Capítulo 113 - Criatura de Trevas

1 0 0
                                    


Do topo da muralha de Chambert, o soldado Manó viu uma mulher a cavalo deixar o acampamento de Henrique de Baynard e vir em direção ao castelo. Ele não reconheceu a bibliotecária, mas reconheceu a outra figura negra que veio do leste pela estrada de Tuen. A primeira vez que ele viu aquela mulher, Debur mergulhou em sete anos de revolução e Manó foi para Fabec.

Desta vez, ele não esperou a mulher chegar perto. Chamou Neville.

— É ela — disse Manó. Ele passou o dedo pela cicatriz na testa.

Os dois sabiam que ela estava morta. Passaram tempo o suficiente na Boca da Guerra para ter testemunhado o fenômeno: soldados mortos que matavam. Eles tinham consistência de cinzas, deixavam pegadas de cinzeiro e nunca se sabia quem eles iam atacar. Matá-los era quase impossível e a estratégia de Neville era fechar os portões de Fabec, não deixar eles entrarem. Esses mortos ficavam no campo de batalha, às vezes sem fazer nada, às vezes se jogando na luta. Quando eles lutavam, quase ninguém sobrevivia. Então, depois de algumas semanas ou meses, eles se desfaziam e se juntavam às marés cinzentas da Boca da Guerra. Neville sempre dizia aos seus guerreiros que ficassem longe daqueles mortos. Se vissem um deles no campo de batalha, deviam bater em retirada.

Os portões de Chambert estavam fechados, mas o acampamento de Henrique ficava ao relento, sem muros que pudessem deter a criatura de trevas. Erla já havia se desviado da estrada e se movia para interceptar um mensageiro a cavalo que vinha do acampamento.

Neville reconheceu a mãe. Erla se movia como um dedo da Guerra e ia esmagar Maëlle. Nem o arco negro de Neville tinha alcance para deter a mulher de trevas. Ele chamou por Fregósbor e correu para a base do muro, mesmo sabendo que antes de ele chegar ao chão, Erla já teria alcançado Maëlle. Foi como correr para Pierre quando Pierre abriu os braços para o dragão. Neville sabia que era inútil, mas não podia não fazer nada.

— Fregósbor — Neville chamou, mas o mago ainda estava se recuperando do esforço que fez naquele sonho de toda a Franária. Não veio.

Rederico viu a agitação de Neville, correu para a locomotiva vermelha, mas até ele entrar com a Velha no trem e até o Eliana decolar, Erla já teria alcançado Maëlle. Neville continuou correndo, atravessou o pátio de entrada, atravessou o portãozinho que os guardas abriram para ele e estacou na beira da estrada.

Do topo do muro Manó viu uma sombra. Parecia de uma nuvem, mas o céu estava limpo. A sombra passou por Erla, que balançou igual a bambu no vento e caiu sobre um joelho. No instante seguinte, entre Erla e sua presa, estava uma árvore negra com folhinhas verdes muito claras, quase brancas. Erla desistiu de Maëlle e, mais veloz ainda do que antes, foi para o acampamento.

Neville alcançou a mãe na sombra da árvore negra. Ela havia apeado e tinha a palma da mão contra o tronco liso. As folinhas ao redor de Maëlle estremeceram como se o toque fizesse cócegas.

— Quem é aquela mulher? — perguntou Maëlle.

— Algo a ser detido.

Maëlle pegou a mão do filho e os dois seguraram as mãos pelo tempo de um suspiro. Então Neville foi atrás de Erla.

Foi Vincent quem a viu primeiro.

— Recuar — ele gritou. — Agora.

Os outros soldados de Fabec obedeceram de imediato, mas os de Debur só reagiram quando os de Fabec empurraram eles para fora do acampamento. Vincent correu para a tenda de Henrique.

— O que é aquilo? — perguntou Henrique.

— É um tipo de morte — disse Vincent. — Precisamos fugir.

A Boca da GuerraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora