Capítulo 83: Vincent - E foi assim

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Quando Vincent chegou, Debur estava praticamente abandonada. Sobrou um pouco de gente, uns poucos soldados, o rei, mas Henrique estava murcho e seco, que nem as orquídeas dele. A cidade ficou dormente que nem um músculo sem sangue, mas começou a formigar quando Vincent apareceu.

Alguns soldados o reconheceram e mesmo quem nunca o tinha visto sabia que ele vinha de Fabec; via nos cabelos dele as cinzas da Boca da Guerra, nas mãos os calos de muitas mortes. Poucas mortes moravam em Debur, a maioria ficava à espreita nas marés arenosas da Boca, pendurada nas espadas de soldados como Vincent.

Ele não pensava assim, poeticamente. Não. Vincent conhecia as trevas, carregava mortes penduradas no punho, tinha voz áspera porque as cinzas ressecaram as cordas vocais. Ele não queria saber o que tinha acontecido depois da revolução e não estava interessado na gente de Debur. O mundo dele estava nas cinzas. A alma dele pertencia às trevas.

Pensando bem, a alma dele pertencia a Neville e Neville tinha mandado ele encontrar Olivier. Por isso ele pediu informações no Esmeralda, mas os soldados ali cercaram ele e colocaram aos pés dele as decisões que eles não sabiam tomar, as dúvidas que eles não sabiam tirar, a liderança que Henrique não mais vestia e que Olivier não estava ali para reinvidicar. Um bando de perdidos correndo atrás dele pelas muralhas.

Um monte de patinhos e eu sou uma pata mãe. Ele pensou.

Engraçado ele se lembrar de patos. Patos não viviam na Boca da Guerra. Se houvesse patos nas trevas, eles criariam mandíbulas e seriam peçonhentos. Na Boca da Guerra tudo era sinistro. Aqui em Debur, com o sol batendo no Esmeralda assim de viés, a ideia de patos mortíferos foi a coisa mais hilária do mundo.

Vincent riu e os soldados riram juntos, sem saber por quê. Patinhos. Vincent poderia terminar tudo com morte. Matar até ser morto. Era assim na Boca da Guerra, exceto que Neville não deixava eles serem mortos nem ficaria feliz com um de seus soldados matando gente em Debur. O que Neville faria no lugar de Vincent? Se Olivier não estava em Debur, devia estar em Tuen e Manó o encontraria. Manó encontraria Thaila. Neville daria um jeito de colocar Debur em ordem, mas Vincent não era líder. Não era nem que ele não fosse um líder à altura de Neville; ele simplesmente não sabia liderar. Os soldados e as gentes chegavam com decisões que ele também não sabia tomar, mas que fingiu ponderar enquanto pensava em como sair daquela situação sem decepcionar seu capitão. Se é que Neville estava vivo.

Sou mesmo uma pata.

Quando Fabec foi destruída, Vincent ficou à espera de Neville, mas Neville não chegou junto com o que sobrou dos soldados de Fabec. Cabeça de Couro liderou a marcha e Cabeça de Couro era tão líder quanto Vincent. Os dois confabularam juntos, mas continuavam sem saber o que fazer.

— Esperar o capitão — disse Cabeça de Couro.

Nenhum dos dois quis dar ouvidos à pergunta que pairava no ar como um machado prestes a cair. E se ele não voltar?

— Aonde foi o resto de Debur? — perguntou Cabeça de Couro. — Isto não pode ser tudo o que sobrou.

No entanto, ele falou sem convicção. De Fabec, sobraram só cem soldados.

— Foram embora — disse Vincent. — Não sei bem para onde, mas seguiram qualquer isca de magia para o sul.

— Isca de magia?

— Você não conheceu o Acidente de Debur — disse Vincent.

Os dois cogitaram seguir o êxodo de Debur, mas não sabiam se o Acidentado tinha seguido para Tuen ou para outro lugar qualquer.

A Boca da GuerraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora