Capítulo 37: Faust - E por que não?

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Faust desceu os Oltiens um pouco antes da encruzilhada. Os baynardianos teriam de passar ali para chegar aos Saguões de Neve. O vale estava tomado por névoas, uma pasta cinzenta. Faust pôs o que restou de seus homens em marcha. Precisavam chegar à encruzilhada. Ali onde o caminho estreito de Anuré encontrava a estrada que ligava os Saguões de Neve a Beloú era o lugar ideal para uma emboscada, com grandes rochas despencadas dos Oltiens servindo de abrigo para até duzentos soldados.

Faust já não tinha duzentos homens. Metade morreu na montanha, de exaustão, de frio e de queda. Ainda assim, Faust derrotaria os baynardianos com uma emboscada bem organizada e surpreenderia o pai com sua eficiência.

— Perder cem homens antes mesmo de uma batalha não é eficiência —disse a voz de Frederico dentro da cabeça de Faust.

Frederico. Faust teria de conversar com o irmão, dar um jeito naquelas ideias alucinadas dele. Formar uma aliança com a Fronteira! Só pensar nisso já endureceu os intestinos de Faust. Que sentido tinham todos aqueles planos, aquelas leis de Sátiron, filosofias? Verdade que Beloú tinha melhorado muito desde que Faust, por piedade, começou a ouvir os conselhos do irmão. Mesmo assim, a Fronteira?

Um homem tropeçou e tombou. Faust pegou-o pelo braço e abriu a boca para ameaçar cortar-lhe a orelha se demonstrasse fraqueza de novo. Acabou falando:

— Aguente, homem. Estamos quase lá.

Faust estava ficando mais parecido com Frederico do que com Fulbert. Ele não se importava. Frederico não era fraco como o rei Henrique de Baynard insinuara. O irmão não lutava, mas também não desistia. Frederico era seu último irmão, não tinha medo da Fronteira e parecia achar que Faust seria um bom rei.

E por que não? pensou Faust. O pensamento veio sem aviso algum. Faust tentou afastar a ideia, mas por que não? já estava enraizado que nem erva daninha no cérebro do príncipe.

O primeiro rochedo da encruzilhada despontou na névoa e Faust se concentrou nos baynardianos que tinha de matar. Abriu a boca para dar ordens, mas ouviu um grito de guerra vindo das rochas e o soldado ao seu lado caiu morto.

Uma emboscada! Faust sacou a espada a tempo de bloquear um golpe. Como foi que os baynardianos chegaram na encruzilhada antes dele? Faust matou um, dois, mas ouviu seus homens caindo às suas costas como frutas podres no fim do verão. Estavam fracos, vencidos pelos Oltiens e pelas tormentas.

Faust matou três. O quarto adversário deu um pouco mais de trabalho. Faust também estava no limite de suas forças. O quinto adversário era implacável como uma locomotiva de guerra. Usou o escudo para empurrar Faust, que mal tinha forças para bloquear os golpes incessantes.

— É fácil demais! — gritou o inimigo.

Essa voz! O adversário aproveitou que Faust hesitou e afundou a espada em névoa e carne.

— Pai? — disse Faust.

Um floco de neve rodopiou no ar, quase invisível na neblina. Pousou no rosto de Faust, roubando um calor que nunca mais retornaria. Fulbert, ainda segurando o punho da espada atravessada em Faust, amparou a cabeça sem vida.

— Filho?    

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