Capítulo 58: Vivianne - Aquele que fica em pé

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A Mestra Curandeira de Tuen se chamava Marie. Era uma mulher roliça, com boca pequena e lábios generosos, um beiço natural que provavelmente enlouquecia os homens. No momento, esse beiço estava escondido, transformado em uma linha de desaprovação afiada.

— Você abusou da sorte — ela disse, massageando a perna de Vivianne.

Os lábios de Vivianne também estavam escondidos entre dentes, para segurar gritos de dor. Marie massageava com o punho, um soco deslizando sobre as dores de Vivianne. Marie terminou e Vivianne precisou de alguns segundos pare convencer o sangue a voltar para o cérebro. Então, ela perguntou:

— Minha perna estava mesmo quebrada?

— Em três lugares — disse Marie. — Você tem razão em estranhar. Aqui em Tuen as coisas não funcionam como em outros lugares.

— Você já esteve em outros lugares? Para comparar, quero dizer.

— Sou de Patire. Venho de um vilarejo que não existe mais. Morreram de fome. Viemos para cá, para escapar de Fulbert. Meu marido não aguentou servir aquele rei.

Vivianne não estava interessada na história do casal, queria saber sobre as coisas que funcionavam diferente aqui, mas antes que ela pudesse prosseguir seu interrogatório, Marie disse:

— Viemos para Baynard e meu marido morreu de sorteio.

— O que mais é diferente em Tuen? — Vivianne perguntou.

Marie encolheu os ombros roliços. Vivianne esperou, mas aquela foi a única resposta.

— Você precisa de descanso — disse a Mestra Curandeira.

— E de um par de calças.

— Qual é o problema com a saia?

— É uma saia.

Marie deu de ombros outra vez.

— Joanna consegue um par de calças para você.

Vivianne tentou descansar o resto do dia, mas não conseguiu encontrar uma posição confortável por causa da dor. Joanna trouxe o almoço dela para o quarto, junto com um par de calças, mas no fim da tarde Vivianne resolveu descer para pegar um pouco de cerveja. Lá embaixo, a porta se abriu e várias vozes entraram na Pluma.

Imediatamente uma avalanche de passos subiu as escadas e dois homens apareceram no corredor, na frente de Vivianne. Eles pararam, assustados com a presença dela e os três ficaram imóveis por uma eterna fração de segundo. Aqueles dois homens não tinham mais pele, só queimaduras. Não tinham cabelos, não tinham rostos. Os olhos brilhavam por trás de deformações, o nariz de um havia desaparecido e a boca de outro havia derretido os cantos até o queixo. As mãos era cicatrizes com dedos.

Então os dois homens se curvaram e entraram em uma sala, deixando Vivianne sozinha no corredor. Ela levou a mão ao pescoço. Os pulmões tinham paralizado e ela bateu no próprio peito para forçar o corpo a respirar, mas só conseguiu puxar soluços. Chegou até a escada mas não desceu até o salão. Encontrou Coalim em um dos degraus e sentou-se ao lado dele. Chorou um pouco.

— Você viu Bojet e Germon — disse Coalim.

Vivianne fez que sim com a cabeça.

— Eu também chorei — ele disse. — Mais até do que quando me vi no espelho.

Ela segurou a mão dele, a mão queimada. Ele estremeceu de espanto.

— Eu achei que ninguém jamais encostaria neste braço novamente.

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