisse partir.

Mundos Entre Luas - A Resistência (CONCLUÍDA)Where stories live. Discover now