A Velha guiou Frederico por uma floresta de troncos finos e copas rarefeitas que peneiravam o sol, tornando-o brando para as florzinhas que forravam o chão com pétalas brancas, azuis e amarelas. Por entre os troncos das árvores. Frederico viu brilhos de metal e ajustou os olhos para tentar distinguir o que via. Aos poucos, conforme se aproximavam, o metal foi tomando forma e Frederico deixou pender o queixo.
— Um trem — ele disse. — Pensei que elas não existissem mais.
Já nos primeiros anos da guerra, o povo desmontou as locomotivas, inúteis sem a feitiçaria de Sátiron, para construir armaduras, ferramentas e armas.
— Ninguém encontrou esta aqui — disse a Velha. — Está longe de qualquer trilho.
Frederico abriu ainda mais a boca.
— Um trem de guerra — ele disse.
— A locomotiva é uma Stanton, segunda geração — a Velha desmontou e apoiou a mão no aro da roda principal de tração. — Ele foi convertido a trem de carga e passageiros no início do Segundo Império, mas voltou a usar trilhos mágicos durante o confronto com Tinsa. Agora, claro, é inútil.
— Se ele não precisa de trilhos, deve ter um jeito de fazê-lo funcionar.
— Ele precisa de trilhos, só que mágicos. Sem um mago ou um feiticeiro, a locomotiva não funciona.
Magia e mistérios eram coisa do passado e de sonhos. Frederico só tinha pesadelos. Aquela locomotiva foi a primeira prova concreta de que existia um mundo fora da guerra, mesmo que além da Terra dos Banidos.
— Sente-se — disse a Velha. — Vamos ver se eu sei ensinar alguém a ler.
Frederico deu a volta na locomotiva, depois espiou por dentro.
— O que é isso? — perguntou.
— Não faço ideia. Se existia algum engenheiro ferroviário na Franária, morreu no primeiro século de guerra.
Frederico entrou debaixo da locomotiva.
— Tem muita coisa enferrujada aqui. Será que dá para restaurar?
— Menino, aprenda a ler e eu procuro livros sobre locomotivas, está bem?
Frederico colocou a cabeça para fora.
— Existem livros sobre locomotivas?
— Existe livro sobre tudo. O universo escrito é infinito. Venha, eu vou te ensinar a desbravá-lo.
— O que está escrito aqui? — perguntou Frederico. Na lateral da locomotiva havia uma palavra pintada em preto.
— Eliana — disse a Velha. — É onome dela.
ESTÁ A LER
A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...