Capítulo 60 - Lavenders

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Camila POV

Eu não estava em um bom dia.

A pior coisa sobre quando você começa um tratamento, é que de repente todo o mundo a sua volta quer que você só melhore, tenha progressos e avance rumo a vida mais normal possível que seu problema pode lhe oferecer. Além de ser uma jornada extremamente dura e cansativa, você nem sempre vai ter dias bons. Nem sempre vai acordar disposta, feliz e preparada para encarar mais um dia cheio de coisas que no fundo você não queria fazer.

Nada é perfeito, tudo o que é humano falha. Tem seus erros, seus deslizes, seus "isso não deveria ser assim". A vida é frustrante em trezentos milhões de aspectos e de infinitos jeitos diferentes, e comigo não poderia ser diferente. Eu não costumava dar muitos nomes ao meu humor, mas sabia que não era uma pessoa mal humorada.

Eu nem mesmo era muito eficiente em toda essa coisa de ser normal o bastante para ter humores.

Mas eu considerava um "não bom dia" aquele dia em que eu sentia que seria mais difícil fazer tudo o que eu fazia em um dia normal. Aprendi durante essas minhas tortuosas sessões de sexta feira que, quando isso acontece, eu deveria pensar em todo o progresso que já fiz, em como já melhorei e me tornei melhor do que eu era meses atrás em muitos aspectos. Acontece que eu não conseguia ver isso, e se tentasse as coisas ficavam piores. Não era por falta de tentativa, eu só não acordava disposta a esse tipo de coisa.

E não é como se eu não percebesse que as coisas se tornavam mais fáceis conforme as sextas feiras iam passando – eu apenas não era capaz de olhar para trás e dizer "sorria, Camilinha, você está em um lugar diferente de onde estava antes, é um dia bom". Não era.

Ponto final.

Resolvi tentar essa automotivação em uma manhã de quinta-feira, me encarando na frente do espelho depois de ter me arrumado para ir à escola. Eram exatamente sete horas, dezessete minutos e quarenta e três segundos. Minha mãe me chamaria em no máximo dez minutos para tomar café, então eu não sabia de quanto tempo dispunha para tentar meu pequeno estupido exercício para que eu mesma percebesse que era menos retardada do que era há alguns meses.

O último acontecimento que me vinha na cabeça era meu aniversário. Depois que disso, fui obrigada a voltar para a porcaria da vida real, onde eu só via Lauren de manhã por dez minutos, na hora de dormir, no dia de me acompanhar para aquele lugar horrendo que era chamado carinhosamente de clínica e aos domingos – não parecia suficiente, mesmo considerando que vivíamos na mesma casa. Ela me disse ontem na hora do café da manhã que estava nervosa porque alguma coisa sobre o projeto de pesquisa dela iria acontecer hoje – não prestei atenção porque estava com sono e fiquei com vergonha de pedir para ela repetir, já que parecia tão feliz me contando a notícia e eu não estava prestando atenção.

Das poucas vezes que iríamos sair, ou algo dava errado – como a vez que iriamos jantar, começou a chover como o inferno e acabamos ficando em casa comendo o frango que eu fiz de última hora ou quando Lauren ficou de sair mais cedo para me levar ao cinema, mas contratempos aconteceram e ela não conseguiu chegar a tempo.

Para não dizer que eu não iria a nenhum lugar que não fosse a clínica ou a escola a quase um mês, fomos naquele parque que tinha aqui perto em um domingo e no outro fomos a sorveteria que havia aqui na esquina – passeios que já haviam se tornado quase normais para mim, não exigiam tanto da minha quase nula capacidade de me manter calma perto de pessoas estranhas já que também eram relativamente vazios.

"Grandes progressos, Camila. Uma salva de palmas.".

Percebi que não ia conseguir antes mesmo de tentar, então apenas peguei minha mochila e comecei a descer as escadas bem a tempo de sentir o cheiro das torradas que vinha da cozinha. Aquele cheiro me embrulhou o estomago, mas eu apenas continuei caminhando como se não preferisse estar deitada dormindo.

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