Capítulo 123: Mortadela

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— Não tenho presas. Não tenho garras. Todas as mulheres da minha vida pertencem à Guerra.

*

Ao norte, seguindo a crista do monte, uma figura de azul chamou a atenção de Vivianne. Lucille. A menina mistério virou o rosto para Vivianne. Um vento quase brisa avivou os cabelos cor de raposa, jogando mechas sobre os olhos cor de mel.

— Eu não morrerei hoje — disse Vivianne.

Marcus pegou a mão da irmã. Ele se virou para os homens, tanto de Lune, quanto da Fronteira.

Eu não morrerei hoje — ele disse.

Ele desembainhou a espada e os soldados fizeram o mesmo. Vivianne pensou que o irmão fosse fazer um discurso, mas ele ficou em pé nos estribos, levantou a espada e deu um sorriso quase tão maroto quanto o de Pierre.

Os soldados todos levantaram as espadas e começaram a rir. Foi gargalhando que eles cavalgaram para a batalha. Vivianne moveu-se para a retaguarda, à esquerda de Lucille, porém longe dela. Nessas horas ela se arrependia de não ter aprendido a usar uma espada. Adelaide estaria à frente de seus homens, Vivianne ficava para trás.

Deu para sentir a hesitação do exército inimigo quando aquele bando de gente risonha desceu sobre eles.

A batalha teve início. Risos se tornaram gritos de guerra, então gritos de morte.

*

— E bolhinhos — disse Fregósbor. — Não se pode comer chá sem bolinhos. Estes são de amêndoas, estes de pistache e estes de framboesa.

Mortadela segurou um bolinho de pistache com as pontas dos cinco dedos. Nem ela nem o mago estranharam o fato de que a pequena morte agora tinha dedos sólidos.

*

Tentáculos de madeira preta rodearam a mulher de trevas formando uma espécie de jaula. Erla se debateu, quebrando galhos, rasgando e matando a árvore com machadadas de escuridão. A árvore rodopiou para longe do exército franês, arrancando Erla da batalha, mas ela quase não tinha mais galhos e suas raízes começaram a definhar.

A árvore tombou ao chão, o tronco rachado em dois. Erla se livrou dos últimos galhos e lançou-se de volta à batalha.

Uma flecha negra trespassou seu ombro. Erla tentou dar um passo à frente, outra flecha a atingiu.

*

Os deranianos lutaram com bravura. Os fronteiriços de Fulion pareciam empunhar morte ao invés de espadas. Rápidos, eficientes, impiedosos. E a Boca jorrava inimigos para cima deles, uma cascata infindável de guerreiros igualmente impiedosos. Fulion manteve seus cavaleiros junto aos de Marcus, mas as linhas aliadas se apagavam depressa.

Vivianne, sempre atenta ao horizonte. A qualquer momento esperava ver Pierre surgir na curva. Onde ele estava? Lucille parecia despreocupada, mas é claro, ela era um mistério. Ela não morreria aqui.

*

— É estranho, não é, Mortadela? — perguntou Fregósbor. — Você é uma morte sem morto e eu sou um morto sem morte. No entanto, eu não posso te completar e você não pode me mostrar o caminho.

*

Neville só tinha mais cinco flechas. De onde ele estava, distante da batalha, segurando a treva com flechas — quatro flechas — ele enxergou o homem que fugiu da luta.

Três flechas.

O homem sem presas.

Duas flechas.

A Boca da GuerraWhere stories live. Discover now