Qualquer coisa brilhou no céu já meio manchado de preto, com as estrelas ainda apagadas pelos últimos sopros de sol. Parecia uma estrela cadente rasgando o anoitecer na direção de Chambert. Todos seguiram Germon para o topo de uma das torres. Chambert, Tuen e todos os refugiados de Baynard estavam nas muralhas.
— Um trem de guerra — disse o Eslariano.
A locomotiva vermelha e preta apitou num tom grave que lembrava os navios anjarianos, veio pairar sobre Chambert, em frente à torre onde estava Pierre. Frederico, completamente colorido, se debruçou à janela com uma cachorrinha no colo, de língua de fora e pelo curto, marrom e branco.
— Onde está Neville? — perguntou o príncipe.
O arqueiro deu um passo à frente.
— Quero me desculpar por ter te acusado de matar meu irmão.
— Não precisa se desculpar, eu só não matei Faust porque não consegui.
Frederico acenou com a cabeça e a locomotiva se afastou de Chambert, fez um círculo sobre o exército alvoroçado de Patire e pousou na estrada entre Fulbert e Pierre.
Soldados rodearam Frederico assim que ele desceu da locomotiva brilhante no por-do-sol que sangrava. Ele avançou até um jovem negro.
— Eu conheço você. Ainda vive. Diga-me o seu nome. — Viu a surpresa no rosto do jovem, lembrou-se de como o havia interrompido aquela noite na beira da fonte das histórias. Fazia tanto tempo. — Coisas mudam. Que nenhuma onda de morte inútil volte a apagar conhecidos rostos. Diga-me seu nome.
— É Leon, príncipe — ele não sabia se olhava para Frederico ou para a cachorrinha abanando o rabo na canela do príncipe, que foi até o próximo soldado.
— E o seu nome, qual é?
— Théodore, príncipe.
— Arnauld.
— Etiénne.
Um a um citou seu nome, Frederico memorizou-os. Leon pegou o cotovelo do príncipe, quase reverente. Teve medo de encostar em alguém da família real de Patire, mas precisava saber se aquele homem, se aquele herói era sólido.
— Você está vivo — ele disse.
— Onde estão o rei e a rainha?
— Eu o levarei até eles. — Leon disse isso mas não se moveu. Continuava segurando o cotovelo do príncipe e não sabia se olhava Frederico ou a locomotiva vermelha. — Como é possível?
A cadelinha latiu e a locomotiva bufou.
— Magia, sonhos e feitiçaria parecem ter muito em comum — disse Frederico. — Leve-me até Margot e Fulbert.
Caminharam em silêncio, mas a cada passo Leon lançava olhares ao príncipe.
— Você não era tão tímido da última vez que nos vimos — disse Frederico. — Mas você ainda não tinha servido sob o comando de Fulbert. Ele tem talento para calar vozes. Tudo bem, Leon, pergunte-me o que quiser.
Leon hesitou ainda um instante, por fim não se conteve:
— Onde esteve?
— Perdido.
— Veio apoiar seu pai?
— Eu não tenho pai.
Frederico, o Fraco. Cabeças se voltaram à sua passagem, o nome Frederico escapulia em sussurros, soldados o seguiram até o centro do acampamento, onde um estrado rústico de madeira foi montado para Fulbert e Margot. Uma lona servia de teto, mas não havia paredes.
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A Boca da Guerra
FantasyUma guerra de rotina. O rei da Franária morreu sem deixar herdeiros. Aconteceu o de sempre: três primos que se achavam no direito começaram a brigar pela coroa. Depois de quatrocentos anos (e, sim, todos eles tiveram descendentes), a guerra continua...