Capítulo 104

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Qualquer coisa brilhou no céu já meio manchado de preto, com as estrelas ainda apagadas pelos últimos sopros de sol. Parecia uma estrela cadente rasgando o anoitecer na direção de Chambert. Todos seguiram Germon para o topo de uma das torres. Chambert, Tuen e todos os refugiados de Baynard estavam nas muralhas.

— Um trem de guerra — disse o Eslariano.

A locomotiva vermelha e preta apitou num tom grave que lembrava os navios anjarianos, veio pairar sobre Chambert, em frente à torre onde estava Pierre. Frederico, completamente colorido, se debruçou à janela com uma cachorrinha no colo, de língua de fora e pelo curto, marrom e branco.

— Onde está Neville? — perguntou o príncipe.

O arqueiro deu um passo à frente.

— Quero me desculpar por ter te acusado de matar meu irmão.

— Não precisa se desculpar, eu só não matei Faust porque não consegui.

Frederico acenou com a cabeça e a locomotiva se afastou de Chambert, fez um círculo sobre o exército alvoroçado de Patire e pousou na estrada entre Fulbert e Pierre.

Soldados rodearam Frederico assim que ele desceu da locomotiva brilhante no por-do-sol que sangrava. Ele avançou até um jovem negro.

— Eu conheço você. Ainda vive. Diga-me o seu nome. — Viu a surpresa no rosto do jovem, lembrou-se de como o havia interrompido aquela noite na beira da fonte das histórias. Fazia tanto tempo. — Coisas mudam. Que nenhuma onda de morte inútil volte a apagar conhecidos rostos. Diga-me seu nome.

— É Leon, príncipe — ele não sabia se olhava para Frederico ou para a cachorrinha abanando o rabo na canela do príncipe, que foi até o próximo soldado.

— E o seu nome, qual é?

— Théodore, príncipe.

— Arnauld.

— Etiénne.

Um a um citou seu nome, Frederico memorizou-os. Leon pegou o cotovelo do príncipe, quase reverente. Teve medo de encostar em alguém da família real de Patire, mas precisava saber se aquele homem, se aquele herói era sólido.

— Você está vivo — ele disse.

— Onde estão o rei e a rainha?

— Eu o levarei até eles. — Leon disse isso mas não se moveu. Continuava segurando o cotovelo do príncipe e não sabia se olhava Frederico ou a locomotiva vermelha. — Como é possível?

A cadelinha latiu e a locomotiva bufou.

— Magia, sonhos e feitiçaria parecem ter muito em comum — disse Frederico. — Leve-me até Margot e Fulbert.

Caminharam em silêncio, mas a cada passo Leon lançava olhares ao príncipe.

— Você não era tão tímido da última vez que nos vimos — disse Frederico. — Mas você ainda não tinha servido sob o comando de Fulbert. Ele tem talento para calar vozes. Tudo bem, Leon, pergunte-me o que quiser.

Leon hesitou ainda um instante, por fim não se conteve:

— Onde esteve?

— Perdido.

— Veio apoiar seu pai?

— Eu não tenho pai.

Frederico, o Fraco. Cabeças se voltaram à sua passagem, o nome Frederico escapulia em sussurros, soldados o seguiram até o centro do acampamento, onde um estrado rústico de madeira foi montado para Fulbert e Margot. Uma lona servia de teto, mas não havia paredes.

A Boca da GuerraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora